Gustavo Loyola: "Péssima conduta do governo e do presidente na pandemia gera dificuldades na área econômica"

“O governo que assume em 2023 tem que ter uma agenda que traga desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, vá cuidando dos brasileiros mais vulneráveis”/ Marcos Oliveira/Agência Senado
“O governo que assume em 2023 tem que ter uma agenda que traga desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, vá cuidando dos brasileiros mais vulneráveis”/ Marcos Oliveira/Agência Senado
Ex-presidente do Banco Central avalia o cenário econômico brasileiro na pandemia e o preço a ser pago pelas próximas gerações por conta das sucessivas crises econômicas e políticas.
Fecha de publicación: 28/04/2021

Ele é uma das vozes mais respeitadas da economia brasileira. Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central nos anos 1990 nos governos de Itamar Franco (novembro de 1992 a março de 1993) e Fernando Henrique Cardoso (junho de 1995 a agosto de 1997) foi responsável pela reestruturação do sistema bancário brasileiro.

 

O economista, graduado pela Universidade de Brasília e doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas, atualmente é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.

 

Em uma entrevista franca para LexLatin, Loyola fala de autonomia do Banco Central, competição e desconcentração do mercado bancário e não poupa críticas à política econômica do governo Bolsonaro e ministro Paulo Guedes. Ele também fala da dificuldade de construir uma política fiscal saudável no Brasil e critica a forma como foi arquitetado o orçamento de 2021.


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O economista também analisa a posição do mercado financeiro - acusado de apoiar Bolsonaro em 2018 – e da necessidade de construção de uma candidatura viável para 2023. No fim de nossa conversa, ele avalia o preço a ser pago pelas próximas gerações por conta das sucessivas crises econômicas e políticas dos últimos anos. Acompanhe.  

 

Qual a importância, nesse momento, da autonomia do Banco Central na regulação financeira e para as fintechs?

 

De uma maneira geral, o Banco Central vem fazendo o trabalho dele de regulamentação financeira normalmente e com competência mesmo antes da autonomia, mesmo antes dessa lei complementar recentemente aprovada. Então, na realidade, o impacto no curto prazo não é muito percebido sob o ponto de vista de regulação. O efeito mais positivo, a meu ver, a médio prazo, é que o Banco Central fica mais independente para seguir uma agenda mais informada e determinada por critérios técnicos do que propriamente mais por critérios políticos ou de influência de mercado diretamente sobre o BC. Claro que o Banco Central não é surdo, ele tem que ouvir os vários interessados na regulação e aqueles que são atingidos, não apenas as instituições que participam dos mercados regulados, mas também pelos clientes, para o público em geral, enfim, todos os takeovers.

 

A autonomia permite que o Banco Central produza um tipo de regulação mais alinhado com os objetivos de longo prazo, no caso a inclusão financeira, aumento da redução do custo do crédito e estabilidade financeira. São características do mercado financeiro extremamente necessárias para que tenhamos um crescimento econômico sustentável no país e a melhora da distribuição de renda e aumento do emprego.

 

Como ex-presidente do Banco Central, como você vê a possibilidade de desconcentração do mercado brasileiro no setor financeiro e maior competição, por exemplo, com a chegada das fintechs?

 

As pessoas fazem confusão entre concentração e falta de competição do mercado. Você pode ter mercados relativamente desconcentrados com baixo nível de competição, como também pode ter mercados altamente concentrados com alto nível de competição. A experiência internacional mostra, não apenas no mercado financeiro, mas em alguns outros mercados que isso pode acontecer. A questão da competição depende não apenas do número de participantes do lado da oferta e também da demanda. É claro que é uma variável importante, mas também há outros fatores institucionais regulatórios que podem facilitar ou dificultar a concentração. Eu diria que o valor principal que o Banco Central deve buscar é a competição entre os agentes, não necessariamente a desconcentração. A desconcentração pode ser algo positivo, mas ao meu ver, não deveria ser o objetivo.

 

Outro objetivo importante do Banco Central e que as fintechs ajudam a atingir, mas não apenas as fintechs, é a questão da inovação financeira. As fintechs trazem inovação financeira muito grande, mas essas inovações também estão sendo adotadas pelos grandes bancos. A regulação no Banco Central tem que de fato favorecer essas tendências inovadoras sem, evidentemente, que isso fragilize o mercado.

