Quais os maiores desafios de um escritório de advocacia? Na segunda parte da entrevista com Fernando Meira, managing partner do Pinheiro Neto Advogados, um dos maiores escritórios brasileiros e da América Latina, o gestor fala das transformações necessárias e da postura adotada pela firma para alcançar o sucesso na indústria jurídica.
Entre eles estão a transformação digital, importância da inclusão e diversidade no setor, além do debate da conjuntura política e econômica. Um desafio constante, onde é preciso matar vários leões por dia para manter o equilíbrio não só dos grandes escritórios, mas de todo mundo relacionado ao Direito.
Veja a entrevista a seguir.
Um grande desafio dos escritórios de advocacia é a transformação digital. Como o Pinheiro Neto está hoje nessa busca?
Já estamos há muito tempo fazendo essa migração. Desde hardware, software, de instrumentos e certificações de segurança e olhando todo esse ambiente de ataques cibernéticos. O escritório cada vez mais vem digitalizando e fornecendo infraestrutura para os nossos integrantes. Estamos fazendo uma série de investimentos em tecnologia, em digitalização, todas essas ferramentas de reuniões virtuais (Teams, Google Meets, Zoom).
Já temos processo digital, processos de diligência cada vez mais usando instrumentos de inteligência artificial para fazer buscas por palavras e por documentos. Enxergamos que a tecnologia vem para nos dar mais segurança, apoio e agilidade. Algumas tarefas que são mais comoditizadas vão enfrentar aqui um canibalismo e a tecnologia vai prevalecer.
Mas não enxergamos como uma ameaça disruptiva que, em algum momento, muita gente acreditava que "olha, o futuro vai ser tudo inteligência artificial, vai ser tudo documentos prontos, os advogados vão ter pouquíssima relevância, os escritórios estão sob uma grande ameaça”.
Acho que a sociedade, cada vez mais, exige conhecimento, que as pessoas ouçam e façam sua reflexão de estratégias. Não tem estratégias prontas, as coisas são muito complexas. Os nichos de direito que vão surgindo exigem muito treinamento e conhecimento.
Acredito muito no nosso modelo de negócios. Não acho que daqui 10 anos vai ser um escritório completamente diferente. Acredito que a sociedade vai conseguir corrigir as distorções. Toda essa agenda ESG, meio ambiente, agenda climática, igualdade, desenvolvimento social, redução das desigualdades sociais, menos preconceito. Temos muitas transformações, mas nem tudo será feito tão rápido.
Você acha que a diversidade e inclusão - a questão do gênero, orientação sexual, raça - é um processo que verdadeiramente é significativo no setor legal brasileiro?
A conscientização é verdadeira e genuína. Não tem como você mudar uma realidade histórica como a que temos. Mas hoje você conversa com os líderes das organizações na indústria jurídica, com os clientes e está todo mundo querendo fazer a coisa de uma maneira transformacional. Todo mundo quer estar bem posicionado porque acredita na causa.
Vejo em algumas dessas agendas uma tensão muito acentuada, entre pessoas que estão prontas para pegar o estilingue e jogar pedra na vidraça. E ninguém quer ser vidraça, todo mundo gosta de ser estilingue. Mas se as pessoas não dão crédito para o esforço que vem sendo feito, sabendo que a realidade não vai ser transformada de uma hora para outra porque, de novo, se o nosso modelo é fundamentalmente calçado em pessoas, independente de orientação sexual, cor e religião, é preciso ter talentos.
O importante é ter pessoas preparadas, com capacidade profissional, de trabalho, que conseguem navegar bem nesse ambiente competitivo e desenvolver relacionamentos. Quero ter o ambiente mais diverso, com mais troca de conhecimento e que traga mais orgulho.
As gerações mais novas valorizam demais isso, até como elemento de atratividade. Se temos consistência e perseguimos esse objetivo, vamos atingi-lo. Hoje está tudo muito polarizado, com as pessoas prontas para criticar, mas sabemos que, independente de quem esteja na cadeira de presidente, não tem condição de transformar de uma hora para outra.
