Emmanoel Pereira: “Trabalho por aplicativos deve ser analisado caso a caso”

Presidente do TST, Emmanoel Pereira, durante sua posse no tribunal/Bárbara Cabral/TST via Flickr
Presidente do TST, Emmanoel Pereira, durante sua posse no tribunal/Bárbara Cabral/TST via Flickr
Em entrevista a LexLatin, presidente do Tribunal Superior de Trabalho fala sobre uberização das relações de emprego e demandas de atores políticos.
Fecha de publicación: 26/05/2022

O presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Emmanoel Pereira, defende que a jurisprudência sobre o trabalho por aplicativos deve ser tratada caso a caso, dificultando a adoção de uma única tese sobre o tema. “No âmbito jurisdicional, o eventual reconhecimento, ou não, de vínculo empregatício, e suas consequências, sempre estarão condicionados ao exame das particularidades da situação em concreto, não cabendo generalizações, tampouco antecipação de posicionamento pessoal”, afirma.

No cargo desde fevereiro deste ano, Emmanoel conversou com a LexLatin por e-mail e falou também sobre teses que devem chamar a atenção na Corte como, por exemplo, a uberização das relações de trabalho e demandas com atores políticos, além do futuro pós-pandemia no TST.


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A seguir trechos da entrevista (editadas para maior clareza):

Guilherme Mendes: O TST está em condições de enfrentar as demandas trazidas pela Covid-19? Qual mais chamou sua atenção?

Emmanoel Pereira:  Não obstante os percalços enfrentados nos períodos mais críticos, em que se fez necessária a instituição do Regime de Plantão Extraordinário e a inesperada implantação do sistema de trabalho remoto, a Justiça do Trabalho manteve a proporção crescente da sua produtividade, com destaque para o TST, que alcançou, em 2021, a marca de 357.006 processos julgados ao ano, o que representa elevação de 6,51% em relação ao ano anterior, sendo que, no acumulado, houve aumento de 7,84% em comparação a 2019. 

Além disso, a Justiça do Trabalho é a que mais concilia, tendo solucionado, só naquele ano, 23% de seus casos por meio de acordos, número que aumenta para 44,8% se considerados apenas os processos em fase de conhecimento, no primeiro grau. Trata-se de evolução sobre a qual não se admite retrocesso. A produtividade atual retrata o julgamento de 154,5 processos por hora útil de trabalho ou 2,6 por minuto, só no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. 
Para além de preservarmos os patamares até agora alcançados, o desafio é mantermos o compasso no avanço progressivo, a fim de atender ao anseio social por um Judiciário Trabalhista cada vez mais célere e efetivo. De toda sorte, posso garantir que esse segmento de Justiça encontra-se apto a enfrentar toda gama de ações de lhes sejam afetas.

Recentemente, o Sr. falou com o atual ministro do Trabalho e da Previdência sobre a necessidade de regulamentação do Funget (Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas). Apesar de o caso ainda estar parado no STF, que análise o Sr. pode fazer sobre o Fundo e que resultados ele traria para o trabalho do TST?

A criação do Funget é uma determinação constitucional. Além disso, o Fundo busca enfrentar uma questão histórica, que é a dificuldade de se efetivar sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, as quais, como se sabe, envolvem preponderantemente direitos de natureza alimentar. 

Entendo caber a todos os atores políticos e institucionais envolvidos no tema o esforço de concretizar tal mandamento da Constituição. Por outro lado, há vários projetos tratando do tema no Congresso Nacional. Determinei a instituição de grupo de trabalho para tratar da temática da valorização da Justiça do Trabalho, o qual elaborou um quadro comparativo de todos os projetos em tramitação. E encaminhei ofício ao Ministro do Trabalho, sugerindo a criação de um grupo técnico para examinar as propostas em tramitação, de modo a tentar extrair o que há de bom e funcional em cada uma delas para que, ao final, construa-se um documento com sugestões a serem levadas pelo Executivo e pelo TST ao Parlamento. 
A medida se mostra urgente, pois, como se sabe, está pendente de conclusão o julgamento de mandado de injunção sobre a matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O mundo vem enfrentando um volume alto e crescente de ações a respeito de trabalhadores por aplicativo. A Corte, que já deu decisões distintas sobre questões como o vínculo de motoristas com a empresa, encontra quais dificuldades em uniformizar a tese? 

Enquanto sociedade, teremos que discutir o reequilíbrio na relação força de trabalho e capital sob o prisma das novas formas de contratação e emprego que surgiram associadas à utilização das mais recentes ferramentas tecnológicas. 

