O Dia Internacional da Mulher e os desafios delas na política brasileira

jANAÍNA Paschoal
jANAÍNA Paschoal
Janaína Paschoal, a deputada mais votada da história do Brasil, debate o lugar de fala e o posicionamento das mulheres no legislativo
Fecha de publicación: 08/03/2020
Etiquetas: Brasil

A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL) faz parte da história recente da política brasileira. Ela ajudou a redigir o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), ao lado dos advogados Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, e participou ativamente na tramitação do processo na Câmara Federal.

Nas eleições de 2018, a advogada foi a deputada estadual mais votada da história do Brasil com 2.060.786 votos válidos pelo Estado de São PauloPaschoal também é uma das autoras da denúncia contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro, no Tribunal Penal Internacional, por crimes contra a humanidade.

A advogada é formada pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde também fez doutorado. Como professora, Janaína leciona uma série de disciplinas como Segurança Pública, Biodireito, Direito Penal e Religião e Direito Penal na Faculdade onde se formou.

A deputada é uma das poucas mulheres nos parlamentos brasileiros. Segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar, no ranking de representatividade feminina no parlamento, o Brasil ocupa a posição 134 de 193 países pesquisados, com 15% de participação de mulheres.  Já no ranking de representatividade feminina no governo, o Brasil ocupa apenas a posição 149 em um total de 188 países.

LexLatin conversou com a deputada sobre os desafios das mulheres na política.

Janaína Paschoal na Alesp

Quais sãos o grandes desafios enfrentados pelas mulheres na política e na discussão do tema hoje no Brasil?

Eu vejo ainda um campo muito aberto para que nós estimulemos o surgimento de novos quadros. Acredito que ainda não haja um trabalho da própria sociedade. Não creio muito que seja o Poder Público que construa essas coisas. Falta um trabalho da própria sociedade para estimular a entrada de pessoas na política e, que dentre estas pessoas, haja mulheres. Precisamos deixar de falar que a política é uma área só para os desonestos ou bandidos, pensar que vale a pena trabalhar para melhorar o país.

Como você vê a questão das cotas para mulheres nos partidos políticos?

Nós temos no Brasil cotas para mulheres, mas os partidos não desenvolvem um trabalho para buscar quadros femininos. Eles deixam para fazer isso um mês antes do prazo para a filiação antes das eleições. Então, agora tem partido desesperado para assimiliar mulheres para poder lançar candidatas a vereadora, por exemplo (as eleições municipais acontecem em 4 de outubro e o prazo para filiação termina em 4 de abril).

E muitas vezes esse processo nem é para ter representatividade, é para cumprir cotas. E isso é muito ruim, principalmente quando o partido inclui mulheres que são da própria família dos integrantes daquele partido político ou de políticos só para fazer número. E é isso que a gente assiste muito no Brasil. O ideal é que os partidos fizessem um trabalho de identificação de lideranças. E existem mulheres líderes em várias áreas de atuação. É que muitas vezes essas mulheres não percebem que a sua área de atuação possibilitaria que elas fizessem um trabalho na política.

Então você tem líderes comunitárias, mulheres que já organizam ali a sua comunidade. Tem mulheres que trabalham na causa ou pró-aborto ou conta o aborto, eu me encaixo naquelas que são contra a legalização e querem criar políticas de assistência às mulheres para que elas não precisem abortar. Você tem mulheres líderes nas mais variadas searas no país. O papel do partido deveria ser em identificar esses perfis.

E quando o assunto são as mulheres parlamentares, aquelas que já exercem o mandato?

São poucas ainda no Brasil, mas essas poucas, na minha avaliação, não ocupam seu espaço. Elas ainda se contentam com os bastidores, com um segundo plano. E permitem que as decisões sejam tomadas por homens, não se impõem para participar das reuniões onde as decisões serão tomadas, elas simplesmente se submetem.

Então eu acho que ainda tem uma posição, um comportamento submisso da mulher política. Ela até pode ser atuante nos discursos, mas grande parte das vezes tem um homem idealizado.

Vejo as colegas do PT aqui na Assembleia de São Paulo. Elas sobem na tribuna e falam: é o Lula que disse, elas não conseguem ter ideias próprias sabe. Isso para mim como mulher é uma coisa muito doída.

A própria presidente Dilma, chegou à presidência da República, o mais alto posto, mas ela cumpria ordens. Então eu acho que ainda é preciso que incentivemos mulheres a entrar e as mulheres que estão se sintam efetivamente protagonistas.

Falando em presidente Dilma deputada, como a Sra vê o que aconteceu lá em 2015 quase 5 anos depois?

Eu tenho uma visão muito positiva do processo de impeachment. Creio que era muito necessário e que o rumo do país em grande parte foi dado pelo rumo daquele processo. Acredito verdadeiramente que nós não teríamos conseguido colocar um presidente de direita, com todos os problemas que temos. Não estou aqui endeusando não, porque não é muito meu perfil. Mas nós não conseguiríamos quebrar aquele ciclo da esquerda se não fosse o processo de impeachment. Foi uma participação determinante, eu vejo dessa forma.

Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mundo político e como quebrar a barreira do machismo?

Eu não tenho essa visão. Acredito que primeiramente a gente tem que falar sobre isso. Quando tem uma situação real de preconceito e de discriminação contra a mulher, por ela ser mulher, eu acho que temos que falar. Olha, isso aconteceu assim, porque envolvia uma parlamentar mulher.

O que me incomoda muito, que eu vejo todo santo dia, é um discurso de vitimização, onde a pessoa não consegue enfrentar os argumentos e começa a dizer que estão fazendo aquilo com ela porque é mulher. Isso é muito mais presente do que você pode imaginar. Então essa vitimização feminina me incomoda demais.

O machismo está vivo na política na opinião da Sra?

Tem sim. É muito comum a mulher precisar gritar mais alto para ser ouvida, precisar pedir a palavra três vezes, enquanto um homem faz um gesto e já tem a palavra dada, é muito comum isso. Então não estou dizendo que haja machismo.

Mas eu já vi uma série de situações em que está presente uma divergência, um debate de ideias, e a parlamentar, para segurar a discussão, começa a dizer que está sendo vítima de machismo. Aí não dá.

Deputada Janaína Paschoal

Quais são os desafios para as mulheres na América Latina na política?

O primeiro desafio que eu vejo não é só para as mulheres, é para a própria América Latina. Nós temos um histórico de totalitarismo, de autoritarismo – à direita e à esquerda – que nos assombra. Então eu acho que é muito importante que toda pessoa pública tenha ciência desse histórico, que fique alerta, porque esta história de dizermos que a realidade só evolui não é real.

As mulheres precisam criar uma rede de proteção e não cair na armadilha de as próprias mulheres desmerecerem as demais. Eu acho importante também as mulheres que estão na política não se circunscreverem a assuntos exclusivamente femininos. Nós podemos e devemos cuidar de assuntos mais relacionados à mulher, claro, mas nós não devemos cair na armadilha de sermos parlamentares temáticas.

Eu vou te dar um exemplo muito significativo. Quando o presidente, na época em que era deputado, me convidou a ser vice na chapa presidencial, nós fizemos uma longa reunião, houve mais de uma situação de discussão.

E eu lembro que quando terminou uma determinada reunião, que todo mundo soube o que tinha acontecido, algumas jornalistas – principalmente mulheres, é muito engraçado como ficam presas a essa amarras – me perguntaram. Ah, o que foi que você discutiu com o presidente para as políticas femininas ou para as mulheres? Eu olhei para a cara delas e falei: nada. Elas perguntaram, como assim nada? Eu falei nada e ao mesmo tempo tudo. Eu discuti economia, mudanças constitucionais, enfrentamento à violência...

E o que elas queriam ouvir era sempre aqueles mesmos assuntos: feminicídio, aborto, como se a gente não tivesse capacidade de tratar de outros temas. Então eu acho que as mulheres, elas próprias, se amarram.

E qual o papel das mulheres nos partidos políticos hoje no Brasil?

Antes de eu me filiar e pensar em me candidatar - como gosto muito de falar em público e sou muito participativa - outros partidos me convidaram para entrar, em vários momentos da minha vida. Olhavam pra mim e diziam que eu seria uma maravilhosa presidente do partido X na comissão de mulheres, entendeu? Você seria uma ótima líder da ala feminina do partido. Para mim, não existe pior ofensa. Como é que é? Então eu sou um ser pela metade? Por que eu tenho de cuidar de coisas de mulheres? Consegue entender? Era o típico convite perfeito para eu recusar.

Para ocupar aquele lugar definido muitas vezes pela lógica masculina?

Sim. Tem uma deputada aqui na Assembleia que é transexual. (A Érica Malunguinho?). Sim. Ela vai muito à tribuna e fala que é uma mulher trans. Eu disse para ela: eu te respeito, mas você tem que tomar o cuidado para não criar para você uma limitação. Você é uma mulher trans, mas você tem o direito e o dever de tratar de outros temas. E mesmo nestes temas que são mais da sua causa, você pode ter o direito de olhar de uma maneira mais global. Porque senão a gente se limita sem perceber.

Falando agora de mundo legal, como a Sra vê a liderança das mulheres nos escritórios de advocacia.

Muitas vezes nos escritórios de advocacia, sobretudo nos grandes, a mulher pinta o quadro e o homem assina, é assim que funciona. Não raras vezes tem várias mulheres muito competentes capazes e estudiosas preparando as peças, fazendo as pesquisas, mas na hora de falar com o cliente, sustentar e aparecer como cabeça de escritório, é um homem ou são alguns homens que o fazem. E porque isso acontece? Só porque os homens querem se apropriar do trabalho da mulher? Não, porque elas se acomodam com o conforto da proteção.

Então no momento em que as mulheres entenderem que fazer o trabalho e aparecer como autor desse trabalho tem bônus e tem ônus - e tem que correr risco, aguentar crítica e assumir a responsabilidade quando não der certo – quando elas decidirem abraçar esse pacote, a gente vai conseguir mudar essa situação.

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