Anvisa discute registro, implementação e supervisão de medicamentos à base de cannabis

Carolina Fidalgo - Crédito - Divulgação
Carolina Fidalgo - Crédito - Divulgação
Advogada Carolina Fidalgo analisa atuação da agência sobre o tema
Fecha de publicación: 16/10/2019
Etiquetas: Anvisa

O uso de medicamentos à base da planta de maconha está no radar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária há pelo menos seis anos e a agência tende a aprovar regras para registro, implementação e supervisão de fabricantes deste tipo de remédio em território nacional, deixando consumidores que cultivam a planta em casa de forma a obter as substâncias necessárias para tratamento, analisa a advogada Carolina Fidalgo.

Sócia de Rennó, Penteado, Reis & Sampaio Advogados, ela é formada em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com especialização em direito do petróleo pelo acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP). Pós-graduada em direito público também pela UERJ, Carolina Fidalgo é professora de direito constitucional, administrativo, regulatório e da concorrência. 

Como a gente situa o debate jurídico sobre canabidiol hoje?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está discutindo apenas o uso medicinal. Neste atual governo, acho pouquíssimo provável que a questão seja estendida para retirar maconha como um todo portaria 344 da Anvisa, que define a lista de substâncias entorpecentes.

Além disso, há um julgamento no STF sobre a criminalização. No governo atual, não há um cenário político para essa discussão. O foco é o uso medicinal. Esse debate está acontecendo agora por conta de pressões do Judiciário, Ministério Público e da sociedade civil. Não houve uma atuação espontânea da Anvisa. 

Principalmente desde 2013, 2014, há ações individuais ou coletivas ajuizadas por familiares de pessoas que necessitam dos medicamentos, ou pelo Ministério público, para que autorizasse a importação de medicamentos dos EUA ou de outros lugares. 

E também para que em alguns casos o poder público custeasse o tratamento que é caro. O frasco da substância nos EUA gira em torno de 300 dólares, para uma pessoa que precisa de dois frascos por mês, é um tratamento caro. Ou seja, a Anvisa incluiu isso na pauta das discussões agora por uma necessidade fática. 

De acordo com o próprio levantamento feito pela Anvisa, hoje já existem mais de 3 mil autorizações para importação, já concedidas para importação individual do medicamento e são várias as decisões judiciais determinando que a Anvisa discuta a matéria. 

A proposta em discussão na agência é suficiente? 

Trata de uma parte do problema que é obter esse produto no Brasil, as empresas vão poder plantar e produzir ou importar. Pelo nível de exigência que é colocado nas resoluções, provavelmente vão continuar sendo medicamentos muito caros.

Por quê?

A plantação, para ser autorizada pela Anvisa, será em local fechado, dois níveis de acesso, monitorado por câmeras, um nível de atividade extremamente controlado para não ter desvio por outros usos. Não está claro o impacto disso no preço final. Se continuar muito caro, não vamos acabar com o problema que existe hoje. Há pessoas que fabricam o medicamento nas residências com custo inferior. A Farmanguinhos dá curso para pessoas para que possam fazer o extrato de forma segura em casa. Essa linha talvez não seja atendida por esse regulamentação.

Não tenho como afirmar com certeza o valor, mas temos o problema de muitas pessoas fabricando em suas casas. Existem mais de 40 habeas corpus para que as pessoas sejam autorizadas a plantar em casa sem perseguição da polícia.

Anos depois de seguir determinações judiciais para a importação do medicamento, a Anvisa propõe uma norma que não resolve a questão?

Temos dois cenários: aqueles que importam e aqueles que plantam em suas casas, seja por causa do custo, o suplemento só tem alguns tipos de princípios ativos, só tem o canabidiol e não o THC. Por conta disso algumas pessoas plantam.. O pai de uma criança me disse que dá o suplemento e planta para extrair as outras substâncias da folha de cannabis.

Algumas dessas pessoas que plantam e fazem o extrato, recorreram a um instrumento do direito penal, o habeas corpus preventivo para que não venham a sofrer constrangimento pelo plantio e uso da planta listada na portaria 344, sendo proibida no Brasil. O atraso na regulação fez com que as pessoas usassem instrumentos de direito penal para resguardar seus direitos.