A transformação é da sociedade, de liderança, de engajamento, um conjunto que precisa acontecer. Tudo isso com mais diálogo e uma escuta verdadeira. Esse ambiente de muita pressão e tensão não vai nos levar onde queremos. Mas com diálogo, iniciativas concretas, o que faz com que as pessoas vejam que tem os objetivos sendo alcançados.
Acredito que as coisas estão acontecendo, mas ainda não ganharam a tração, a velocidade com medidas concretas que gerem um resultado, que em um curto espaço de tempo você fala "essa agenda está resolvida". Não, é uma agenda em construção, em desenvolvimento, mas com seriedade, temperança e muito fundamento.
A visão mundial hoje sobre o Brasil é que existe uma convulsão social acontecendo por aqui. Isso repercute lá fora e afasta os investidores. Como você vê esse momento?
É uma realidade. Uma agenda positiva é uma agenda que tem um plano. Qual é a vocação do país? Qual é o plano? Qual é a união que existe? Qual é o horizonte de estabilidade? De previsibilidade? No contexto atual, vivemos muita volatilidade e incerteza.
Dessa forma, a situação acaba incentivando o investidor oportunista, porque na crise surgem oportunidades. Você pode arbitrar preços, porque eles variam demais. Então, você pode ver o valor intrínseco e o valor atual. O valor atual é muito mais impactado por uma conjuntura do que o valor intrínseco do ativo.
Mas quando você olha os preços relativos, o câmbio está muito volátil, a perspectiva de taxa de inflação que resulta em um baixo crescimento, a agenda ambiental, o processo eleitoral para o ano que vem em um ambiente de muita polarização, tudo isso está refletindo. Sentimos aqui no escritório. Existe uma redução de investimentos estrangeiros, especialmente para aqueles investidores que não estão aqui.
Brasileiros querem o que? Querem o melhor. Querem desenvolvimento, uma agenda de paz e tranquilidade. Mas os brasileiros só vão ter isso se eles se unirem. Se continuar essa polarização, sectarismo, nós contra eles, visões maniqueístas, não vamos conseguir ter uma agenda, um eixo de união e desenvolvimento. Precisamos de previsibilidade. Uma vez que os preços estejam estáveis, independente se o câmbio está alto ou baixo, mas tem baixa volatilidade, conseguiremos fazer um projeto de investimento de longo prazo.
Temos muitas oportunidades. Em infraestrutura, o Brasil tem condições ímpares de desenvolvimento e já mostrou isso. Agribusiness é uma força única. Somos líderes em produção de commodities agrícolas e minerais, tem um sistema de energia muito diversificado que pode ser solar, eólico ou hídrico. E há um sistema financeiro muito testado e sólido, com uma indústria que fabrica remédio, carro e até avião.
Temos muita gente fazendo coisas corretas, muitas empresas novas que surgiram a despeito de todo esse histórico recente. Há empresas com valorizações incríveis como Magalu, Nubank e Banco Inter. Tem muita coisa concreta acontecendo que você afasta essa realidade negativa que parece que no Brasil tudo dá errado. Não é verdade. Tem muita coisa dando certo. O setor privado faz muita coisa correta.
O setor público também faz muita coisa correta. Mas a polarização política vai custar caro para o país. Quando olhamos nosso negócio, o escritório se defende bem porque tem movimentos que vão melhor com a agenda positiva e tem áreas que vão melhor com agenda negativa.
Olhando para frente, acho que vai ter mais M&A em caráter de distressed, empresas que vão ter menos acesso a capitais, o custo do capital está ficando mais caro, por conta do aumento de taxa de juros para controlar a inflação, e eventualmente as empresas vão continuar endividadas, vai ter um custo incremental do carrego dessa dívida, aí acaba olhando para fontes de redução de endividamento. Um dessas fontes é vender ativos.
Vai ter, eventualmente, um aumento de agenda de recuperação de dívidas, de empresas que vão eventualmente ficar insolventes. Vai ter investimento em infraestrutura? Vai, porque o governo tem um processo que é irreversível de fazer concessão de estradas, ferrovias, portos, aeroportos, porque o governo não tem mais capacidade de investimento. É um dado de realidade. Então, vão existir oportunidades.