 

Acho ingênuo pensar que as fintechs, a médio prazo, vão ajudar a desconcentrar o mercado. O que se observa no mundo são dois movimentos que podem levar a uma concentração ainda com as fintechs.

 

O primeiro é a participação cada vez crescente das grandes empresas de tecnologia no mercado financeiro. Empresas que têm um número já muito grande de seguidores/clientes e é um mercado extremamente concentrado.

 

O mercado das grandes redes da mídia social é extremamente concentrado. Temos três ou quatro grandes aplicativos de mensagem e de relacionamento que dominam. Esses mercados tendem a se concentrar mesmo. Assim como na infraestrutura, por exemplo. Tecnologias como, por exemplo, processamento em nuvem tendem a estar concentradas em poucos players.

 

Então existe uma participação cada vez mais crescente desses agentes. Recentemente o BC acabou de aprovar a participação do Whatsapp no sistema de pagamentos brasileiro. Isso não é uma coisa negativa em si, mas apenas demonstra que essas empresas estão crescentemente participando.

 

O segundo aspecto é que existem fortes economias de escala nesse processo. Uma tendência que já se observa no mercado é de algumas fintechs absorverem outras, de concentração. Antes tivemos um processo em que elas usaram uma estratégia chamada de unbundling: elas separavam pedaços de alguns produtos específicos do sistema financeiro, dos bancos, e atuavam naqueles nichos.

 

Começaram tradicionalmente no nicho de pagamento. Agora você tem um processo de bundling em que essas fintechs passam a atuar em todo o espectro de atuação no sistema financeiro. Por exemplo, já teve fintechs pedindo ao Banco Central licença para se tornarem bancos. Aí também tem um processo que pode levar à concentração.

 

Há também a questão do uso de plataformas. Hoje estamos vendo no mercado um crescente uso delas não apenas de produtos financeiros, mas de marketplaces em geral. Grandes varejistas criando plataformas onde ofertam produtos não financeiros, vamos dizer assim, serviços não financeiros, mas oferecem também serviços financeiros.

 

A microeconomia de plataformas leva a maior concentração por causa dessas economias de escala. Então, a questão de competição é sempre presente, o Banco Central tem que estar, de fato, como regulador do mercado, atento às questões de competição. O que vai gerar maior ou menor concentração são as forças de mercado. É claro que o BC tem que fazer uma regulação até onde é possível neutro. Mas a gente sabe que na prática não é neutro porque o Banco Central tem um regramento muito mais estrito para instituições de maior porte por causa dos riscos sistêmicos que estão envolvidos.

 

Falando de Ministério da Economia, como você vê a atuação do Paulo Guedes? Qual sua análise sobre o rumo que estamos tomando na economia com essa grave crise econômica? O que pode acontecer a curto, médio e longo prazo se a atual política econômica continuar sendo conduzida dessa forma?

 

Não podemos desvincular totalmente a política econômica das políticas de governo em geral, principalmente nesse momento em que os dois grandes vetores da crise econômica pela qual o Brasil passa são não internos, ou não próprios da própria política econômica. A primeira fonte de crise, obviamente, é a pandemia. A péssima conduta do governo e do presidente na pandemia gera dificuldades na área econômica.

 

Se o Brasil tivesse tido desde o início uma política coerente de distanciamento social, uma política coerente de conscientização da população sobre a necessidade de não apenas o distanciamento, mas de medidas de higiene, uso de máscara, etc, se desde o início o governo tivesse buscado conseguir um número suficiente de vacinas para o Brasil, claramente a economia estaria sofrendo muito menos do que está. Isso certamente não se pode debitar na conta do ministro Paulo Guedes, essa má gestão da política sanitária do governo, a culpa maior não é dele.


