Nova CPMF não é substituto adequado para desoneração da folha de pagamento

Rodrigo Alcalde - Crédito divulgação
Rodrigo Alcalde - Crédito divulgação
Para Rodrigo Alcalde, do Chediak, opções de tributação de renda e consumo em outros países oferecem alternativas melhores
Fecha de publicación: 22/10/2019

A tributação de transações financeiras não leva em conta o preceito constitucional de medir a capacidade econômica do contribuinte, além de ser extremamente cumulativa e poder onerar as duas pontas das operações, avalia o advogado Rodrigo Alcalde, que sugere como opções melhores experiências internacionais em tributação da renda e do consumo. 

Sócio do Chediak Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes e Simões Advogados, Alcalde graduou-se em direito na Universidade de São Paulo, é especialista em direito tributário pela PUC/COGEAE São Paulo, pós graduado em direito tribuário aplicado pela Fundação Getúlio Vargas  curso de Especialização em Direito Tributário da PUC/COGEAE em São Paulo. É também pós-Graduado em direito tributário aplicado e em Planejamento, Gerenciamento e Coordenação Tributários pela Fundação Getúlio Vargas.

O Carf editou 33 súmulas em setembro, enquanto tramitava no Congresso a lei de Liberdade Econômica e seu comitê de supersúmulas. Como vê estes entendimentos consolidados pelo Carf? Destaca algum como mais importante ou controverso?

Foi o maior número de súmulas aprovadas pelo Tribunal em todos os tempos. A despeito de existirem determinadas súmulas em que, de fato, permanece controvérsia entre o entendimento do CARF e do Poder Judiciário, há ali matérias que foram sumuladas que já eram seguidamente votadas pelo Tribunal do mesmo modo. Nesse sentido, a edição da súmula é um instrumento importante de economia processual para o julgamento de determinados casos, inclusive para a segurança jurídica do contribuinte, como foi o caso das Súmulas 135 e 138, que tratam do prazo inicial da contagem do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido. Em verdade, parece-me que a providência mais importante neste caso foi o que não virou súmula, caso das propostas relativas à utilização fiscal do ágio que acabaram não sendo aprovadas pela Câmara Superior. A experiência ensina que não há um caso de formação e utilização de ágio que seja igual ao outro e os fatos analisados sempre são muito importantes para que os julgadores possam formar sua convicção sobre a legitimidade do aproveitamento do ágio. A própria análise da jurisprudência do CARF demonstra que a questão de fato é sempre determinante no julgamento dessa matéria e, muitas vezes, os fatos são interpretados de forma absolutamente diversa pelos julgadores, havendo grande quantidade de julgamentos decididos pelo voto de qualidade. Não vejo como se poderia editar súmula sobre um tema nesses termos, em que a mera interpretação da lei não é suficiente para a resolução do caso.

O que podemos esperar da atuação do comitê de supersúmulas no Ministério da Economia após a aprovação da lei e a retirada das nomeações pelo ministério? Quais são os potenciais riscos e benefícios da atuação do comitê?

Inicialmente, o que se espera é que a norma que regrará a atuação do comitê venha com redação diferente daquela revogada. Da forma como a portaria anterior fora proposta, o que provavelmente ocorreria era um aumento da judicialização de determinados temas que geram maior controvérsia dentro do CARF. Isso porque o mecanismo previsto para a edição da supersúmula era menos restrito do que o procedimento adotado pelo próprio CARF para edição de suas súmulas, permitindo que três decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais tomadas por voto de qualidade autorizassem a aprovação de supersúmula. Judicialização é “custo Brasil”, exige recursos do orçamento do Judiciário e a realização de diversas despesas pelo contribuinte, como aquelas realizadas com a apresentação de garantias, em detrimento da análise de caso por um órgão eminentemente técnico como o CARF. De todo modo, se as novas regras de formação e atuação do comitê forem paritárias entre Fazenda Nacional e os contribuintes, como prometeu o Ministério da Economia, a ideia é boa e pode gerar velocidade e racionalidade na administração federal, inclusive em favor do contribuinte nos casos em que a supersúmula se debruçar sobre uma situação em que o entendimento da União Federal é vencido no CARF ou no Judiciário, mas continua sendo aplicado pela autoridade tributária.

Qual sua avaliação sobre o grupo de trabalho criado pelo Ministério da Economia para elaborar propostas de reforma tributária enquanto tramitam três PECs no Congresso, duas delas em estágio avançado? O sr. acredita que este grupo levará em conta os entendimentos do comitê de supersúmulas para atualizar a legislação?

