Pedidos sobre o fim do Carf soam até como desconhecimento

Segundo especialista, tribunal é importante para a produção de Direito Tributário de qualidade no país.
Fecha de publicación: 31/03/2020
Etiquetas: Carf

Cabe ao gaúcho Wesley Rocha representar 63 tributaristas que julgam alguns dos casos tributários mais relevantes do país. Presidente da Associação dos Conselheiros dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), o conselheiro da 2ª Seção do tribunal administrativo está há quase três anos no cargo, e há seis meses como o porta-voz dos conselheiros dos contribuintes, um grupo de 80 julgadores que representam áreas como indústria, comércio e entidades trabalhistas no órgão.

Nesta entrevista, Wesley discorda da crítica recorrente de que, após a operação Zelotes, deflagrada em 2015, o nível técnico dos conselheiros que representam o setor privado caiu. O tributarista, que também exerceu carreira na advocacia antes de assumir o posto de conselheiro, analisa como o tribunal se reorganizou desde então, e como seu funcionamento é importante para a produção de direito tributário de qualidade no país.

Wesley Rocha

Como o Carf está hoje, cinco anos após a Zelotes ? 

Compreendo que o Carf vem buscando melhorias dos resultados e efetividade dos objetivos a que se propõe. A evolução é vista nos indicativos de produção divulgados pelo órgão, o que demonstra que a gestão estratégica da atual administração está no caminho certo, na missão de devolver à sociedade a excelência no julgamento de litígios administrativos. 

Os conselheiros dos contribuintes vêm construindo um canal de comunicação com o Carf de maneira muito positiva, inclusive mudando a forma de reivindicar direitos e melhorias de trabalho. Antes da Zelotes, a união dos conselheiros dos contribuintes em busca de um objetivo institucional era menor, já que não havia exclusividade de atuação. 

Porém, após a restrição de não pode advogar, os conselheiros entenderam que é preciso fortalecer seus pleitos e demandas institucionais. Então, houve um movimento entre os primeiros conselheiros nomeados após a operação Zelotes, surgindo a partir daí, no fim de 2016, a Aconcarf. 

Como ecoa a crítica de que, após a Zelotes, o nível técnico dos conselheiros dos contribuintes caiu?

Eu vejo de duas formas: os conselheiros que atuavam no Carf, antes da Zelotes, acreditam que estavam em uma composição de colegiado melhor, inclusive com teses já estabelecidas; e há aqueles que passaram a integrar o órgão após aquele período, que entendem que agregaram mais técnica a essa composição. 

Independente se há ou não uma mudança neste perfil, o fato é que os conselheiros que compõem o quadro atual têm inquestionável qualidade técnica e acadêmica, com comprovada experiência prática e não somente acadêmica como alguns pregam. Tanto é que o conhecimento técnico e experiência profissional integram os requisitos para avaliação e aprovação das listas tríplices, que são analisadas em uma seleção do órgão para posterior escolha pelo Ministério da Economia. 

Os atuais conselheiros se deparam com casos extremamente complexos e a qualidade do conteúdo decisório é reconhecida pelo poder Judiciário, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunais Regionais Federais (TRF), inclusive com constantes citações como fonte de referência. 

Algumas críticas expressam certas distorções por uma parcela da sociedade, que por vezes desconhece a estrutura do órgão. Claro, sempre há situações que podem ser melhoradas, como em qualquer outro cargo, sempre é necessário constante aperfeiçoamento. Mas, algumas vezes, o que há são críticas injustas e sem fundamento. 

E que batalhas os conselheiros dos contribuintes têm escolhido travar?

No nosso entender, Existem normas que devem ser revistas, mas que não dependem somente do tribunal em específico, e sim da sensibilidade do Ministério da Economia e do Congresso. Exemplo disso é a falta da licença gestante remunerada, uma vez que, no momento mais importante da vida de uma mulher ela fica sem o amparo devido pelo pelo órgão que a remunera. 

