Limites objetivos para desconsideração de personalidade jurídica dão maior segurança a negócios

Helena Coelho Romero - Crédito Divulgação
Helena Coelho Romero - Crédito Divulgação
Helena Coelho Romero, do Siqueira Castro, analisa Lei de Liberdade Econômica
Fecha de publicación: 17/10/2019

A definição de limites objetivos para desconsideração da personalidade jurídica se insere entre as medidas de redução de custos e maior segurança jurídica para o ambiente de negócios com a edição da Lei de Liberdade Econômica, avalia a advogada Helena Coelho Romero. 

Advogada do Siqueira Castro, Helena Coelho Romero é formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, possui LLM da Fundação Getúlio Vargas e New York University, com foco em corporate law. 

Qual a principal mudança que a Lei da Liberdade econômica traz para a forma de fazer negócios no Brasil? 

A MP da liberdade econômica, convertida em lei no último dia 20 de setembro (Lei n° 13.874/2019), traz como principais mudanças a redução na burocracia e nos custos, geração de empregos e maior segurança jurídica aos negócios no Brasil.

Podemos citar como exemplo desta desburocratização, a inexigibilidade de alvará para as atividades consideradas como de “baixo risco”, como é a maioria dos pequenos empreendimentos no Brasil. A título exemplificativo, atividades como contabilidade, comércio de bebidas, fisioterapia e reparação mecânica de veículos automotores não precisarão mais obter alvará de funcionamento. Essa medida traz maior celeridade na geração de novos empreendimentos, bem como diminui os custos atrelados à licença de estabelecimento. Segundo estatísticas do Sebrae, os pequenos negócios representam 99% de todas as empresas do país, sendo estes os maiores beneficiados com as medidas de simplificação advindas da Lei.

Outro grande passo da Lei, no sentido de conferir maior segurança jurídica aos negócios, foi a definição de limites objetivos nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Sempre foi prática rotineira a desconsideração da pessoa jurídica pela Justiça, pelos mais diversos motivos. A criação de critérios objetivos pela Lei, dessa forma, restringe a desconsideração da personalidade jurídica, assegurando ao empresário a preservação dos seus bens, exceto nas hipóteses daqueles que se beneficiaram por eventual desvio de finalidade ou prática de atos ilícitos.

Qual o principal impacto para a atuação de advogados na sua área?

No âmbito societário, a Lei trouxe como novidade a sociedade limitada unipessoal. Embora a lei da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (“EIRELI”) já trouxesse a possibilidade de sociedades com um único sócio de responsabilidade limitada, tal lei impõe muitas restrições ao empresário, como a exigência de capital social mínimo de cem vezes o salário mínimo vigente, bem como a proibição de participação em mais de uma EIRELI. A novidade da sociedade limitada unipessoal trazida com a Lei não só supera as restrições impostas pela lei da EIRELI como acaba com a necessidade de ter um sócio “de fachada”. Esta mudança tende a impulsionar novos empreendedores a realizarem novos negócios e a constituírem novas empresas, demandando, assim, mais serviços jurídicos nesta área. A EIRELI, por sua vez, tende a cair em desuso.

Você tem alguma crítica ou ressalva ao texto final?

Conforme mencionado anteriormente, a Lei deixa de exigir alvará de funcionamento para empresas de “baixo risco”. Contudo, a mesma não define os critérios objetivos para que uma empresa se classifique como tal. Não é simples determinar o que é uma atividade de “baixo risco”, fazendo-se necessário um regulamento acompanhado à Lei. Foi instituído que a referida classificação da atividade deveria seguir as definições das leis estaduais, distritais e municipais. No entanto, não havendo as regulamentações regionais, valerá o regramento do Poder Executivo, o qual ainda não fora publicado. Dessa forma, ressalta-se a deficiência nessa definição, sendo necessária a promulgação de tal regulamento para acompanhar a Lei, ou, ainda, que fossem estabelecidos parâmetros que contemplassem a denominação dos chamados estabelecimentos de “baixo risco”.

Algum aspecto deve gerar questionamentos na Justiça?

Uma das novidades instituídas pela Lei foi o princípio da intervenção mínima e excepcionalidade de revisão contratual pelo Judiciário, prevalecendo, agora, a autonomia das partes nas relações contratuais privadas. Sempre foi muito comum o questionamento de cláusulas contratuais na Justiça, mesmo tendo a parte pleiteante acordado anteriormente com a outra parte com referidas cláusulas contratuais. A ideia da Lei foi reforçar o princípio pacta sunt servanda (do Latim "Acordos devem ser mantidos"), princípio este que muito fora relativizado pela Justiça ao longo do tempo. Embora a Lei tenda a diminuir a possibilidade de revisões de contratos pelo Poder Judiciário, a sua aplicação prática será mais bem compreendida após uma análise caso a caso do próprio Judiciário. Em outras palavras, a Lei não diminuirá automaticamente disputas contratuais no judiciário, porque é o próprio judiciário, em uma análise casuística, que determinará até que ponto e em que ocasiões a vontade entre as partes prevalecerá.

Em sua visão, o Judiciário está pronto para permitir uma menor intervenção do Estado na atividade econômica? 

Nota-se que muitas disposições da Lei foram inspiradas no modelo norte-americano de intervenção mínima do Estado. Ocorre que a realidade brasileira e seus pilares constitucionais muito se diferem dos norte-americanos. A título exemplificativo, o Brasil possui inúmeras legislações trabalhistas e uma Justiça própria para dirimir conflitos nesta área, muito distinta da realidade norte-americana. Entendemos que não será uma simples lei que mudará toda uma construção histórica de mentalidade intervencionista do Estado e jurisprudência adepta ao pensamento civilista-constitucionalista, no qual os direitos constitucionais devem ser garantidos pelo judiciário no âmbito das relações privadas. Ademais, o enfoque da Lei também é a desburocratização máxima pelo Estado das matérias nela contempladas, como, por exemplo, a inexigibilidade de alvará de funcionamento para estabelecimentos de “baixo risco”. No entanto, acreditamos que esta não deveria ser a foco da Lei, uma vez que não adianta diminuir a burocracia se não houver uma boa regulação do ordenamento jurídico como um todo. Nesse sentido, poderia e deveria o Brasil criar leis ou, até mesmo, melhorar as já existentes, com o intuito de aperfeiçoar a governança dos órgãos de regulação brasileiros e as diferentes legislações, implementando, até mesmo, experiências internacionais bem-sucedidas. Com isso, alcançaríamos internamente uma maior estabilidade jurídica e, consequentemente, obteríamos maior segurança jurídica nas relações contratuais, extracontratuais, privadas e públicas. Assim, estaríamos no patamar de considerarmos como viável a mudança para uma sociedade mais livre de amarras estatais.

 

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