Luiz Henrique Amaral: "O INPI vem sendo desaparelhado"

Brasileiro é presidente da AIPPI desde 2020. Mandato termina no fim do ano/Divulgação
Brasileiro é presidente da AIPPI desde 2020. Mandato termina no fim do ano/Divulgação
Presidente da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual fala dos desafios da proteção de marcas no Brasil, América Latina e no Mundo.
Fecha de publicación: 06/09/2022

Luiz Henrique do Amaral, sócio sênior do Dannemann Siemsen, foi eleito em outubro de 2020 para a presidência da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual. O mandato, de dois anos, termina agora no fim de 2022.

A AIPPI (Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual) é uma das mais importantes entidades profissionais e acadêmicas dedicadas ao desenvolvimento e melhoria das leis de proteção da propriedade intelectual. A organização, sem fins lucrativos, tem sede na Suíça e 9 mil associados em mais de 130 países.

Em entrevista à LexLatin, o advogado, especialista em direito societário e franchising, licenciamento, concorrência desleal, entre outras especialidades, avalia os desafios a serem enfrentados pelo setor no Brasil, América latina e no mundo.

Luciano Teixeira: Qual a importância da AIPPI hoje no cenário de propriedade intelectual?

Luiz Henrique Amaral: A associação foi criada em Bruxelas, na Bélgica. Os fundadores foram os mesmos idealizadores das convenções internacionais para a proteção da propriedade intelectual, em especial a Convenção de Paris, que dá origem a toda a internacionalização dos direitos de propriedade intelectual no  mundo. 


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É uma entidade com um núcleo europeu muito forte, mas desde a década de 1950 vem se internacionalizando e hoje é uma entidade totalmente internacional. Nós somos em torno de 9 mil membros. Temos 130 países representados e um total de 65 grupos nacionais, associações locais que estão ligadas à AIPPI. 

Ela tem sede em Zurich, lá fica a nossa secretaria geral, e a entidade tem participação em trabalhos no mundo inteiro. O objetivo principal é promover a propriedade intelectual e buscar a harmonização das leis e das regras nacionais para que os direitos possam ser o máximo possível internacionalizados, ter uma proteção relativamente harmônica entre todos os poderes de todos os países.

Qual é o principal desafio hoje no mundo, no Brasil e na América Latina em relação à propriedade intelectual?

A biotecnologia, especialmente na área agrícola. Mas o Brasil também já produz biotecnologia própria, como a Embrapa. Enfrentamos algumas resistências, até do próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que recentemente soltou uma nota técnica que limita muito esse direito.

Essa é uma matéria nova, fundamental para a inovação em duas áreas. Uma é a biotecnologia na agricultura, que visa aumentar a produtividade e aumentar o acesso a bons alimentos a toda população. A outra é a saúde pública, onde o desenvolvimento de novas tecnologias na área farmacêutica, de novos medicamentos, novas curas para doenças dependem de muito investimento em inovação, pesquisa e desenvolvimento. Isso só pode ter garantia da realização com uma proteção forte para a área dos fármacos.

Lembrando que a patente num primeiro momento pertence ao seu inventor. No sistema de patentes o inventor revela sua inovação para depois que passar o prazo de proteção as pessoas tenham acesso gratuito. Esse monopólio, a exclusividade que é dada a um inventor, tem como fundamento básico incentivar os novos investimentos e permitir que a sociedade depois possa usufruir plenamente desse conhecimento. Um grande desafio no Brasil é o INPI.

Qual o papel do INPI hoje no Brasil?

Examinar e autorizar a conceder essas patentes, realizando um exame profundo para verificar se primeiro é algo já patenteado e se o material realmente tem uma atividade inventiva importante. O INPI vem sendo desaparelhado. Agora, somente recentemente, o governo vem dando mais atenção ao INPI. 

