Análise Especial - Mais segurança jurídica para fazer negócios e racionalidade da administração pública

Divulgacao
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Advogados do BMA avaliam Lei da Liberdade Econômica e seus impactos no ambiente de negócios
Fecha de publicación: 03/10/2019

A Lei da Liberdade Econômica caminha na direção correta ao regulamentar o princípio da livre iniciativa, já consignado pela Constituição Federal como balizador da ordem econômica, consolidar jurisprudências e entendimentos já pacificados, além de alterar leis tais como o Código Civil, o que fez para, dentre outros aspectos, trazer regras atuais para os fundos de investimento. Mas também exigirá regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários e seus impactos vão depender da forma como o governo ou Judiciário vão implementar ou aplicar alguns artigos na prática.

Em síntese, essa é a análise especial realizada por uma equipe multidisciplinar de profissionais especializados do BMA em conversa recente com LexLatin. Participaram da conversa:

Felipe Galea
Felipe Galea

Felipe Galea é sócio em contencioso, arbitragem e recuperação de empresas. Formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especializou-se em direito contratual na Fundação Getúlio Vargas e obteve título de mestre em direito também pela PUC-SP. 

Eduardo Carvalhaes Neto
Eduardo Carvalhaes Neto

Eduardo Hayden Carvalhaes Neto é sócio em infraestrutura, regulação e assuntos governamentais. Graduou-se em direito pela PUC-SP e recebeu título de mestre e doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).

Jane Goldman
Jane Goldman

Jane Goldman Nusbaum é sócia em mercados financeiro e de capitais. Possui graduação em direito pela PUC-RJ e MBA em Finanças com ênfase em finanças corporativas pela Fundação Getúlio Vargas.

Vivian Eskenazi
Vivian Eskenazi

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi é sócia em tributário. Formou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e possui pós gradução em direito tributário pela Faculdade Cândido Mendes.

Leandro Artioli
Leandro Artioli

 

Leandro Artioli é advogado com atuação em tributário, mestre e pós-graduado em Direito Tributário pela PUC/SP, além de professor e conferencista dos cursos de pós-graduação em direito tributário da PUC/SP e Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET. 

Leia abaixo a entrevista:

Qual a principal mudança que a Lei da Liberdade Econômica traz para a forma de fazer negócios no Brasil?

Felipe Galea - O importante para quem está tomando contato com a lei é ver que ao mesmo tempo tem duas pegadas diferentes. Por um lado, é bastante genérica. A abertura da lei é mais em conceitos gerais, princípios e diretrizes. Muitos já existentes no ordenamento jurídico, garantidos pela Constituição. A lei vem reforçar isso. O propósito é passar um recado para operadores do direito e do mercado. A lei tem sido explorada também politicamente. A aprovação conversa com a postura liberal que o governo toma e é direcionada ao incremento da atividade econômica.

Por outro lado, a lei concretiza alterações específicas de determinadas leis, normas trabalhistas, cíveis, normas de mercado de capitais, tributárias e daí em diante. 

A própria lei diz que vem estabelecer normas de proteção e dispor como o Estado vai enfrentar essas e interpretar contratos privados. A boa-fé e a intervenção subsidiária do Estado são algumas das diretrizes aplicáveis. 

Questões fiscais não recebem o tratamento tão abrangente quanto as questões cíveis. Entre entes privados, fica mais fácil deixar a critério deles o estabelecimento das normas que vão reger as relações. A partir desses grandes conceitos, se tiver um litígio e uma discussão entre particulares, como o Estado vai se portar em tese é difícil de definir. 

Eduardo Hayden Carvalhaes Neto - A ideia é que sempre que houver um caso de regulação de atividade econômica em que há mais de uma interpretação possível, o que vai pautar a interpretação que vai prevalecer é essa norma. Muitas coisas já estavam colocadas de forma mais geral na Constituição, como livre iniciativa. Não é uma novidade, mas traz de maneira mais detalhada como se deve interpretar determinadas obrigações, dando diretrizes para essa interpretação e fornecendo ferramentas para que o ente privado que exerce atividade econômica possa defender sua atuação.

