Os espaços de crescimento para a arbitragem latino-americana

“A América Latina testemunhou um boom no desenvolvimento de investimentos, não só estrangeiros, mas locais”, Von Wobeser / Foto: Leon Overweel, Unsplash.
“A América Latina testemunhou um boom no desenvolvimento de investimentos, não só estrangeiros, mas locais”, Von Wobeser / Foto: Leon Overweel, Unsplash.
Por um lado, a região vive um boom de investimentos, por outro, os movimentos políticos de esquerda estão ganhando mais disputas eleitorais.
Fecha de publicación: 01/02/2022

Há alguns meses, em outubro do ano passado, a Associação Latinoamericana de Arbitragem (ALARB) cumpriu dez anos. No evento de comemoração do seu aniversário, surgiu uma pergunta fundamental: para onde caminha a arbitragem latino-americana?

Em entrevista, Claus von Wobeser, presidente da ALARB, menciona que não há dúvida que nos próximos cinco anos haverá um crescimento exponencial no uso da arbitragem na região latina, inclusive, certamente outras regiões envolverão partes ou interesses que vêm da América Latina.

Claus von Wobeser, também sócio do escritório Von Wobeser & Sierra, explica que, resultado de somar o boom dos investimentos na região com territórios ganhados por movimentos políticos de esquerda, incluir a arbitragem nos contratos representa uma garantia para os investidores.

Alfredo Bullard González, vice-presidente da organização, opina nesse sentido: é iminente o aumento da arbitragem, como tende a ser há anos.

“É quase uma constante: os governos que assinam cláusulas e tratados de proteção de investimentos não são os mesmos que as descumprem”, analisa.

Cabe mencionar que Bullard González, que também é docente da Pontifícia Universidade Católica do Peru e sócio do escritório Bullard, Falla & Ezcurra, fala concretamente do Peru e das possíveis direções que tomará o Governo liderado pelo presidente Pedro Castillo.


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LexLatin: O que você acha que encontraremos, em matéria de arbitragem, ao revisar o desenvolvimento da América Latina nos próximos cinco anos?

Claus von Wobeser: Sem dúvida alguma, poderemos notar um crescimento exponencial no uso da arbitragem na região latino-ameircana, inclusive notaremos arbitragens em outras regiões que envolvem as partes ou interesses provenientes da América Latina. Se tomamos como referência o aumento de casos nos últimos 10 anos na região, poderemos observar que, com o passar do tempo, a tendência foi no sentido crescente, tanto em instituições que administram arbitragens domésticas, internacionais, como procedimentos ad hoc. Isso porque a arbitragem tem se mostrado um método eficaz para a solução de conflitos em diferentes setores econômicos.

Claus Von Wobeser
Claus Von Wobeser

Em particular, a América Latina presenciou um boom no desenvolvimento dos investimentos, não só estrangeiros, mas locais. De um ponto de vista político, os partidos de esquerda ganharam as eleições em vários países do continente, sendo estes governos menos favoráveis ao investimento em áreas estratégicas como energia, petróleo, gás e outros. A possibilidade de ter um acesso à arbitragem em contrato de investimento gera uma garantia para o investidor caso surja uma disputa entre ele e o Estado ou uma de suas entidades, já que oferece a certeza e a tranquilidade de ter acesso a um mecanismo de resolução de controvérsias onde os árbitros são independentes e contarão com a qualificação necessária para emitir um laudo executório.

LexLatin: Como será a participação das novas gerações na arbitragem? Quais são as suas recomendações para as gerações mais jovens de advogados?

Claus von Wobeser: Felizmente estamos presenciando uma mudança nos profissionais praticantes da arbitragem, não só de geração, mas também de gênero. Existe uma grande abertura e entusiasmo na participação das novas gerações e diversidade, que não se observava há alguns anos. 

