Paula Surerus: "O desafio da profissão é ter um propósito"

"O desafio da profissão é ter um propósito"/Divulgação
"O desafio da profissão é ter um propósito"/Divulgação
Nova sócia-gestora do Veirano Advogados fala sobre liderança feminina e os desafios em 2022.
Fecha de publicación: 20/01/2022

Ela é a primeira mulher a ocupar o cargo de liderança do Veirano Advogados, um dos escritórios líderes do mercado brasileiro. Paula Surerus é a nova sócia-gestora, um cargo que antes era ocupado por Ricardo Veirano.

A mudança reflete um momento de ascensão de advogadas em várias firmas brasileiras, que começam a ganhar mais espaço na indústria jurídica. Mas o caminho ainda é bem longo, porque a grande maioria dos CEOs ainda são os homens. 

No dia a dia da profissão e na prática do Direito elas são um pouco mais da metade do número de advogados no país. Pelos dados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do universo de 1.240.175 profissionais do setor, 624.228 mil são mulheres (50,33%).

Mas o desafio hoje em dia é sair da base da pirâmide, eliminar obstáculos e situações que impeçam as mulheres não só de exercer a profissão, mas de chegar a cargos de liderança, no topo da carreira. Por enquanto Paula ainda é uma exceção, mas vai servir de inspiração para muitas outras profissionais. 

A advogada atua há mais de quinze anos em direito societário, fusões e aquisições, joint ventures e projetos de infraestrutura. Ela liderou projetos e operações relevantes nos setores regulados de energia elétrica, aviação e telecomunicações e em setores não regulados.

Já assessorou clientes em transações complexas envolvendo aquisição de sociedades no Brasil e no exterior e coordenou reestruturações societárias e de ativos no Brasil de empresas multinacionais.

Na entrevista a LexLatin, ela conta um pouco, por exemplo, da expectativa do mercado de recuperação judicial para esse ano, sobre liderança feminina e os desafios da sua gestão no Veirano, que dura até 2023. Confira:

Luciano Teixeira (LT): A sua eleição como líder do Veirano chamou a atenção porque são poucas as CEOs e managing partners mulheres nos escritórios, principalmente nos grandes, em pleno 2022. Como você avalia esse cenário?

Paula Surerus (PS): Paramos para pensar e de fato não vem muitos nomes. Mas há um movimento grande e uma conscientização dos escritórios brasileiros para isso. Isso está acontecendo no Brasil no sentido de preparação de liderança. Se você compara com a América Latina, talvez o Brasil esteja um pouco na frente. Mas já há uma conscientização. É raro, mas há mulheres em cargos de liderança na maioria dos grandes escritórios, principalmente na coordenação de áreas. Como sócias-gestoras ainda há um caminho, mas acho que vai acontecer muito em breve. Temos hoje um número expressivo de mulheres na advocacia e ter profissionais subindo na liderança vai ser um caminho natural.

Quais são os três principais desafios como sócia-gestora do Veirano?

Um dos principais é nos adaptarmos a essa nova realidade. Tínhamos voltado ao presencial e agora demos uma recuada por conta da variante ômicron. Mas a nossa ideia é ter esse modelo híbrido de volta ao escritório também com alguma flexibilidade em casa e continuar com o crescimento. Temos crescido fortemente nos últimos anos e há áreas que pretendemos investir mais, como ESG. Vamos continuar com esse olhar atento, com essa questão do wellness que tem sido falado muito na nossa carreira. É uma profissão que tem essa pressão e com a pandemia isso acentua. Os três principais desafios são a adaptabilidade em relação à pandemia, o crescimento contínuo e esse cuidado com a equipe e com os clientes, porque isso acaba repercutindo também nos clientes.

Suas ações, principalmente a partir de agora, serão exemplo para outros advogados e principalmente advogadas. Como você pretende assumir essa responsabilidade?

Tem a questão de inspiração e da diversidade e inclusão, que é uma pauta muito presente. Esse é um pilar forte e que queremos atuar, mas isso já vem acontecendo no nosso escritório, em diferentes frentes pela nossa governança. Temos um conselho de administração para o qual o comitê gestor reporta. O sócio gestor reporta para esse conselho que tem um papel mais estratégico. Na liderança da firma, no conselho de administração, há duas conselheiras, são pessoas que eu tive muito contato. Estou há dois anos no comitê gestor participando ativamente da gestão. É claro, minhas outras colegas são fontes de inspiração. Quando você se coloca num cargo desses, você também acaba sendo fonte de inspiração para outras.

Falamos muito dessa cadeia, onde uma puxa a outra. O escritório tem essa conscientização de que a mudança do mindset também deve acontecer para os homens, uma janela que a gente já despertou aqui. 

Qual é a sua estratégia para seguir apoiando o desenvolvimento das profissionais?

Há uns dois anos estruturamos - e conseguimos implementar -um programa de mentoria feminina interna. As participantes são todas advogadas em cargos seniores. São os últimos níveis pré-sociedade e os primeiros níveis da sociedade. Elas têm como mentores sócios e sócias. Com uma consultoria contratada estruturamos esse plano de mentoria e tem dado muito certo.

Com isso, criamos uma rede de conexão de apoio e essas pessoas têm sido trabalhadas em skills de liderança, de posicionamento e de fortalecimento. É uma forma de você preparar também essas mulheres. Os anos passam e as advogadas têm que equilibrar a profissão com as outras questões pessoais e profissionais. A ideia é preparar essas lideranças mostrando que tem um caminho e que vamos ajudar enquanto sociedade. E tem sido um sucesso esse programa.