Jane Goldman Nusbaum - Uma das principais mudanças da lei, a mais aclamada pelo mercado, é a inclusão de um capítulo específico no Código Civil para regular os fundos de investimento, que careciam de uma previsão legal clara. Até então, os fundos eram regulamentados, alguns por leis especiais, e outros apenas por instruções da CVM.

E a alteração mais importante em relação às regras atualmente vigentes foi a possibilidade de limitar a responsabilidade dos investidores ao valor de suas cotas. Foi o que mais agradou o mercado, porque, quando investe em um fundo, o investidor não quer correr o risco, em caso de patrimônio negativo, de ter que aportar capital adicional. É o fundo quem deve responder por suas próprias obrigações. E, caso não tenha patrimônio suficiente, agora há previsão de que irá entrar em regime de insolvência, de acordo com as regras do próprio Código Civil. 

Antes havia uma insegurança jurídica grande, a regulamentação brasileira era muito diferente da ampla maioria dos países nesse aspecto, o que representava uma barreira de entrada, pois os investidores ficavam muito desconfortáveis em investir aqui. Essa mudança na norma deve incentivar um maior investimento nos fundos, principalmente quando se fala em capital de risco, já que o investidor estará mais seguro de que o investimento vai ficar limitado ao valor das cotas, o que é uma preocupação comum dos investidores. 

A lei também trouxe a possibilidade de se estabelecer a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço dos fundos, cada um deles passando a responder somente por suas atribuições e deveres. A regulamentação atual prevê a responsabilidade solidária, assim como um overlap de funções, que por um lado geram uma fiscalização maior pelos próprios prestadores de serviços, mas, por outro, um custo maior e uma responsabilidade desproporcional às funções do prestador de serviços. Então a lei foi muito bem recebida pelo mercado, tanto por investidores quanto por administradores e gestores de fundos. O que se espera é que essa mudança gere redução de custos na estrutura.

Além disso, o Código Civil agora deixa claro que a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações contraídas pelo fundo é do próprio fundo. Os prestadores de serviços não respondem por essas obrigações, exceto se causarem prejuízo e tiverem agido com dolo ou má fé. Esse também era um ponto preocupante para os prestadores de serviço, a inclusão desta previsão expressa na lei é muito bem-vinda. 

Ainda em relação aos fundos, outra mudança bem recebida pelo mercado é a possibilidade de o fundo passar a ter classes de cotas com patrimônio segregado. Hoje temos alguns tipos de fundos que já admitem a criação de diferentes classes, mas não permitem uma segregação de investidores e de patrimônio entre as classes. Essa mudança tem como inspiração a regulamentação de diversas outras jurisdições. A ideia é que seja menos custoso e mais simples agregar, a um mesmo fundo, diversos subfundos com estratégias distintas. Se um gestor quiser ter sob sua gestão fundos com estratégias diferentes, agora poderá ter um fundo só e dividir esse mesmo fundo em classes, uma para um público com perfil agressivo, outra com perfil mais conservador, por exemplo. O investidor poderá escolher em que classe investir, sem que haja entre as classes uma contaminação quanto aos ativos investidos, direitos e obrigações.

Agora, todos esses pontos ainda dependem de regulamentação da CVM. As novas regras inseridas no Código Civil não implicam em que amanhã o investidor não responda mais pelo patrimônio negativo do fundo ou que os prestadores tenham responsabilidade limitada ao escopo dos seus serviços. As mudanças na prática devem levar algum tempo: a CVM está iniciando estudos e, após discussões internas, provavelmente irá propor as novas regras ao mercado, que terá um prazo para comentar, e novamente a CVM irá avaliar as sugestões, para, somente então, editar a nova regulamentação. Mas só ter a possibilidade prevista no Código Civil já é um passo bem grande.

E o impacto na área empresarial?

Felipe Galea - Da parte restante do Código Civil, dividiria a lei em duas grandes questões. A primeira é a desconsideração da personalidade jurídica, que leva à responsabilidade de administradores e sócios de pessoa jurídica por dívidas desta. Ou ao contrário, responsabilidade da pessoa jurídica por dívidas dos administradores ou sócios. É um mecanismo que existe no Brasil há muito tempo, mas agora sua aplicação parece estar mais delimitada e veio a ser reforçado que a PJ é autônoma patrimonialmente em relação ao sócio.  