É uma ação importante do Ministério em direção a um esforço que vem sendo realizado conjuntamente pela sociedade civil, Congresso Nacional e as autoridades das três instâncias em direção a um sistema tributário que seja, principalmente, mais simples. Se há uma crítica a fazer ao grupo de trabalho, é que ele não é exatamente paritário entre contribuintes e autoridade fazendárias. Mas a composição é de gente que obrigatoriamente terá que se envolver com a questão e que deverá fazer uma série de propostas em um prazo de dois a quatro meses. Fato é que hoje temos ao menos duas PECs que vem sendo bastante discutidas há algum tempo por contribuintes com o Congresso Nacional e ainda há uma serie de desafios a serem superados relativos à tributação de diferentes setores, como prestadores de serviços, empresas do setor imobiliário e instituições financeiras, além da velha questão da divisão de competências e receitas dos tributos entre União, Estados e Municípios. São questões absolutamente decisivas, que ajudarão decisivamente na reconstrução da economia do país, de forma a torná-lo mais competitivo e que seja compreensível e amigável ao investidor estrangeiro. Quanto ao comitê de supersúmulas, parece-me que sua atuação é mais importante na interpretação das regras tributárias do propriamente que na proposição de um novo sistema tributário, que me parece ser a tarefa principal do grupo de trabalho.

Como conciliar a necessidade de reforma tributária para reduzir custos e elevar a competitividade nacional diante da crise fiscal que exige arrecadação maior para honrar a dívida?

A tarefa é complicada porque a Constituição Federal legou uma serie de obrigações ao administrador público que não se resolvem sem dinheiro. Compreende-se o dilema dos governantes das três esferas: são inúmeros compromissos com recursos finitos e em decréscimo em um país com atividade econômica deprimida até pouco tempo atrás. Diante disso, precisamos primeiramente do “estado da arte” na administração dos recursos públicos, o que infelizmente ainda não é a realidade em nosso país. Ainda que eu não endosse a tese de que o a Administração Pública sempre trata mal o dinheiro que recebe – e há inúmeros exemplos nesse sentido – fato é que, na média, a gerência desses recursos ainda não é eficiente em comparação com o setor privado. Muitas vezes, as próprias limitações impostas pela legislação não ajudam na melhora do gasto público, o que evidentemente deve ser revisto. Isso dito, a reforma da previdência demonstrou o caminho correto para a reforma tributária: não tem varinha mágica e a solução evidentemente exige tempo para sua materialização. A economia prevista pela reforma da previdência se alonga para além de uma década e não tem efeitos meramente imediatos. É o que exige a reforma tributária: mais que resolver os problemas atuais de receita dos governos, o que a atividade econômica precisa é que seja construído um sistema tributário que seja saudável e permita que a tributação não acabe por atrapalhar ou até impedir a plena atuação do agente econômico. Soluções de curto prazo como a finada CPMF ou que são intuitivamente contrárias à própria lógica da atividade comercial, como a substituição tributária do ICMS - que exige o pagamento do imposto antes mesmo que o comerciante ou industrial realizem a venda de um produto – podem funcionar para encher os cofres públicos rapidamente, mas acabam por desacelerar o desenvolvimento das empresas brasileiras e contribuem de forma decisiva para matar o empreendedorismo. Em uma economia global, estamos em meio a uma batalha por renda e empregos e a construção do sistema tributário é um elemento fundamental desse pacote. Basta olhar o cenário mundial nos últimos dois anos para olhar que grandes players mundiais foram revisar os seus regimes tributários para melhorar a sua competitividade. Não tem solução fácil em um país do tamanho do Brasil, mas há caminho e é preciso aprender com as más escolhas do passado.

Qual sua avaliação sobre a recriação da CPMF? E sobre a proposta de desoneração da folha de pagamento em conjunto com a retomada da contribuição?

A meu ver, não é solução. A contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento é um grande custo na contratação de funcionários no Brasil. Em um país com os índices de desemprego que atingimos e em que os jovens estão com imensas dificuldades para encontrar a primeira ocupação, a desoneração da folha de pagamento é quase necessária. Mas a CPMF não é o substituto indicado. Do ponto de vista econômico, é extremamente cumulativa e, da forma como havia sido proposta, atingiria as duas pontas de uma operação financeira, sendo ainda mais onerosa que a primeira versão do tributo. A meu ver, além disso, não mede capacidade econômica do contribuinte que, queira-se ou não, é o comando constitucional para cobrança de tributos no país, como já reafirmou várias vezes o Supremo Tribunal Federal. Há opções melhores na substituição da tributação da folha de pagamento pela tributação sobre renda e consumo, como inclusive aconteceu em outros países.

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