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Quais são os principais desafios que tem as novas gerações para o desenvolvimento profissional como advogado/advogada dentro de uma firma?

O desafio da profissão é ter um propósito, de ver na firma que esses valores que estamos divulgando de diversidade, inclusão e sustentabilidade não são apenas discursos ou marketing porque o mercado exige, mas de fato está acontecendo internamente. Então criar esse ambiente inclusivo, diverso e com essa preocupação e esse olhar com um propósito maior. Esse é o grande desafio.

Você trabalhou nos Estados Unidos, no Hughes Hubbard & Reed LLP. O que você trouxe de lá para aplicar aqui?

Na parte de gestão, aprendi muito com eles e com os escritórios de uma forma geral, importando muito das práticas. Eles estão mais avançados nessa visão de diversidade e inclusão. O direito brasileiro é diferente da prática do direito americano, mas dependendo da área é muito parecida. Em operações, acaba sendo bastante parecido a forma de atuação e o mercado esteve muito aquecido, mesmo durante a pandemia.

É um mercado muito maior, então tem uma organização, uma especialização. Você vê toda a parte inovação e tecnologia mais avançados. Você vê, por exemplo, os softwares de automação e de inovação que eles já usam. Alguns escritórios americanos têm incubadoras dentro da própria firma. Nessa parte toda de tecnologia e inovação há um avanço.

Essa questão de estruturação de célula de novos negócios, marketing, é como se fosse uma grande empresa. É uma escola porque são escritórios maiores de porte, em termos não só de tamanho de pessoas, mas faturamento, tudo. O Brasil já é um mercado bem avançado, temos grandes escritórios aqui. Mas se você comparar, eles estão um pouco à frente. A gente sempre aprende sobre tecnologia, inovação, marketing, essa parte de desenvolvimento de novos negócios.

Você está há mais de 15 anos na área de direito societário, fusões e aquisições, joint ventures e projetos de infraestrutura. Como você vê o mercado de infraestrutura no Brasil para esse ano?

O mercado de infraestrutura está aquecido, mas de forma cautelosa também porque é ano eleitoral. As áreas de energia, saneamento, ferrovias e aeroportos - que tem a questão das concessões - também devem estar aquecidos. A gente não sabe se vai sair, mas tem a privatização da Eletrobrás. Tem coisas acontecendo, mas talvez não no ritmo frenético. A parte de energia renovável também está muito ativa. 


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Você coordenou reestruturações societárias de ativos no Brasil de empresas multinacionais em relação à Lei de Falências americana e estruturação de projetos. Como foram esses últimos anos na sua área e qual a expectativa para 2022?

Até achamos que 2021 fosse ter uma parte de recuperação judicial bem aquecida, mas não veio. Conversando com o nosso time interno e espera-se essa movimentação agora em 2022. 

Como você analisa o mercado de fusões e aquisições daqui para frente?

Há um movimento no setor da saúde e na área de educação teve muita consolidação, mas ainda espera-se um mercado aquecido. Tecnologia também. E aí no braço de tecnologia, surge de edtech, healthtech, insurtech, que são esses mercados especializados dentro de diferentes setores. Energia, de uma forma geral, também. O setor tem toda essa parte de meios de pagamento, fintechs, que tem muita coisa acontecendo com os novos players do mercado financeiro. É uma parte muito aquecida de venture capital e startup.

Na América Latina, nesse momento de crise, houve uma explosão de startups. Somos hoje uma região importante nesse setor? 

Não tenha dúvida. Tem essa ligação muito forte da América Latina e Vale do Silício. Vemos um mercado bem avançado. O volume de operações de venture capital e startup é significativo no Brasil e cada vez mais aquecido. Já temos esse ano muitas rodadas de investimento, estruturação de investimento, empresas num estágio mais avançado e até já buscando IPO, uma saída mais efetiva. Você vê isso concretamente. Então, acredito que essa toada toda vai continuar. 


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O Brasil está barato para investimento estrangeiro, mas tem uma série de dificuldades. Quais são os potenciais para os próximos anos? Como os investidores e as empresas devem se disponibilizar para receber aporte estrangeiro? 

Tem todo o custo no Brasil e a burocracia, mas também já conseguimos alguma evolução para fazer isso de forma mais acelerada com instrumentos contratuais. Mas tem principalmente essa questão do câmbio barato, se você olhar o Brasil comparado a outras moedas fortes. Então, você vê que mesmo com os desafios todos que temos nesse momento eleitoral, essa instabilidade, pandemia que não é só no Brasil, o fato da moeda estar desvalorizada, mesmo assim, tem muita oportunidade. Muitos desses fundos de investimento estrangeiros estão de olho nessas oportunidades e um mercado consumidor grande aqui também. É um mercado que interessa e é bem acompanhado.

Como a Paula Surerus, como profissional, contribui para o mercado jurídico brasileiro e latino americano?

Eu passei por algumas posições de liderança. O fato de eu ser mulher acho que abre portas. Recebi, com essa nomeação, algumas mensagens positivas. Se eu puder unir esses esforços para melhorar essa parte toda de diversidade e inclusão, se eu tiver esse olhar atento e montar essa rede, de certa forma, no mercado nacional, acho que poderia ser um gancho para ampliarmos essa frente, que é muito desejada pelos todos os escritórios.

Temos outros movimentos, não só de gênero, como o Incluir Direito. Quando você une os esforços os diferentes escritórios ajudam. Sou uma pessoa super low profile. Espero, de certa forma, servir como inspiração, ajudar no processo para outras profissionais e abrir espaço. O mercado pede diversidade com um olhar maior, para outros de grupos de afinidade que não só de gênero.

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