O que se mudou agora deveria servir para tornar mais difícil desconsiderar a personalidade jurídica, o que estimula investimento. Agora está claramente escrito que para ser atingido o sócio tem que ter tido benefício, no que alguém alega que foi abuso. Só o fato de eventualmente ser administrador ou sócio, agora está bem claro que se não teve benefício não vai ser atingido e ponto final.

Segunda questão, a mera existência de grupo econômico não é suficiente para autorizar a desconsideração, precisam estar presentes os requisitos: confusão de patrimônio ou desvio de finalidade. A lei também veio explicar o que é cada um.  

Quando fica meio nebuloso e a empresa paga conta do sócio, por exemplo. Antigamente valia para qualquer tipo de confusão. Agora, se o valor não for relevante, há melhor defesa em casos concretos, como, por exemplo, se a empresa pagar uma conta de luz de poucos reais do sócio. Mas não pode ter habitualidade, não pode pagar sempre conta do sócio, ficar usando como se fosse patrimônio particular dele. Somente se houver habitualidade é que tem confusão patrimonial, uma definição que me pareceu muito interessante. 

Como fica essa questão no direito tributário?

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi – No direito tributário, a jurisprudência tem se consolidado no sentido de que, nas hipótese de responsabilidade tributária expressamente previstas no Código Tributário Nacional, como nos artigos 124 e 135, não há a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica para fundamentar a imputação da responsabilidade para diretores, sócios e pessoas jurídicas vinculadas ao fato gerador. Nessas hipóteses, há a prevalência do Código Tributário Nacional, que é lei complementar e específica, sobre o Código Civil. 

Contudo, em casos de confusão patrimonial, as alterações trazidas nesse artigo de desconsideração da personalidade jurídica podem reforçar o argumento dos contribuintes acerca da necessidade de sua observância no âmbito tributário, para fins de prevalência da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com a aplicação das regras mais objetivas quanto às hipóteses em que o patrimônio do sócio pode ser atingido para suportar o pagamento de dívidas tributárias

 Quanto ao fato de a Lei de Liberdade Econômica prever a inaplicabilidade de alguns de seus dispositivos, que tratam das diretrizes e princípios da liberdade econômica,  acreditamos que objetivo não é deixar de aplicar tais princípios ao direito tributário, mas sim discuti-los no contexto da reforma tributária e compatibilizá-los com o princípio da legalidade. Eventual discussão da sua aplicação ao direito tributário em um momento em que se discute a reforma tributária poderia travar a agenda e inviabilizar a aprovação da Lei. 

Que outras mudanças vocês destacam? 

Felipe Galea - Outra inovação foi a sociedade limitada unipessoal. Ao contrário da regra anterior que requeria ao menos dois sócios. E com relação à EIRELI, tem uma questão de responsabilidade, que a lei deixa mais clara a separação do patrimônio do titular, exceto em caso de fraude. O conceito do que é fraude é um pouco incerto, para cada juiz pode ser uma coisa. Tem essa nuance da responsabilidade.

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi - A lei também está conferindo maior poder para a PGFN desistir do prosseguimento de discussões já superadas pela jurisprudência, objetivando agilizar o contencioso tributário e dar segurança jurídica ao empresariado, em linha com seus objetivos econômicos. E prevendo a criação de um comitê, formado pela RFB, PGFN e CARF, para edição de súmulas de observância em atos administrativos, normativos e decisórios. 

Além, é claro, da previsão, muito comentada e muito esperada pelos contribuintes, acerca da substituição do e-Social. Nesse ponto, o que mais se deseja é uma simplificação do sistema e uma desburocratização, gerando facilitação do dia a dia.

O comitê previsto na lei pode evitar que casos julgados no Carf sigam para o Judiciário?

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi – Os casos julgados no CARF de forma desfavorável aos contribuintes sempre poderão ser levados à apreciação do Poder Judiciário, ainda que sejam objeto das Súmulas editadas pelo Comitê definido na lei. Quando, contudo, a discussão encerra-se de forma desfavorável à Fazenda Nacional, essa, atualmente, já não possui a prerrogativa levar a discussão para o Poder Judiciário. Assumindo que essa decisão desfavorável tenha sido proferida em decorrência de decisão proferida com base em Súmula editada pelo Comitê previsto na lei, o qual será formado por representantes do Fisco, e que a PGFN deverá observá-la, não haveria sequer interesse em discussão da matéria no âmbito judiciário. 