O norte para essa discussão é a Agenda 2030 da ONU, cujo objetivo número oito trata, justamente, do trabalho decente e do crescimento econômico, no intuito de promover a utilização saudável do capital, em prol de empresas inclusivas e sustentáveis, e da dignidade de um trabalho produtivo e decente para todos. É esse o caminho que precisamos trilhar. 

No âmbito jurisdicional, o eventual reconhecimento ou não de vínculo empregatício e suas consequências sempre estarão condicionados ao exame das particularidades da situação em concreto, não cabendo generalizações, tampouco antecipação de posicionamento pessoal.

O Sr. recentemente enviou ao presidente Jair Bolsonaro uma minuta de projeto que poderia estabelecer uma política mais rigorosa do país contra o assédio no ambiente de trabalho. Que medidas isso poderia trazer em termos de benefício da própria Justiça Trabalhista? 

O combate à violência e ao assédio no mundo do trabalho é um assunto que também norteia a atuação institucional do Tribunal Superior do Trabalho. Os ministros da Corte uniram-se à proposta da Presidência, formando comissão para entregar moção de apoio à ratificação da Convenção nº 190 da OIT pelo Brasil. Juntamente comigo, integraram essa comitiva o ministro Ives Gandra Martins Filho, nosso decano; os ministros Alexandre Ramos e Douglas Alencar; e a ministra Morgana Richa.

O presidente Jair Bolsonaro recebeu muito bem nosso apelo e imediatamente encaminhou o assunto às áreas responsáveis do governo para avaliação jurídica do tema. É necessário que o Brasil adote providências no intuito de garantir a dignidade de seus trabalhadores, em especial, das mulheres. E mais  do que isso: a ratificação dessa Convenção mostra ao mundo que o Brasil respeita seus cidadãos. Essa é uma ação que vai além da esfera laboral e traz efeitos para toda a sociedade, seja pelo exemplo ou pela qualidade de vida oferecida aos trabalhadores a partir de uma relação respeitosa.

A revisão da reforma trabalhista virou uma bandeira eleitoral para este ano. Isto preocupa a Corte em alguma maneira, no sentido de inutilizar a recente jurisprudência fixada pelas turmas e mesmo pelos TRTs?

O Judiciário Trabalhista preocupa-se com o jurisdicionado, o cidadão que busca na Justiça o reconhecimento de seu direito. Acerca da reforma promovida pela Lei nº 13.467/2017, a responsabilidade do Tribunal Superior do Trabalho é a uniformização da jurisprudência. 

É necessária a pacificação de temas relevantes trazidos pela nova legislação e referenciados pelas modalidades de prestação de serviços, a exemplo do teletrabalho e das contratações por aplicativos, a fim de se garantir segurança jurídica. Essa é a missão institucional da Corte, à qual deve o Judiciário trabalhista se ater. E, como já mencionado, um dos meus primeiros atos à frente do TST foi a criação de um grupo de trabalho para avaliar eventuais avanços e retrocessos da reforma trabalhista. O objetivo é oferecer subsídios para magistrados e para políticas públicas a partir dos resultados desse estudo.

O teletrabalho é tema de preocupação de advogados que atuam no direito e que enxergam na falta de regulamentação um problema futuro para ser resolvido pelas cortes. A jurisprudência conseguirá, sozinha, resolver esta questão - ou uma lei terá de regular a questão?

A CLT disciplina a possibilidade de adoção do regime de teletrabalho. Segundo o seu artigo 75-D, incluído pela reforma de 2017, as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamento ou de infraestrutura adequada para a prestação dos serviços em regime de trabalho a distância (teletrabalho) devem ser previstas em contrato escrito. 

Por esse parâmetro, pode-se concluir que, garantido o indispensável respeito ao patamar civilizatório de direitos trabalhistas, as demais questões, não disciplinadas em lei, devem ser dirimidas entre as partes e formalizadas em acordo escrito, sem prejuízo de posterior avaliação pelo Poder Judiciário.


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Em tempos onde a sociedade cobra mais representatividade das empresas, o Sr. acredita que este tema (ou outros) possam motivar uma atuação mais holística da Corte? 

Em um Estado de Direito, é indispensável que se respeitem os limites das competências institucionais. Dentro de suas atribuições, a Justiça do Trabalho sempre atuou considerando o contexto socioeconômico das situações levadas a julgamento. Um juiz é um agente contemporâneo do seu tempo, sensível ao progresso dos povos e às mudanças das realidades sociais. Assim, a Justiça do Trabalho nunca se afastou ou ignorou a realidade do país. No âmbito administrativo do TST, buscamos servir de exemplo, atuando em prol de questões sociais, com a adoção de ações inclusivas, destinadas à empregabilidade, à cidadania e ao respeito à diversidade.

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