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Outra questão que deriva um pouco da anterior, na medida em que esse combate à pandemia não se dá de maneira satisfatória, é que o desempenho da economia é pior e o efeito da pandemia sobre os grupos vulneráveis da sociedade é maior. Isso significa que o governo se vê obrigado a ter políticas ou a estender, continuar políticas de transferência de renda para esses setores vulneráveis. Não apenas famílias como também empresas com uma série de medidas. Essas medidas são corretas e necessárias. Tudo é uma questão de dosagem e da capacidade fiscal que o governo tem para exatamente desempenhar essas políticas.

 

“Governo tem falhado em apresentar propostas consistentes”

Outro ponto que eu acho negativo no governo atual - não é um problema só do Executivo, mas também do Legislativo - é a dificuldade de construir uma política fiscal saudável no Brasil, que leve à sustentabilidade do endividamento público e que passe para os agentes econômicos tranquilidade. Como os agentes econômicos, os mercados não têm tranquilidade sobre o futuro fiscal do país, isso gera uma série de fatores: aumento do risco, pressiona o dólar - que por sua vez pressiona a inflação - que por sua vez leva o Banco Central a ter que aumentar o juros no meio de uma economia bastante fraca.

 

Temos vários vetores negativos atuando. Eu acho que na questão fiscal, embora não seja responsabilidade só dele, o ministro Paulo Guedes favorece a responsabilidade fiscal. Mas na prática, o relacionamento tem sido muito ruim. O governo tem falhado em apresentar propostas consistentes.

 

Essa questão do orçamento, só para citar um exemplo. Ela parece uma peça de ficção, é praticamente uma piada. O Congresso fez uma coisa absurda, cortaram os gastos que são obrigatórios e aumentaram os gastos discricionários, somente emendas parlamentares. Aparentemente setores do governo estimularam isso porque queriam dinheiro para obras. Setores do governo que não do Ministério da Economia teriam de alguma forma estimulado esse tipo de exercício ficcional. Então como os mercados reagem? Reagem muito mal.

 

Com o risco fiscal que temos no meio de uma pandemia, com a necessidade de prolongar o auxílio emergencial - tem que prolongar mesmo, não tem jeito, acho até que poderia ser maior - você ainda fica com outros tipos de gastos, fazendo esse tipo de exercício com o orçamento. Então isso tudo vem a prejudicar o desempenho da economia.

 

O mercado errou ao apoiar o Bolsonaro em 2018, fez uma análise superficial dele? E qual o pacto para 2022?

 

A eleição brasileira é de dois turnos e tem algumas características. Na realidade, quem inventou a polarização no cenário político brasileiro não foi o mercado, mas fatores políticos, sociais e econômicos levaram a essa polarização entre o PT e o anti PT, e o anti PT na figura do Bolsonaro, candidato mais radical. Então acabou ficando sem opção de centro. Isso não foi construído pelo mercado. Essa coisa de que o mercado apoiou um ou outro, isso foi construído.

 

Mas chegou-se no segundo turno e aí tinha dois candidatos em que era uma escolha bastante complicada. Na realidade, os eleitores foram colocados diante da opção de ter que escolher o menos pior. Obviamente o voto correto, ao meu ver, é o voto em branco ou nulo que foi meu voto pessoal. Mas evidentemente o Bolsonaro foi visto como risco menor talvez. Obviamente uma escolha errada - não sei também dizer se a outra escolha teria sido boa [Fernando Haddad]. A história não nos autoriza a ter essa visão meio otimista sobre o que teria sido um novo governo do PT.

 

Voltando a sua pergunta, é claro que o importante nesse momento é criar uma candidatura que não esteja nos extremos. Primeiro porque acho que tem um bem maior a ser preservado que é a democracia. A democracia permite que você tenha maus governos, o próprio organismo político social tem condições de ultrapassar esse momento de maus governos através do voto, para substituir por governos melhores.

 

Nas ditaduras não, você fica, obviamente, preso ao governo por várias razões. Então o bem maior é a preservação da democracia. Evidentemente, a agenda tem que ser mais do que isso. Porque o Brasil é um país extremamente desigual, com desigualdades sociais muito grandes. O Brasil entra em 2022, ano eleitoral, com um número excepcionalmente elevado de desempregados e de pessoas com subemprego. Então, o novo governo que assume em 2023 tem que ter uma agenda que traga um desenvolvimento econômico, uma agenda que leva ao crescimento da economia e, ao mesmo tempo, vá cuidando dos brasileiros mais vulneráveis.