O objetivo com a criação do Comitê e a edição das súmulas seria alinhar o entendimento entre os Órgãos (RFB, PGFN e CARF) e garantir maior segurança jurídica para os contribuintes, já que deverão ser observadas pela RFB, PGFN e CARF em atos administrativos, normativos e decisórios.

A princípio, quanto a observância das Súmulas em atos administrativos e normativos nos parece fazer sentido para fins de alinhamento de entendimentos entre RFB e PGFN sobre determinadas matérias tributárias. 

Contudo, dada a edição da regulamentação pelo Ministério da Economia, alguns pontos são objeto de preocupação, como a previsão de prevalência dessas Super Súmulas da Administração Tributária em relação às Súmulas do CARF, as quais, se adotarem entendimento diverso, seriam revogadas, apesar de possuírem disposições próprias sobre a forma de sua edição e quórum mínimo para aprovação. Ou seja, teríamos a revogação de Súmulas do CARF, órgão paritário e cuja aprovação dependeu de um quórum mínimo, por uma Súmula aprovada, ainda que por unanimidade, exclusivamente por representantes da Fazenda.     

Acreditam que vai sair do papel?

Leandro Artioli – Embora haja dispositivo expresso vedando aplicação de determinadas diretrizes ao tributário, a legislação proporcionou alterações significativas. Isso parece “contraditório”, mas pode ser visto sob um determinado contexto histórico. O Brasil culturalmente passou a ser um Estado irracionalmente controlador - isso inclusive está expresso na exposição de motivos da medida provisória. Quando foi editada essa lei “declarando” direitos de liberdade econômica, trouxe mais objetividade e clareza àquilo que já está na Constituição Federal. Dentro desse conceito de liberdade econômica, o legislador quis incluir a esfera de atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional. Por isso que foi concedida a possibilidade à Procuradoria estender determinados fundamentos de julgados do STJ e STF, recursos repetitivos e repercussão geral, para casos semelhantes. Isso desafoga o Judiciário e ganha-se em eficiência. Além disso, a Procuradoria possui a liberdade para evitar atos processuais cujo impacto não atinja critérios de razoabilidade e eficiência, inclusive considerando critérios de valor. É uma liberdade de atuação dentro de determinado contexto, tornando mais racional a atuação estatal. 

No meu entendimento, em termos de dogmática, a sociedade tende a se antecipar à atuação legislativa. O avanço social costuma a ser mais rápido que o legislador. Nesse caso o legislador se antecipou e permitiu que o processo seja mais racional. Mas é uma questão de cultura. Temos a cultura de judicialização das discussões e que ficam eternas. O legislador aprova a lei, o Judiciário interpreta, as partes interpretam a decisão do julgador e isso não acaba nunca. Com a nova lei, a Procuradoria vai poder deixar de praticar atos processuais em nome dessa racionalidade.

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi  - A ideia é excelente. Quanto mais hipóteses tivermos que autorizam a desistência da PGFN de ações cuja discussão já foi superada contrariamente a seus interesses, mais ágil se tornará o contencioso tributário, encerrando discussões eternas e desafogando o Poder Judiciário. A previsão de desistência, pela PGFN, de recursos que tratem de tema não abrangido por julgamento pacificado, quando a ele forem aplicáveis os fundamentos determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência consolidada, desde que inexista outro fundamento relevante que justifique a impugnação em juízo, também é uma excelente novidade e que poderia contribuir para dar agilidade ao contencioso tributário.

Algum outro ponto interessante a ser destacado sobre a lei?

Eduardo Hayden Carvalhaes Neto  - A lei atendeu anseio antigo dos particulares, toda autoridade federal passou a ter dever de dizer em quanto tempo vai analisar um determinado pleito e, mais do que isso, responder o pleito dentro de tal prazo, sob pena de a licença para a atividade econômica ser emitida tacitamente. Por exemplo, se alguém pediu um alvará que tem prazo de 30 dias para apreciação, passível de prorrogação e o governo não se manifestar dentro desse tempo, vai haver presunção de que o seu pedido foi deferido. O que acontecia até então era grande insegurança jurídica porque, apesar de haver prazo na lei, muitas vezes o governo não se manifestava e o particular ficava impossibilitado de exercer suas funções. Com esse dispositivo, a gente passa a ter silêncio positivo, que também produz efeito. 