Anteriormente tinha um atraso de exames que era absurdo. Era o maior atraso do planeta. Não existia nada mais atrasado do que o nosso INPI. O Instituto conseguiu, graças ao esforço do seu presidente, da diretoria e dos examinadores colocar as atividades em dia, criando mecanismos para acelerar os exames. 

Só que o INPI não está com a capacidade plena para desempenhar seu papel. Ele tem poucos examinadores, os salários estão defasados, não tem plano de cargos e salários nem incentivo para produtividade, precisa de mais recursos de informática e infraestrutura. Só que o INPI é superavitário e tem esse dinheiro. O que ele recolhe de taxas dos usuários, dos depositantes, é mais do que suficiente para seus gastos.

Por que isso está acontecendo?

Os recursos do INPI vão para o Tesouro Nacional, mas o governo está devolvendo um 20% do que o Instituto arrecada. O resto fica lá no Tesouro Nacional para fazer face a outros gastos. E o INPI vai ficando desaparelhado, desatualizado. É um órgão importante, que está lidando com tecnologia de ponta. 

Um órgão desses precisa ter informática atualizada, examinadores do mais alto nível e plano de cargos e salários claros para incentivar esse pessoal. Os técnicos do INPI quando se desenvolvem vão embora para a iniciativa privada ou se aposentam. O INPI deveria ter condições de atender a sua demanda, porque a taxa que os usuários e depositantes pagam é mais do que suficiente para isso. 

Como você vê o ambiente de propriedade intelectual em outros países da América Latina?

A AIPPI está preocupada em formular propostas de proteção adequadas às novas tecnologias, que estão agora sendo desenvolvidas e patenteadas. Todo ano formulamos quatro questões que são um desafio para o futuro e que são debatidas nos comitês temáticos. Depois disso votamos para sair com resoluções propondo mudanças - tanto no âmbito internacional, da ONU, da OMPI, da Organização Mundial do Comércio, da União Europeia e de todos os países que estão envolvidos nesse processo.

No âmbito regional, a América Latina é um mercado secundário, mas estamos em desenvolvimento, com várias áreas de excelência, não só o Brasil, mas outros países da região que conseguem competir e desenvolver tecnologia de ponta e verdadeiros nichos de excelência, que precisam ser prestigiados e protegidos. 

No Brasil temos a área de tecnologia da informação, a de aplicativos em telecomunicações e de soluções tecnológicas. Hoje nós somos o sétimo mercado mundial de tecnologia. O país é um centro para jogos eletrônicos, um mercado gigante. Em determinados segmentos da área química, estamos trazendo tecnologias de ponta e temos como criar um centro de excelência. 

Mas um dos requisitos para que esses centros consigam efetivamente se tornar polos industriais importantes é que você tenha a proteção da propriedade intelectual forte e funcionando. Ninguém vai colocar milhões de dólares na pesquisa de um novo produto, de uma nova tecnologia se não tem alguma garantia de que por um período de tempo não vai ter um concorrente na esquina fazendo a mesma coisa sem pagar nada. 


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Nos países desenvolvidos essa cultura já existe naturalmente. Os fundadores dos Estados Unidos, muitos deles tinham patentes, eram inventores e até alguns deles eram advogados de propriedade intelectual. A Europa também tem isso já no seu DNA. De uma maneira diferente dos americanos, mas os europeus têm consciência da importância de se proteger cada detalhe. 

Na América Latina temos que tentar criar esse grau de consciência na sociedade, através de programas educacionais, de seminários, de eventos, de difusão de informação, para trazer isso para dentro da sociedade. Para que nossas sociedades tenham consciência de que não somos só espectadores, podemos ser atores. Nossa preocupação por aqui é realizar muitos convênios e atividades na área de educação.

A pirataria hoje é um tema recorrente no nosso continente?

Ela é um tema recorrente não só no nosso continente. Na Ásia é um problema enorme e talvez mais até do que na América Latina, porque lá eles são produtores da pirataria. Lá há verdadeiras organizações criminosas de larga escala.

As leis estão acompanhando a evolução da propriedade intelectual? Quais são os países que têm a legislação mais adequada hoje em dia?