Como a Anvisa vê seu próprio papel neste processo?

Fiz a pergunta no fim de agosto para uma representante da Anvisa. Ela respondeu que a Anvisa está com posicionamento de que não tem competência para regular essas questões de pessoas físicas só tem competência para regular atividade econômica de empresas.

Concorda?

Sendo a Anvisa competente para alterar a portaria 344, a portaria que diz que a cannabis é proibida no Brasil, tem competência para tirar substância da lista. Esse argumento de que não tem competência para regular pessoa física esbarra no fato de que a Anvisa vem autorizando a importação pela pessoa física. A Anvisa não quer entrar no mérito de pessoas plantando em casa, ok, mas é uma questão política e não de ausência de competência. 

O que podemos esperar em termos práticos da regulação da Anvisa?

Acho que a regulação ou vai ser como está ou ainda mais restritiva. Tem um ponto importante: na resolução para registro de medicamentos à base de cannabis está previsto que só pode registrar se for para casos terminais ou que não haja nenhum outro tipo de medicamento aplicável. 

É comum haver esse tipo de restrição com outros medicamentos?

Não. Não é normal. 

Além de ser muito restritivo porque vamos criar problema de a empresa comprovar que a doença só pode ser tratada por medicamento com substâncias decorrentes de cannabis. Acho muito difícil fazer esse tipo de comprovação, levando em conta estado atual do sistema médico e terapêutico. Pior: o médico é que vai prescrever e dizer que tentou de tudo e não existe outra forma. Não é só uma coisa incomum no registro da Anvisa, mas também é um ônus bastante pesado para indústria farmacêutica como também para o médico dizer que já fez de tudo. Quanto tempo vai submeter a pessoa a outros tratamentos antes de submeter a tratamento com eficácia comprovada, como para determinado tipo de epilepsia? Existem vários tratamentos existentes, o médico vai ter que passar por todos eles? É muito preocupante, vai gerar problema no processo de registro. E pro médico. Vai ter médico que vai passar a poder ter problema no Conselho Regional de Medicina. Esse é um ponto preocupante. O ministro da Cidadania já se manifestou dizendo que ou ele ia revogar a portaria ou que ele ia restringir alguns tipos de epilepsia específicos. Não tem nem um cenário claro sobre o que vai vir. E o presidente da república pode rever com recurso hierárquico impróprio, o Senado pode rever, segundo a Constituição. O cenário não é muito claro. 

Outro ponto negativo do cenário futuro: a Anvisa não tratou das pessoas físicas que plantam nas suas casas. A posição da Anvisa no seminário é que não está regulando os entes privados. Mas vai acabar esbarrando nos entes privados. Você tem uma resolução que diz que para você comercializar produtos com extrato de cannabis tem que registrar, todo um procedimento super específico e rígido. Prevendo que só vai poder ser prescrito para hipóteses terminais. Vai ter alguém que poderá alegar que a partir dessa resolução que caiu o fundamento das pessoas plantarem em casa -- ausência de alternativa -- e que todos os habeas corpus perderam a razão. 

A Procuradoria da Anvisa faria isso?

Não necessariamente, mas a polícia ou empresas fabricantes. Além de ter passado ao largo, a omissão Anvisa pode criar risco para quem planta em casas. Um cenário possível é questionamento dos habeas corpus já concedidos. Já se esforçaram para obter os habeas corpus… isso é um risco. Posição apresentada por representante da Anvisa em Seminário é que não está regulando pessoa física, mas existe um risco de que, como a plantação da cannabis só está sendo prevista na minuta de resolução sujeita a CP para pessoas jurídicas, isso venha a ser interpretado de forma a enfraquecer o direito de quem está plantando em casa. 

Volta a bater no Judiciário...

Acho que tem interesse econômico muito grande do setor para que essa situação dos que plantam hoje seja respeitada. Existe risco de questionamento sim, por conta da alteração de cenário. 

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