Os avanços tecnológicos que prometem mudar o exercício da advocacia nos próximos anos

78% dos escritórios de advocacia no Brasil ainda não usam serviços de advocacia e tecnologia jurídica, aponta levantamento
78% dos escritórios de advocacia no Brasil ainda não usam serviços de advocacia e tecnologia jurídica, aponta levantamento
Mudanças passam pelo uso de inteligência artificial, e-discovery, armazenamento em nuvem e tecnologias que auxiliem na melhora da cibersegurança, privacidade e análise de dados.
Fecha de publicación: 21/05/2021
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A pandemia e a necessidade de isolamento social em todo mundo trouxeram novas possibilidades e oportunidades para o mercado jurídico. Segundo os especialistas, muitos processos vão ganhar ainda mais fôlego nos próximos anos num ambiente com ou sem Covid-19. A expectativa é de crescimento no mercado de arbitragens, mais casos de ações coletivas e a evolução das estruturas antitruste. Outro ponto importante é a regulação e os ajustes em torno das novas legislações de privacidades de dados que já foram ou estão em aprovação nos países.

Na América Latina o Brasil foi um dos pioneiros, com a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Depois disso, é nítido o movimento em torno da adequação em torno da nova lei e vários escritórios estão implantando essa área para atender à demanda crescente dos clientes.

Para falar sobre a importância do crescimento da tecnologia nos escritórios nossa equipe conversou com especialistas de um dos maiores provedores globais de data centers, a Epiq. Nosso bate papo foi com Caitriona Robinson, diretora sênior de desenvolvimento de negócios da Epiq, e Kelly Siple, diretor de atendimento ao cliente nas contas globais da Epiq.

Estudo recente, feito entre 650 escritórios de advocacia brasileiros, de diferentes áreas e áreas de atuação, avaliou os impactos da Covid-19 nas firmas e departamentos jurídicos daqui. O levantamento, realizado em parceria com o Cesa, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, constatou que 78% dos escritórios de advocacia no Brasil ainda não usam serviços de advocacia e tecnologia jurídica.

Nosso bate papo foi centrado em novas tecnologias e na necessidade de adaptação dos escritórios brasileiros a essa nova realidade. Acompanhe.

Como você vê hoje a evolução da tecnologia no mercado jurídico na América Latina? Existe diferença entre o mercado brasileiro e os outros países da região? 

Caitriona Robinson

Caitriona Robinson: A indústria de tecnologia jurídica no Brasil está crescendo com mais energia do que muitos outros países da América Latina. Em 2017 se formou a associação brasileira de lawtechs e legaltechs. Foram mais de uma centena de tecnologias diferentes que foram criadas em diferentes áreas, como gestão de prática, pesquisa jurídica, automação documental, gestão de casos, mas também setores como análise jurídica e transformação do departamento jurídico.

E é aí que estamos vendo o maior aumento e interesse de clientes em alguns de nossos mercados emergentes. Se tem uma coisa que direi sobre o Brasil é que os departamentos jurídicos são muito sofisticados. Eles sabem o valor do trabalho jurídico e têm equipes que geralmente determinam o custo desse trabalho.

No Canadá e nos EUA, e em alguns outros países, infelizmente, a hora faturável ainda está lá e não há outra alternativa. Mas, no Brasil, os preços jurídicos alternativos já existem há algum tempo.

Que tipos de tecnologia precisamos investir para melhorar nossa indústria legal?

Caitriona Robinson: O Brasil e outros países da América Latina são uma jurisdição de civil law, portanto, analisar grandes quantidades de documentação não é tão popular quanto em outras jurisdições. Mas com o aumento da arbitragem internacional e as crescentes ações coletivas envolvendo regimes antitruste no Brasil e a nova legislação de privacidade (LGPD), vocês verão uma espécie de aumento na necessidade do gerenciamento de documentos e nos preparativos e processamento.

Tem muitas firmas norte-americanas e inglesas na América Latina, mas o Brasil no geral não se expande para o resto do continente. Você acredita que um ambiente baseado em tecnologia pode mudar isso?

Caitriona Robinson: Pela conversa que tivemos com firmas no Brasil, há definitivamente novas tecnologias sendo adotadas. Muitas das tendências que vemos no espaço jurídico em geral e em relação à tecnologia são de natureza global. O negócio jurídico está mudando, e as tendências que continuam a impactar a indústria incluem a aceleração em direção à adoção da tecnologia digital, tecnologias como inteligência artificial, SaaS, Cloud, aumento da regulamentação e conformidade, cibersegurança, privacidade de dados, análise de dados, pressão de custos e crescimento nas operações legais e transformação legal dos negócios.

Os data centers têm se tornado fundamentais para o mercado jurídico?