Há casos em que o silêncio positivo pode produzir efeitos bastante danosos, por isso a lei previu a possibilidade de exceções trazidas em leis específicas. 

Outro avanço que foi trazido por lei está no inciso X do art. 3º, que passou a permitir conforme regulamentação que o particular apresente documentos à administração pública em meio digital. Até então tinha que manter meio físico até o prazo prescricional. Com esse dispositivo, que ainda precisa ser regulamentado, será possível manter uma cópia disso em meio digital. Se for alvo de fiscalização, apresentar o documento em modo digital. 

Outro dispositivo que merece destaque é o artigo 4º, que traz uma vedação ao abuso de poder regulatório da administração pública. O dispositivo é bastante positivo porque tenta coibir o excesso de regulamentação, a burocratização do particular, a não ser que existam argumentos favoráveis muito claros. É um incentivo à desburocratização. 

Um outro aspecto merecedor de elogios é a obrigatoriedade de análise de impacto regulatório. A administração pública tem dever de avaliar os efeitos práticos e tentar antever quais serão os impactos práticos dessa alteração, além de ver se essa é a medida mais eficaz para atingir a finalidade pretendida com a regulamentação. Muitas vezes pode haver mais de uma alternativa à disposição do governo, e por isso é fundamental antecipar quais seriam os efeitos práticos da medida e escolher a menos danosa e onerosa. Parece algo simples, mas é uma técnica legislativa que já existia em segmentos e passa a ser um dever para a administração. 

Vamos pensar que amanhã o governo, num exemplo esdrúxulo, quer tabelar preço. Daria o direito a nós de questionar a avaliação, qual a finalidade? Qual a análise de todas as medidas, porque quero ver se o tabelamento é a menos onerosa e mais efetiva. Ele passa a dar uma ferramenta para o particular questionar novos regramentos do poder público, buscando uma desburocratização e maior eficiência da administração pública. 

Acreditam que isso vai se concretizar?

Eduardo Hayden Carvalhaes Neto – Temos que partir do pressuposto de que a lei está em vigor e deve ser observada. Pelo menos parte dela vai pegar, cabe a nós fazer com que seja cumprida. 

Felipe Galea - O Código Civil sofreu outras alterações para reforçar que as partes dos contratos podem estabelecer regras de interpretação deste contrato e exatamente as circunstâncias em que contratos podem ser revisados. Hoje se permite em determinadas circunstâncias, quando estava desequilibrado por motivos imprevistos, por exemplo. A lei veio reforçar e as partes podem deixar muito limitado o escopo de revisão do contrato. Dá mais segurança jurídica para quem faz negócio no Brasil.

Em relação a interpretação dos contratos, já existem várias delas, outras são de atuação do poder Judiciário. Tem uma que nos chamou atenção. Se houver dúvida sobre interpretação de um contrato, vai ser desfavorável a quem propôs a redação do contrato. O alcance da norma não está muito claro, mas se faço minuta e mando pra parte contrária e tem uma dúvida, no futuro isso pode ser interpretado contra mim. Por outro lado, a lei dá uma saída: permite que as partes afastem a cláusula e que as partes, como são presumidas como paritárias com forças iguais de negociação, podem dizer que a regra de interpretação não se aplica.

Vejo nisso, como o Código de Processo Civil de 2015, com a permissão de negócios jurídicos processuais, vejo o Estado abrindo margem para uma participação mais ativa das partes e dos seus advogados, mediante a liberdade de contratar o que é bom para elas… Quanto ao negócio jurídico processual, determinadas regras do processo, em vez de serem definidas pelo juiz como figura suprema, podem ser estabelecidas pelas partes. Por exemplo, num grande contrato de construção já se poderia estabelecer, na hipótese de litígio, quem vai ser o perito, que os dois confiam e não é indicado pelo juiz. Essa lei de liberdade econômica veio conversar com medidas do Código de Processo Civil de 2015 e confirmar que a tendência é que as partes tenham responsabilidade, accountability, menos ingerência de Estado, mais autonomia da vontade das partes. Vai ao encontro desses princípios, aos poucos num país como o Brasil, reduzindo interferência do Estado.

