Como a ciência de dados pode melhorar a performance jurídica

As inovações tecnológicas vieram para ficar no mundo jurídico/Pixabay
As inovações tecnológicas vieram para ficar no mundo jurídico/Pixabay
Alexandre Zavaglia Coelho, presidente da Comissão de Direito, Inovação e Tecnologia do Instituto de Advogados de São Paulo, analisa como a tecnologia mudou a forma de trabalho e o entendimento de processos jurídicos entre advogados e firmas brasileiras.
Fecha de publicación: 25/09/2020

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Assim como em outros setores da sociedade, nos últimos anos o mercado legal se rendeu ao uso de técnicas de ciência de dados e de inteligência artificial. Com isso, o mundo jurídico enxerga novas perspectivas e formas de analisar processos, o que pode auxiliar na tomada de decisões que impactam a vida de milhares de pessoas.

Em uma conversa com LexLatin, Alexandre Zavaglia Coelho, presidente da Comissão de Direito, Inovação e Tecnologia do Iasp (Instituto de Advogados de São Paulo) e membro da Comissão Especial de Proteção de Dados do Conselho Federal da OAB fala sobre governança de dados, visual law e de como o uso da tecnologia vai mudar as demandas e o perfil dos advogados nos próximos anos.

Como será a prática do direito no futuro na sua opinião?

 

AZC: O Direito precisa da tecnologia para entender melhor o que se passa com o cliente. Ferramentas tecnológicas ajudam a otimizar as tarefas do dia a dia. A dúvida é como podemos tomar a melhor decisão nesse ambiente digitalizado e com muitas informações.

 

O judiciário vem digitalizando os processos nos últimos anos, o que nos permite interação entres os autores do processo, advogados, promotores e juízes. A ciência de dados tem nos ajudado a entender melhor tudo que vem acontecendo, qual a tese ideal para cada processo, qual é o valor ideal de acordo por cada comarca.

 

Como a ciência de dados vai ajudar o mercado jurídico nos próximos anos?

 

AZC: Já trabalhamos há cinco anos com inteligência artificial na área do Direito. O grande desafio ainda, apesar de termos dados abertos, é que as informações e os contratos ainda são muito despadronizados e desorganizados. O grande salto é organizar essas informações, compreender  melhor esses indicadores e melhorar a performance com esses resultados.

 

Mas nem sempre a inovação está ligada à tecnologia. É preciso analisar qual é a comunicação ideal para cada público. Existe uma nova área chamada de visual law que procura entender qual é a melhor forma de comunicação, a mais efetiva para cada destinatário.

 

E isso vai estar ligado à questão da automação das tarefas do dia a dia e a ciência de dados para entender melhor os problemas e para pensar formas diferentes de resolver o direito. Mas a qualidade técnica, o entendimento das pessoas e a experiência dos profissionais de direito vão continuar igualmente necessários, apenas mudando a forma como esses serviços são prestados. 

 

Como você vê a tecnologia do reconhecimento facial aplicada ao direito, como a possibilidade de usá-la em depoimentos, por exemplo, para saber se a pessoa está mentindo? Existem alguns limites éticos que poderão ser cruzados nos próximos anos? que precisam ser debatidos?

 

AZC: Eu faço parte do Cepi (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) da Fundação Getúlio Vargas da Faculdade de Direito de São Paulo. É um grupo específico de governança de dados e regulação de inteligência aritificial. Temos pesquisado muito essas questões éticas ligadas ao uso de inteligência artificial.

 

São dois pontos que devem ser considerados. Um é a tecnologia que ajuda na prestação de serviços jurídicos. Outro é o uso no dia a dia dessa tecnologia e como isso está gerando novos conflitos, novos conceitos em todas as áreas do Direito, no campo criminal, no campo da proteção de dados que vem do direito constitucional e o direito administrativo. Isso está gerando novos serviços jurídicos e novas necessidades, novas demandas sociais.

 

Alexandre Zavaglia Coelho

Há muitas oportunidades de trabalho - nos escritórios de advocacia que entenderem o impacto da tecnologia nas suas próprias áreas de atuação - como trabalhista e administrativo. Hoje estamos usando tecnologia em todos os setores e os impactos e conflitos estão começando a acontecer. 

 

Com relação ao uso da inteligência artificial, não conseguimos explicar exatamente como os algoritmos estão decidindo, alguns ainda não estão calibrados. A inteligência artificial não é inteligente. Ela entende uma quantidade dos dados do passado  para sugerir algum tipo de ação, mas ela ainda erra.

 

Precisamos de anos de desenvolvimento para que esses erros não aconteçam. Por isso algumas grandes empresas do mundo, como a Microsoft, a Amazon e a IBM decidiram continuar as pesquisas e tirar os seus produtos relacionados ao reconhecimento facial do mercado, porque os erros geraram problemas muito sérios para as pessoas.

 

A tecnologia hoje é muito apropriada para a questão de automação das tarefas do dia a dia, para entender os dados, mas ela ainda não é inteligente o bastante para pensar, ainda tem muito trabalho pela frente. 

 

Muita gente fala que os dados são o novo ouro, o novo petróleo da sociedade desse século XXI. Como você vê isso no mundo jurídico, no ambiente do Direito 5.0?

 

AZC: Tivemos um ganho qualitativo grande, mas existe também um sensacionalismo de que os dados vão dizer como vamos agir, o que não é verdade. Eles vão nos ajudar a tomar decisões melhores, a organizar as informações do número de processos por cada tema, qual o valor ideal do acordo, mas a decisão final é do ser humano, nós é que vamos decidir como é o tratamento do nosso cliente.

 

Os escritórios e advogados que têm utilizado essas novas ferramentas conseguem resultados significativos em relação a resultados financeiros e relacionamento com o cliente. A sociedade hoje, com essa quantidade de dados, se acostumou a ter informações em tempo real de forma mais intuitiva, assim como nosso cliente consegue enxergar tudo em tempo real.

 

Como será o trâmite de demandas na Justiça nos próximos cinco, dez anos?

 

AZC: A Justiça já tem trabalhado rumo à digitalização de processos e isso vai crescer, assim como o ambiente de automação ligado ao processo judicial com a organização das informações. Essa mudança ajuda muito em processos repetitivos, que permitem entender como eles funcionam, porque ajuda, a partir dessa simetria de informações, a buscar acordos. Isso também ajuda na prevenção, permite enxergar quais são os problemas da sociedade e o reflexo no Judiciário.

 

Estamos saindo do caminho de um direito reativo para um direito proativo, que entende melhor essas informações e permite, por exemplo, mudar processos internos dentro de uma empresa que evitem a entrada de novas demandas judiciais. 

 

Quem é o advogado nesse ambiente da indústria jurídica 5.0? 

 

AZC: É um advogado que consegue entender como organizar esse time multidisciplinar, porque ele não precisa entender de tecnologia, mas um pouco de tudo isso que falamos. Hoje,  além do corpo jurídico, da parte técnica, o profissional também vai precisar de estatística, de matemática, de TI e de designers para conseguir ter visões diferentes em cima dos problemas que no fundo são problemas da sociedade. A automação e a ciência de dados vão criar times multidisciplinares.

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