 

O que não pode é ter uma situação fiscal em que o gasto público vai para os mais ricos. Ou um sistema tributário que tributa de maneira regressiva a sociedade. Então tem que construir políticas públicas, principalmente política tributária e de gastos que favoreçam o crescimento.

 

Para citar um problema que a pandemia está criando - e que muitas vezes não está nas manchetes das primeiras páginas dos jornais ou sites - é a questão educacional. Essa pandemia está implicando forte retrocesso na questão educacional. As famílias de baixa renda estão ficando mais para trás ainda. Porque não tem acesso ao ensino à distância, porque tem dificuldade de ter acesso à internet. Pelas circunstâncias da pobreza as crianças e adolescentes tiveram que abandonar as escolas.

 

A classe mais favorecida que estuda em bons colégios particulares consegue fazer um ensino a distância, onde as pessoas vão ter acesso a internet, tem os pais em casa que têm educação formal e que podem ajudar os filhos. Mas e as pessoas mais pobres? É um déficit muito grande que está se criando. Assim como no campo da saúde, a pandemia colocando em segundo plano os outros cuidados com a saúde.

 

Para citar algumas situações que são problemas que devem ser enfrentados de maneira corajosa e decidida pela próxima gestão. Não é só uma questão da política econômica, responsável, obviamente isso é necessário. E tem que ser um político comprometido com a preservação da democracia que é essencial. Tem que se construir uma candidatura de centro que traga esse tipo de mensagem.

 

Agora, se isso vai ser possível ou não, vai depender muito dos nossos políticos. Vai depender muito da capacidade de articulação e, evidentemente, no final das contas, quem vai decidir isso, quem vai assinar isso no final é o povo no voto. Vamos ver o que acontece.

 

Para terminarmos, a atividade econômica brasileira vai voltar ao que era antes dessa pandemia? Estamos vivendo uma situação parecida com a dos anos 1980?

 

O Brasil teve aquela forte crise no período Dilma Roussef, 2015-2016. Depois nós tivemos em 2017, 2018 e 2019 um crescimento econômico na faixa de 1% ao ano. Esse crescimento não foi suficiente para fazer a produção brasileira voltar ao nível que era em 2015. Aí nós tivemos em 2020 a pandemia com uma queda do PIB de mais de 4%.

 

Esse ano vamos ter um crescimento em torno de 3%, que não vai voltar nem ao PIB de 2019. Podemos dizer, a grosso modo, que o PIB brasileiro hoje é o de 2014, ou até menos. Se você considerar em termos per capita, considerando que a população cresceu nesses 7 anos, você vai ver uma forte queda da renda per capita. Além disso, houve uma concentração de renda. Então, nós estamos, em termos da produção, há 7, 8 anos atrás.

 

Sem contar que nesse período deixamos de fazer coisas. O Brasil está perdendo o chamado bônus demográfico, aquele período em que você está colhendo os frutos de ter tido um crescimento populacional grande no passado. Esse grupo de pessoas entra no mercado de trabalho e há um aumento da força de trabalho. Só que essa força de trabalho no Brasil está vindo mal preparada, principalmente tendo em vista as grandes inovações tecnológicas, a mudança da natureza do emprego. Então temos jovens e algumas pessoas até não jovens tendo que trabalhar de entregador de aplicativo, de motorista de aplicativo, é um bônus de baixíssima qualidade.


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Falamos que inovação só traz emprego de boa qualidade. Balela! Pode trazer alguns empregos de qualidade muito boa e outros podem ficar nesse limbo que vemos os entregadores. Agora, é melhor que eles tenham uma renda assim do que estar desempregado, obviamente. Não pode dizer que um entregador de comida tem um emprego melhor que um garçom, por exemplo, que tinha carteira assinada e trabalhava em um só lugar. Qual vai ser o futuro dessa geração que está entregando comida? Muitos deles podiam estar na escola. É só conversar com eles, vão dizer para você: eu estava estudando e agora estou entregando. O Brasil não é só a regressão em termos do PIB. No mundo, se você fica parado está andando para trás. Todo mundo está andando para frente e você está ficando para trás.

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