Caitriona Robinson: Pelas pesquisas que fizemos e pelas conversas que tivemos, sabemos que existe uma demanda por expansão de data centers no Brasil. O IDC Brasil estima que a entrada de gastos com serviços públicos só tende a crescer no país. Outra tendência é a digitalização dos negócios na região, sendo também o principal impulso para a localização desses centros. São Paulo é a primeira localização do Microsoft Work Based Data Center na América Latina. E a próxima será na Cidade do México. Portanto, será definitivamente um salto no investimento das empresas em serviços de computador em 2021 em comparação com os anos anteriores.

O Brasil tem as leis de privacidade de dados mais rígidas da região e, pelo fato de a Microsoft estar aqui, é o lugar natural para erguermos nossas operações.

Sobre prestadores de serviços jurídicos alternativos, o que podemos esperar desses serviços no Brasil e na América Latina em geral nos próximos anos? E que tipo de direção o mercado jurídico pode ter no médio prazo?

Caitriona Robinson: A indústria de serviços jurídicos alternativos só está crescendo. E o interessante é que há um senso crescente de colaboração entre ALSPs [alternative legal service providers - firmas para as quais as bancas e os departamentos jurídicos de corporações terceirizam serviços jurídicos] e escritórios de advocacia. Agora os escritórios de advocacia ou criam sua própria ALSP internamente ou contratam uma ALSP externa para gerenciar. É preciso entender questões como revisão de documentos e e-discovery e processos e tecnologia legal e usar a tecnologia legal que as ALSPs têm. 

Por isso, veremos uma tendência crescente em provedores de serviços jurídicos alternativos. Ainda não é um lugar bem demarcado, principalmente no Brasil, definitivamente há alguns outros provedores de serviços jurídicos alternativos na região, e alguns vieram mais recentemente este ano.

Departamentos jurídicos e consultores jurídicos e advogados estão usando a tecnologia para fornecer serviços jurídicos mais eficientes e transparentes. Eles vão continuar a envolver ALSPs para ajudar a atender seus clientes.

Você acredita que o ensino do Direito deve mudar para se adaptar a essas novas tecnologias? Que tipos de adaptações necessitam ser feitas atualmente para futuros advogados?

Caitriona Robinson: O que vejo por trabalhar em um escritório de advocacia é o que os clientes procuram, além de bons conselhos jurídicos, bons conselhos comerciais. Quando você estiver dando uma opinião jurídica, dê-me de uma forma que possa usar na minha empresa. E parte disso está relacionado ao uso de tecnologias legais. Toronto, por exemplo, se tornou esse tipo de centro legal de tecnologia no Canadá. Começamos a nos chamar de Vale do Silício do Norte, demos esse nome para nós mesmos. É definitivamente uma área em crescimento. É interessante que os advogados com quem conversei meio que hesitaram em usar tecnologias legais no passado ou em incorporar agora. 

Kelly Siple

Kelly Siple: À medida que os estudantes puderem aprender como usar essas ferramentas mais cedo, será melhor. Temos muitas ferramentas de inteligência artificial importantes, que seria melhor aprender na escola. Vemos isso agora quando trabalhamos e fazemos serviços com os advogados. Os advogados formados em outras épocas às vezes são muito bons de praticar a lei, mas têm problemas com a tecnologia. Será mais fácil para os advogados que crescerem aprendendo, usando a tecnologia. Ela ajuda a fazer as coisas mais rápido, ver os documentos que precisam ser examinados, usar outras ferramentas como inteligência artificial para diminuir o custo.

As escolas de direito estão cada vez mais olhando para a interseção entre a tecnologia e o direito, envolvendo a tecnologia como um requisito na prática do direito e acrescentando tecnologia jurídica e programas de inovação como parte de seus cursos principais (por exemplo, Northwestern University em Chicago, University of Toronto e University of Calgary em Alberta, Canadá).

Além disso, estamos vendo o surgimento de programas projetados para educar advogados e futuros advogados em inovação jurídica e liderança no direito em uma era de desenvolvimento tecnológico.  Muitas faculdades como a de Direito têm concursos de tecnologia, como o concurso IronTech da Universidade de Georgetown, no qual os estudantes criam acesso a aplicativos de justiça para organizações pro bono.

Que tipo de tecnologia será essencial no futuro? Que tipos de ferramentas o mercado jurídico tem que ter domínio ou começar a ter por agora?

Caitriona Robinson: Eu diria que a inteligência artificial é uma grande chave, uma grande onda para o futuro. Importante também a tecnologia que ajude uma equipe jurídica, escritório de advocacia ou corporação a tomar decisões mais baseadas em dados. Então, o que estamos ouvindo é que precisamos ser capazes de tomar mais decisões baseadas em dados para analisar gastos legais, decidir o que está funcionando e o que não está funcionando, realizando pesquisas em bancos de dados, e-discovery, processamento de documentos, usando dados para envolver a chance de sucesso em um assunto.