A ALARB está absolutamente comprometida em promover a formação acadêmica e participação de árbitros, advogados e juristas jovens na região para que formem uma nova geração no mundo da arbitragem e, desta forma, evitar que continuemos concentrando-nos nos mesmos árbitros tradicionais. Um dos objetivos principais da ALARB é fomentar a participação de jovens, mulheres e diversidade no geral, porque são eles que possibilitarão uma evolução da arbitragem internacional no mundo.

É precisamente por isso que convidamos jovens praticantes da arbitragem para fazer parte da associação. Nesse sentido, em 2020, criamos o grupo ALARB: Próxima Geração, um grupo de advogados menores de 40 anos que busca divulgar os princípios e objetivos da ALARB na região.


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LexLatin: Devido ao contexto político e social latino, você acha que a proteção legal dos projetos de investimento nos países da região ganhará um valor especial? 

Alfredo Bullard González: É quase uma constante: os governos que assinam cláusulas e tratados de proteção de investimentos não são os mesmos que as descumprem. Enquanto alguns têm por objetivo atrair investimentos, alguns governos pretendem capturar parte do valor agregado gerado pelos investimentos. A tendência política e social anuncia governos mais do segundo tipo, os governos que tendem a procrastinar.

Alfredo Bullard
Alfredo Bullard

É como quem se convence de que tem que fazer uma dieta para melhorar sua saúde, mas logo à noite, quando sente fome, desce na cozinha e abre a geladeira. Sabe que o melhor é respeitar a dieta, mas sacrifica o longo prazo pelo desejo a curto prazo. Uma possibilidade para se proteger é colocar um cadeado à noite que impeça de abrir a geladeira. Esse cadeado, no caso dos governos com a tentação de afetar os investimentos, é o marco legal internacional de proteção. A qualidade do cadeado é central para que não se abra a geladeira. O pior é que quanto mais cheia estiver a geladeira, maior será a tentação e maior a vontade do governo de quebrar o cadeado. 

Os cadeados são postos à prova quando querem abrir a porta. Os mecanismos internacionais de proteção são feitos de um “metal” melhor que as normas domésticas.

LexLatin: Como você acha que a arbitragem se desenvolverá no Peru em 2022, sob a administração do presidente Castillo? Ainda há preocupações com a segurança jurídica entre os investidores?

Alfredo Bullard González: Muito possivelmente veremos dois movimentos em sentidos contrários. Por um lado, aumentarão (como já estão fazendo) as arbitragens contra o Estado peruano. Os sinais, que não se dissiparam, indicam que os investimentos não serão respeitados. Talvez não cheguemos ao extremo dos confiscos, mas teremos sérios efeitos regulatórios ou mudanças no marco legal que afetam os compromissos estabelecidos.

Além disso, o governo vai tentar ignorar os pactos: vai denunciar os tratados de proteção ao investimento e promover mudanças legais que enfraquecem a arbitragem em disputas com o Estado. Esse cabo de guerra aprofundará a ansiedade dos investidores. O governo, seja com declarações bombásticas contra o investimento ou simplesmente demonstrando incapacidade de criar um marco seguro, aumentará a incerteza. Os sinais dados dificilmente serão revertidos no curto prazo. Cinco anos perdidos são anunciados. Espero que não seja mais.


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10º aniversário da ALARB

No evento realizado em 29 de outubro, foi discutido a trajetória e o desenvolvimento da arbitragem na região, assim como seu futuro. Contou com a participação de 250 pessoas e com o apoio de 16 instituições de arbitragem regionais e internacionais.

Claus von Wobeser lembrou da época em que decidiu criar uma associação para o fomento do uso da arbitragem na região, como o método mais adequado para a resolução de conflitos internacionais que envolvessem partes ou interesses latino-americanos. A associação, cabe ressaltar, foi criada com o objetivo de desenvolver iniciativas para contribuir com a evolução da arbitragem internacional.