Hoje, conselheiras representante dos contribuintes não possuem esse direito que, em nosso entender, deve ser visto como prioritário pela sociedade, mas que pouco se debate. Diversos tratados internacionais do direito da mulher foram assinados pelo Brasil, a nossa Constituição Federal não permite essa situação e, ainda assim, é admitida na administração pública federal, inclusive com interpretações de como se fosse mero direito. Estamos discutindo esta questão junto ao Ministério da Economia e também no Congresso Nacional. 

A nossa luta é tentar demonstrar o quão é importante que a paridade [entre conselheiros contribuintes e fazendários] seja em todos os sentidos. Sobre a equiparação da remuneração, o Ministério da Economia deve avaliar os impactos orçamentários e estava prevista a realização de uma nova reunião, no fim de março. Mas, em tempos de coronavírus, este não é o momento de dar continuidade ao assunto. 

Que ameaças o Carf sofre hoje?

Entendo que o Carf se consolidou como um tribunal técnico. Ataques feitos à instituição como os pedidos de extinção do tribunal, 'o Carf deve ser revisto' ou o 'Carf não produz o que deveria' soam até como um desconhecimento sobre tudo que é feito e produzido por ele. Claro que devemos respeitar os mais diversos posicionamentos, sejam individuais ou de instituições, mas não colabora em nada esse tipo de ataque, nem para as finalidades do órgão e nem para o estado democrático de direito em que vivemos. 

De qualquer forma, este tipo de alegação não produz o efeito esperado. Ao contrário, cada vez mais buscamos contribuir para o fortalecimento e constante evolução do tribunal. A Presidente Adriana tem feito um excelente e transparente trabalho à frente do Carf, e este é o caminho mais importante a ser seguido. 

Pelo lado dos contribuintes, qual a importância de uma instância como esta?

Sabe-se que internacionalmente, as cortes tributárias são instituições de alta relevância, e o Carf é uma delas. Emite decisões técnicas e muito bem fundamentadas sobre os temas fiscais federais há décadas. No Carf, o contribuinte exerce o direito da ampla defesa e do contraditório, tem direito a sustentação oral, e há produção de debates valorosos sobre o direito tributário. Por isto os conselheiros dos contribuintes são fundamentais para a colaboração e solução das controvérsias, pois trazem visões amplas e aprofundadas que enriquecem o colegiado nas decisões tomadas pelas turmas. 

Quem diz que não há necessidade da instância como o Carf muitas vezes peca pela simplicidade de análise e limitação do conhecimento técnico. Entendo que a visão tem que ser ampla, e que a paridade do órgão funciona muito mais a legitimar as decisões e exercer a democracia plena da nossa constituição. É um órgão que ao longo dos anos se fortaleceu e se fortalece cada vez mais colaborando com a solução de assuntos fiscais no país. 

O Senado aprovou o fim do voto de qualidade no Carf. Agora, cabe à presidência promulgar ou vetar a questão. A associação comemora esta aprovação? Que mudanças isto pode gerar no julgamento?

A associação entende, que não cabe, nesse momento, pronunciar favorável ou contra, ressalvando novas posições. Esse tema é complexo e existem divisões entre os próprios conselheiros. Muitos deles são favoráveis, e muitos advogados são contra.  

Porém, é preciso defender insinuações como a de que, com esta mudança, “poderia haver uma facilitação para julgar favoravelmente ao contribuinte”. Há críticas de que, com esta decisão, os conselheiros dos contribuintes ou irão diminuir a qualidade dos votos, ou irão combinar votos.

Isso não existe pelo simples fato de estarmos obrigados a julgar de forma a aplicar a lei. O regimento interno não permite mera interpretação destituída de fundamento. Igualmente não há espaço para análise de inconstitucionalidade. 

Os julgamentos são objetivos no controle da legalidade do ato administrativo. Por todos os lados que se analise, estas insinuações não têm razoabilidade, já que o Conselheiro que assim agir incorre em penalidade no código de ética do Carf, isto sem falar em penalidades na esfera administrativa, penal e cível. O próprio Carf tem rigorosa atuação para identificar e impedir qualquer tipo de combinação de resultados. Tal prática é repugnada pelos próprios conselheiros.

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