O que muda (e o que pode mudar) na Lei Trabalhista por conta do home office

"As empresas estão começando a se reorganizar"/Divulgação
"As empresas estão começando a se reorganizar"/Divulgação
Cassia Pizzotti, consultoria em questões trabalhistas de alta complexidade, fala sobre transformações da área.
Fecha de publicación: 07/12/2020

As relações trabalhistas estão em um momento de profunda transformação no país. Prova disso é a quantidade de empresas que adotaram por tempo indeterminado o home office.

E junto com o crescimento dessa modalidade vieram inúmeras dúvidas sobre como se adequar a essa nova realidade. O que as empresas e empregadores precisam prestar atenção nesse momento? Nossa equipe conversou com Cássia Pizzotti, do Demarest Advogados, para tirar algumas dúvidas sobre o teletrabalho.

Cássia é consultoria em questões trabalhistas individuais e coletivas de alta complexidade.

Quais são os principais desafios trabalhistas enfrentados durante a pandemia?

Quando começou, lá em março, as maiores dúvidas eram os dispositivos da lei brasileira que permitiam licenças, redução de jornada, de salário, o que poderia ser feito para manter as pessoas em casa e eventuais subsídios dados pelo Governo brasileiro.

Num segundo momento tivemos uma discussão em relação às empresas que passaram a ser fechadas por conta de casos de Covid-19. Houve uma atuação intensa do Ministério Público do Trabalho e dos sindicatos, inclusive pedindo a caracterização de acidente de trabalho.

Hoje as empresas estão começando a se reorganizar até muito com base na experiência que elas tiveram até agora. E se organizar em duas frentes: a primeira inclui as empresas que precisam continuar com trabalho presencial, como fábricas e serviços prestados pessoalmente.

O que eu percebo nelas é um foco nas medidas de prevenção e no estabelecimento de protocolos. As normas regulamentadoras que tratam de saúde e segurança não foram ajustadas e então as empresas ficaram um tanto quanto perdidas. Hoje existe uma portaria conjunta, que é a número 20, que traz as linhas mestras em questão de saúde e medicina para quem está trabalhando presencialmente para não pegar o vírus.

A segunda frente que é o home office.

Quais são hoje as questões em relação ao home office que a legislação trabalhista precisa resolver?

Na pandemia tem uma série de coisas que estão sendo feitas virtualmente, que vem desde a admissão e desligamento do empregado, medidas disciplinares e assembleias de trabalhadores. O que se estabelece é que isso pode acontecer até o final do estado de calamidade e isso, da forma como foi feito pelo governo, vai ocorrer em 31 de dezembro de 2020. Sabemos que a pandemia não terá acabado até lá.

Uma primeira questão é como vão ser as coisas a partir desta data se o estado de calamidade não for prorrogado? As assembleias voltam a ser feitas presencialmente?

Outra questão são os exames médicos obrigatórios, os periódicos, os admissionais e demissionais. Tem empregados que se recusam a ir numa clínica fazer o exame. Isso também é algo que está no ar. Agora parece que medidas paliativas estão sendo adotadas, porém não posso usar telemedicina de acordo com a diretriz preconizada pelos conselhos de medicina quando se trata de medicina ocupacional. Como lido com isso, sabendo que a pandemia vai se estender? Tudo isso tem que estar disciplinado. São algumas lacunas que precisamos resolver.

Muitos especialistas dizem que o home office veio para ficar, inclusive depois da pandemia. Dá para falar disso agora em meio à emergência sanitária?

O que está surgindo são questões que são complicadas de tratar agora. Um exemplo é a empresa que tinha uma expatriação programada para os Estados Unidos por agora. Isso não vai acontecer, mas a pessoa já tem que começar a prestar serviços para a empresa estrangeira. E aí nos deparamos com a questão de fuso horário. Outra situação são os empregados que têm pedido para prestar o serviço de outro país, como da Europa, por exemplo.

Existe a situação da lei estrangeira. Ela tem que ser avaliada já que o local da prestação dos serviços é o exterior. A regra geral é que devo aplicar a legislação mais favorável quando eu transfiro alguém para o exterior, quando vai como transferência. Se essa transferência acontece a pedido do empregado, como eu trato a questão da lei estrangeira?

Hoje o que nós temos é a norma regulamentadora 17 e ela tem pontos aplicáveis ou não para quem fica em casa. Entendo que seria necessária uma adaptação da legislação nessa parte de segurança e medicina do trabalho. Outro aspecto é a caracterização do acidente de trabalho. Como estabeleço o que ocorreu durante o trabalho ou não? Em tese a residência do empregado é uma extensão do estabelecimento do empregador. Um exemplo: o trabalhador sofre um acidente porque foi comprar algo na esquina. Isso vai ser um acidente do trabalho, vai garantir estabilidade? É algo também que está no ar.

Qual é sua opinião sobre isso?