O advogado destacou a criação do Observatório Permanente sobre o estado da arbitragem na América Latina da ALARB. Esse grupo foi criado com o objetivo de monitorar o desenvolvimento da evolução da matéria. Durante o evento também apresentaram a “Pesquisa sobre o estado da Arbitragem na América Latina”, realizada com o apoio dos principais centros e instituições administradoras de arbitragem da região, incluindo a ICC. A principal constatação, de acordo com os resultados, foi de um crescimento exponencial e sustentado, embora não homogêneo, nos últimos 20 anos, de todos os centros de arbitragem da região.

O primeiro bloco intitulado “De onde viemos?”, contou com a moderação de Diana Droulers, especialista na matéria. Os palestrantes lembraram como a prática arbitral internacional foi iniciada na região. Comentaram sobre a pouca prática arbitral que existia há 10 anos e lembraram que não existia um número grande de centros de arbitragem, nem professores ministrando matérias especializadas como hoje em dia.

Bernardo Cremades, fundador e ex-presidente da Corte Espanhola de Arbitragem, relembrou suas viagens com Yves Derains, ex-presidente do Comitê de Arbitragem da França, para falar sobre arbitragem nas cidades mais importantes da América Latina, afirmando que: “Eles nos viam como se estivéssemos vindo de outro planeta porque falar sobre arbitragem internacional era um assunto muito estranho naquela época”.

O ICC tem um lugar muito importante para a formação em arbitragem na América Latina, sendo a instituição onde a maioria dos praticantes latino-americanos aprenderam sobre arbitragem e deram seus primeiros passos no assunto.

Por sua vez, Horacio Grigera Naón acrescentou que os advogados latino-americanos também desempenharam um papel importante, pois promoveram cláusulas arbitrais. Ele também afirmou que o mais interessante foi como os esforços feitos na América Latina desempenham um papel importante, porque "o que acontece na América Latina pode influenciar o resto do mundo".

O segundo bloco, intitulado 'Onde estamos e para onde vamos?', abordou o presente e o futuro da arbitragem na região e a criação da ALARB, sob a moderação de María Inés Corrá e Alfredo Bullard, secretário e vice-presidente da ALARB, respectivamente.

Os palestrantes relembraram um jantar em Vancouver em 2010 em que, considerando a necessidade de ter uma voz unificada na região, deram os primeiros passos convocando 16 membros e criando uma entidade sem fins lucrativos na Colômbia. Afirmaram que atingiram o objetivo de começar e serem visíveis.

Eles se lembraram de como Guido Tawil deu continuidade ao projeto discutido durante o jantar em Vancouver. Seu objetivo era ter uma voz unificada que representasse a comunidade arbitral latino-americana. Havia a necessidade de ter uma associação de arbitragem na região, em espanhol e português, que disseminasse o uso da arbitragem.

Eduardo Zuleta e Guido Tawil, membros fundadores e primeiros presidentes da associação, compartilharam suas anedotas sobre as fases iniciais. Houve dificuldades como a objeção do nome, da marca, abertura de contas bancárias, entre outras, para efetivar a criação da associação. Apesar das dificuldades, eles criaram os estatutos para realizar o projeto.

10 anos após a criação da ALARB, Claus von Wobeser destacou: “Nunca sonhei com isso, nunca pensei que poderíamos incorporar tantas pessoas. Nunca pensei que cresceria tanto e que assumiria tamanha relevância na comunidade arbitral latino-americana”.

Por sua vez, Katherine González Arrocha refletiu sobre como a América Latina é atualmente uma das regiões mais representadas na arbitragem. Cada vez mais países latino-americanos aparecem como sedes e há mais árbitros latino-americanos. Da mesma forma, Dyalá Jiménez reafirmou a evolução da arbitragem, destacando uma maior participação das mulheres.

Encerrando, Claus von Wobeser destacou a importância de continuar agregando membros à ALARB, pois na medida em que a associação conta com o apoio de praticantes de maior prestígio na região, a ALARB poderá ganhar ainda mais força para influenciar positivamente o desenvolvimento da arbitragem na América Latina.

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