Algum aspecto deve gerar questionamento na Justiça?

Felipe Galea - Discussão sobre a lei em geral, eventual inconstitucionalidade da lei talvez até aconteça. Já tem partidos questionando a lei. É uma questão cultural, uma mudança da cultura é lenta mesmo. O operador do direito vai ter que atuar para mudar essa concepção. Os juízes foram forjados em cima de um conceito diferente, a cultura demora a mudar. A gente pode esperar, não uma resistência, mas talvez uma falta de atenção e costume na aplicabilidade da lei. Vai caber aos interessados questionarem as decisões judiciais que não estiverem de acordo com a lei de liberdade econômica. 

Leandro Artioli – Do lado fiscal, considerando que, no geral, os artigos permitem à PGFN praticar ou deixar de praticar determinados atos, não haveria fundamentação para muitos questionamentos. Essa previsão era algo que vinha sendo pleiteado e praticado pela PGFN em reuniões internas que se adequavam ao novo CPC. Para não se ver engessada, a PGFN já editava constantemente atos com força processual interna para se adequar a realidade. A lei aprimorou e modernizou a Lei 10.522 com algumas permissões para a PGFN. O contexto das alterações atende racionalidade do próprio sistema, de judicialização, eficiência e celeridade. 

Vivian Casanova de Carvalho Eskenazi - Acreditamos que a criação do comitê para edição das súmulas em matérias tributárias, com observância para atos decisórios, principalmente no âmbito no CARF, pode gerar questionamentos, os quais já são a primeira vista visíveis ante a recente regulamentação pelo Ministério da Economia. 

Jane Goldman Nusbaum - Na parte de fundos de investimento, não. Tiveram algumas manifestações interessantes, existe uma corrente relativamente grande de defensores da personalização dos fundos, que gostariam que os fundos de investimento fossem estruturados como sociedades, pessoas jurídicas mesmo, como ocorre em outros países. O legislador optou por manter a natureza jurídica de condomínio, que já era o modelo adotado no Brasil, apenas esclarecendo que se trata de um condomínio de natureza especial, pois os fundos de investimento não são e nem devem ser tratados como os condomínios comuns do Código Civil. A natureza jurídica dos fundos sempre gerou uma certa confusão, pois eram condomínios que não se encaixavam bem nas regras do Código Civil. A nova lei eliminou essa insegurança. Então, mesmo para a corrente que gostaria que os fundos fossem tratados como sociedades, a segurança de se ter um tratamento claro foi benéfico, não esperamos questionamentos ou uma insistência na mudança da natureza jurídica.

Felipe Galea - As questões trazidas para a lei facilitam que o advogado mostre que alguma decisão é ilegal, existindo mais possibilidade de acessar recursos especiais do STJ, tendo lei federal falando disso. Se precisarmos questionar conduta de particular, juiz ou estado, a gente ganha um fundamento extra. 

O Judiciário está pronto para permitir menor intervenção do Estado na atividade econômica? 

Felipe Galea - Tem juízes muito bons no Brasil e nos principais centros econômicos, ou câmaras especializadas em direito empresarial, que em determinadas frentes podem dar bom apoio para a lei.

Beatriz Amaral Ghosn - Vale notar que algumas das disposições trazidas pela lei apenas positivam regras principiológicas que já existiam e já estavam bem consolidadas na jurisprudência dos tribunais, como, por exemplo, a previsão de que a administração pública não poderá adotar critérios diferentes para emitir um ato de liberação de atividade econômica que sejam diferentes de critérios adotados para atos anteriores. O princípio por trás dessa regra é aquele que veda a adoção de comportamentos contraditórios pela administração pública e que já foi consagrado pela doutrina e jurisprudência há bastante tempo. Acredito que as novas regras que tenham esse papel de consolidar entendimentos e princípios já pacificados não devem provocar mudanças na interpretação dos tribunais. Isso de maneira alguma retira a importância dessas regras, uma vez que elas passarão a servir de fundamento legal para embasar os pleitos dos administrados, tanto na esfera administrativa quanto na judicial. 

 

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