Acho que acidente doméstico não deve ser classificado como acidente de trabalho. A empresa deve recomendar que o trabalhador cuide da postura e que se movimente. Em minha opinião, fica impossível de controlar se a pessoa está sentada no sofá ou se almoça tarde e fuma, por exemplo. A responsabilidade é do empregado. Esses são pontos que precisam ser tratados. Atribuir ao empregador ocorrências na residência do empregado no caso do empregador ter tomado as providências de orientação e esclarecimento fica bem desproporcional.

No caso do teletrabalho tenho que editar o contrato e orientar o empregado, acordar como vai ser o fornecimento de equipamentos. O perigo disso é que você começa a se deparar com determinadas situações tipo: quatro dias são preponderantes para a pessoa que trabalha cinco? Mas e para quem trabalha seis? E se eu combinar com a pessoa que ela tem de vir ao escritório dois dias, mas aí ela acaba vindo quatro, porque numa determinada semana tinha uma reunião?

Isso também pode acontecer com alguém que cumpra jornada presencial na empresa e eventualmente vai trabalhar de casa. Tudo isso é conceitual, porque se eu começar a transformar isso em algo quantitativo vai ter desvios que vão acabar deturpando a natureza jurídica da relação, o instituto do teletrabalho.

Qual deve ser a política da empresa então nesses casos?

É recomendável estabelecer quando isso vai acontecer e sob que forma. E tem diversos aspectos envolvidos nisso. Exemplo: vale transporte. Já que a pessoa não vai trabalhar na empresa não sou obrigado a dar esse vale.

E vale-refeição, por exemplo? Eu entendo que deve ser mantido. Sobretudo de casos onde há convenção coletiva, passa a ser um beneficio obrigatório e estabelece inclusive o valor mínimo para concessão. Já a empresa que tem refeitório, como ela vai fazer com o empregado que trabalha parte em casa e parte na empresa? Isso precisa ser bem definido.

As empresas têm que alinhar as atividades que elas fazem e estabelecer políticas para equacionar todos esses pontos e regulamentar isso, de empresa para empresa. A lei foi bem sucedida quando disse que é de empregador para empresa, porque cada caso é um caso.

De repente a pessoa não tem intenção de trabalhar home office, o que acho que deva ser algo opcional na medida do possível. É óbvio que isso não é um direito e uma prerrogativa do empregador, porém deveria ser opcional. Você tem condições de trabalhar em home office na sua casa? Você quer isso?

Tem gente que não tem disciplina, espaço, que não consegue se concentrar com pessoas ao redor, que mora com gato, cachorro, galinha, cavalo, pai, mãe e irmão. Tem gente que diz que está desalojando o filho porque não tem quarto para montar o escritório. Sendo opcional a pessoa deve declarar: tenho condições inclusive de segurança para trabalhar de dentro de casa.

Como fica a marcação de ponto?

A lei diz que, no caso do teletrabalho, posso cessar o empregado de marcação de ponto. Porém, as empresas têm que olhar para si e verificar se de fato é possível ou não controlar. Porque não adianta escrever num aditivo ou no meu contrato de trabalho que não vai marcar ponto. Isso tem que ser visto de acordo com as próprias exigências do trabalho. Se não for o caso, o empregado deve continuar marcando o ponto de forma eletrônica. Então isso precisa de acordo coletivo.

E se o empregador não exigir da pessoa marcação de ponto e ela entrar com uma ação comprovando que ela era sujeita a horário, que era cobrada e pedir hora extra? Se o juiz dizer que é verdadeira a quantidade de horas extras a empresa não vai ter como fazer contraprova. Então esse é um primeiro aspecto que tem eficiência de objeto de reclamação trabalhista e que as empresas têm que definir.

E com relação às ferramentas de trabalho?

Aí entra banda larga, eventual aumento de despesa, a própria questão da disponibilização das ferramentas de trabalho. Isso deve ser também endereçado pelo empregador e deve ser observado por todo o time interno. Se for opcional o trabalho home office, isso tira bastante a prerrogativa do empregado de amanhã dizer que não tinha condição de trabalhar de casa.

É preciso ter maturidade para que as pessoas possam optar e se manifestar sobre as condições de trabalhar em casa. É importante que a pessoa declare inclusive que a residência dela tem condições seguras.  Deve surgir uma discussão judicial com relação aos impactos do trabalho home office na saúde do trabalhador.

Então será essencial rever os atuais contratos e mudar os novos?

Se a pessoa for contratada para trabalhar remotamente, se esse for o objeto do acordo e contrato de trabalho, será necessário que conste que o empregado vai trabalhar nesse sistema. Deve também constar se ele vai ou estar sujeito a controle de horário e ser estabelecido como vai se dar o custeio de despesas. Será preciso obter a ciência individual de cada empregado com relação aos termos dessa política, se possível dando para ele a prerrogativa de aderir ou não.

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