A inteligência artificial identifica indícios de padrões de dados e se algumas informações são válidas ou não. Isso vai transformar toda a forma como o aconselhamento jurídico é prestado e o interessante é que a maioria dos escritórios de advocacia tenha uma equipe de inovação chefiada por alguém que não é advogado ou inicialmente era, mas agora contrataram alguém da indústria envolvida em tecnologias legais.

A forma como minha empresa está estruturada é um exemplo: há um braço de soluções jurídicas, braço de ações coletivas, braço de transformação de negócios, estou aprendendo mais sobre eles, fiquei impressionada com algumas das tecnologias que grandes escritórios de advocacia nos EUA estão se empenhando em usar para apoiar suas equipes remotas.

Esperamos ver o crescimento de tecnologias práticas como ferramentas de revisão/diligenciamento de contratos usando IA; tecnologias e-discovery, especialmente ferramentas analíticas que reduzem muito o número de documentos que precisam ser revisados para disputas e investigações; e outras ferramentas de eficiência como software de gerenciamento de práticas, além de ferramentas de automação do fluxo de trabalho.

À medida que as ferramentas para e-discovery e revisão de contratos se tornam mais maduras, estamos vendo se tornarem mais amplamente disponíveis, acessíveis e capazes de interfaces em vários idiomas.  Também esperamos ver muito mais arquitetura de nuvem sendo construída e implantada para permitir uma integração mais perfeita de várias ferramentas e sistemas, para criar soluções de ponta a ponta com relatórios de dados centralizados para obter insights em tempo real, o que leva a melhores resultados.

É importante ter em mente, no entanto, que a inovação no campo jurídico não se trata apenas de tecnologia. O aumento das operações jurídicas dentro das equipes jurídicas corporativas na última década também criou mais ênfase na necessidade de processos simplificados, juntamente com a implementação de tecnologia para criar eficiências. 

Que tipo de evolução você acha que tivemos no ano passado? O que estamos experimentando nestes tempos de pandemia?

Caitriona Robinson: O maior ponto de inflexão que vimos por muito tempo quando se trata de apoiar a força de trabalho digital, quero dizer, vindo de um ambiente de escritório de advocacia onde os sócios iam ao escritório todos os dias cinco dias por semana, não vai ser assim no futuro.

Mas mesmo quando falamos com os clientes sobre a digitalização de seus registros, isso não é novo, já se sabe há muito tempo, agora é a hora de fazer isso. Precisamos ter serviços de correio digital, precisamos ser capazes de digitalizar registros, precisamos ser capazes de usar análises e outras tecnologias legais para poder apoiar nossos clientes.

Os clientes procuram serviços eficientes, transparentes e de baixo custo. O mais interessante é que os provedores de serviços jurídicos alternativos provavelmente poderão se livrar da palavra "alternativa", porque estamos nos tornando realmente populares agora. Acho que será o progresso natural que os escritórios de advocacia não vão a lugar nenhum, mas farão mais parcerias com provedores de serviços jurídicos alternativos, ou criarão os seus próprios, para poder atender os clientes da maneira que eles precisam. 

A tecnologia pode diminuir ou aumentar a lacuna entre as grandes e pequenas firmas?

Kelly Siple: Acho que pode fazer as duas coisas. As firmas que têm dinheiro para investir em tecnologia podem fazer mais investimentos do que aquelas que não têm os recursos. Ao mesmo tempo, se as firmas menores puderem usar a tecnologia, elas podem fechar a lacuna mais rapidamente e competir nos mesmos termos, mais do que uma forma assimétrica de operar.

Caitriona Robinson: Vou falar pela minha experiência no mercado canadense. Fizemos parceria com escritórios de advocacia menores que, em alguns casos, estão muito abertos para abraçar e integrar novas tecnologias na forma como atendem seus clientes. Não são apenas as grandes firmas que estão liderando dessa forma.

Não acho que a tecnologia vai criar uma lacuna, acho que vai, entre esses diferentes níveis de firmas, depender das firmas individualmente e como elas vão trazer a tecnologia para atender melhor seus clientes e se abrir para isso. Em alguns casos, os clientes estão insistindo para que façam isso. Então, não sei se isso fará esse tipo de delimitação entre as firmas maiores e as menores. Eu vi isso em todos os níveis no Canadá.

Muitas das plataformas emergentes permanecem bastante caras, como é frequentemente o caso em novos mercados. Com o passar do tempo, estas ferramentas vão se tornando menos dispendiosas. Além disso, empresas menores e de médio porte estão aprendendo a apoiar-se em tecnologias para serem capazes de escalar e gerenciar assuntos maiores que sem a tecnologia/automação seriam menos capazes de lidar.

Há empresas de pequeno e médio porte muito inovadoras que estão investindo em tecnologia para poder escalar seu trabalho e ter uma vantagem sobre as empresas maiores.

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