Um sistema sofisticado e que vem dando uma resposta muito boa a essas demandas é o sistema europeu. Hoje, tirando a Comissão Europeia, é o maior órgão da União Europeia, que tem mais funcionários, infraestrutura e investimentos. 

Está havendo agora um movimento importante que não podemos ignorar, que é o IPI 5. 

O que é o IPI 5? 

Os cinco mercados principais de propriedade intelectual estão achando que o diálogo de todos os países do mundo, através de um organismo da ONU, que é a OMPI, é muito lento, muito demorado e não consegue atender a velocidade necessária. Então, esses órgãos, esses escritórios de patentes, de modelos de atividades, desenho industrial, dos cinco mercados principais vêm cada vez mais se unindo para se uniformizar e para dar resposta à demanda. 

São eles: Estados Unidos, Japão, Coréia, Europa e China. Então, o que nos preocupa é que o alinhamento multilateral fosse maior e houvesse mais rapidez da OMPI e da Organização Mundial do Comércio para atender as demandas que existem. Porque é um fato: a tecnologia e o desenvolvimento acontecem e depois a legislação vem atrás, tentando resolver o problema. 

Existem alguns gargalos que precisam ser tratados. O primeiro é dar estrutura ao INPI. Depois existem alguns desenvolvimentos que devem ocorrer na nossa Lei de Propriedade Industrial. É uma lei de 1996, não é nem tão velha assim, mas as inovações estão muito rápidas e podemos perder o trem da história no Brasil se não agirmos com rapidez. 

Vou citar um exemplo. O Brasil estabelece que o material biológico isolado da natureza não pode ser protegido, porque não é material. O que parece, num primeiro momento, ser algo bom, já que ninguém vai poder proteger a biodiversidade brasileira. 

Como fica a discussão da propriedade intelectual sobre os direitos morais? 

Estamos falando de direito autoral, da criação original, literária, artística, como quadros, esculturas, pinturas ou até obras arquitetônicas. Elas são protegidas pelo direito de autor, que se divide em direito patrimonial, de ganhar dinheiro e monetizar essa obra. Um artista que escreve uma música tem exclusividade sobre a música e quem tocá-la teria que pagar ao autor. 

Ao mesmo tempo existe um direito moral, onde o autor, pessoa física, tem de resguardar determinadas atividades. Por exemplo, a integridade da obra, querer que ela fique inédita, querer ter o nome sempre associado à sua obra, exigir e poder tirar de circulação a obra. Estes são os direitos morais.

Eles fazem certo sentido especialmente em obras um pouco mais clássicas, como os quadros, a música, a literatura. Mas mesmo essas obras vêm passando por uma transformação profunda. No mundo, existem hoje dois sistemas de direitos de autor. Um sistema que é o anglo-saxão, que envolve sobretudo Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália e África do Sul. 


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Já a Índia, por exemplo, que é um país importantíssimo, não reconhece o direito moral, só o patrimonial, o direito de copyright. Existe, então, no âmbito internacional, um conflito entre os países que reconhecem e os que não reconhecem. Uma mesma obra é tratada num país de uma forma, em outro país de outra. Isso é ruim para a harmonização. 

A AIPPI está propondo aprofundar a discussão dos direitos morais, especialmente nas obras funcionais ou nas que têm um alto conteúdo tecnológico, como todos esses conteúdos de internet, de NFT, de blockchain, que acabam utilizando desses direitos também. 

Qual o futuro da propriedade intelectual no Brasil, na América Latina e no mundo?

Acho que a evolução da sociedade exige uma propriedade intelectual forte. A propriedade intelectual é a ferramenta essencial, porque ela garante que aquele que investiu tempo, dinheiro, a vida desenvolvendo algo novo em prol da sociedade vai poder usufruir desse direito. Então, para mim a propriedade intelectual é peça chave para o desenvolvimento econômico dos países e da sociedade como um todo.

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