O Brasil já tem uma massa de ativos e o setor privado, cada vez mais, vai ter potencial de crescimento. Essa questão do aumento da taxa de juros é conjuntural. Daqui um ano ou ano e meio, devemos voltar a olhar para uma inflação que seja muito mais razoável do que esse descolamento que houve. Mas o governo precisa nos ajudar e a própria sociedade precisa se ajudar.
A sociedade deve entender que só perdemos aumentando essa radicalização e essa polarização. O grande desafio é conseguir um eixo de equilíbrio, porque aí vamos para o outro extremo. O Brasil oferece tanta oportunidade, tem tanto destaque em várias frentes, que nos recuperamos rápido. Na hora em que o vento muda e o Brasil se mostra como um país viável, ele atrai muita atenção de investimento que não está vindo para cá hoje.
Não está vindo para cá por conta desse ambiente e porque tem muitas outras coisas acontecendo positivamente em outras regiões do globo. O mundo desenvolvido reagiu muito rápido à pandemia, está conseguindo ter crescimento. Você vê o desenvolvimento dos Estados Unidos, mesmo de países da Europa. Há uma competição maior por capital. Se o Brasil não oferece um bom ambiente, ele está se prejudicando.
Qual é a importância do leilão do 5G para o mercado jurídico?
Mostra que vem um plano de investimento muito grande. Teremos muitas oportunidades de investimento com a internet das coisas. As empresas vão querer se consolidar, buscar financiamento para todos esses projetos, contratos de fornecimento, questões tributárias que vão ser advindas de novas operações no setor complexo como o de telecomunicações.
Tem as empresas de fibra óptica que estão no processo de consolidação. A pujança do setor privado, a qualidade das teses de desenvolvimento e investimento é algo notável. Nos últimos anos há muito mais movimentos entre brasileiros ou estrangeiros que já estão no Brasil se posicionando estrategicamente do que atraindo novos projetos. Temos os projetos de greenfield que são novas fábricas, novas empresas começando do zero, contratando um contingente de gente enorme.
Mas a despeito de tudo isso, tem uma cultura de empreendedorismo. Olha o que tem de fintechs, de empresas de tecnologias novas, de plataformas de e-commerce, tem muita coisa acontecendo. Então, o Pinheiro Neto e a indústria de serviços jurídicos apoia venture capital, o mercado de capitais, contenciosos que surjam, celebração de contratos, operações de M&A, operações de renegociação de dívida. O escritório se envolve em muitas frentes que são importantes para esses clientes que continuam se desenvolvendo.
Qual a importância do Fernando Meira para a sociedade brasileira e para o mercado jurídico?
Apoiar a institucionalização, cada vez maior, de um escritório que tem um legado de bons serviços, de fazer a coisa certa, de dar o exemplo. Então, naquilo que eu puder fazer para criar cada vez mais um ambiente impessoal, institucional, que tenha um elemento de ajudar o Brasil a se desenvolver, de melhorar a sociedade, de fazer a coisa correta, de agir com transparência, com honestidade, é o que eu posso contribuir.
Eu sou só um passageiro aqui dentro e vou ter muito orgulho se eu conseguir, lá na frente, passar para um outro sócio e reconhecer que o escritório que eu estiver entregando está melhor do que o escritório que eu recebi e que o Alexandre tem certeza de que o escritório que ele estaria passando para mim está muito melhor do que o escritório que ele recebeu e assim por diante.
Então, a nossa missão é sempre ajudar o escritório a ir pra frente. E isso tem um reflexo na sociedade, porque o escritório ocupa uma posição de destaque. Ele é sempre alvo de comentários e o mercado acompanha muito qualquer movimento que fazemos. Acho que temos um papel importante na sociedade e, fazendo as coisas corretas, tendo o respeito da sociedade, dos clientes, é uma contribuição importante para o país.
Aqui tem muita gente séria, com boas intenções, trabalhando arduamente para melhorar a sua realidade. Acredito muito no país. E me frustro porque nem sempre desenvolvemos o país na velocidade necessária, às vezes damos muitos passos para trás em vez de andar para frente.
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