Relação entre público e privado mediada por arbitragem pode viabilizar concessões

Crédito Pixabay
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Márcio Araújo Lage, do Mota Kalume, decreto dá segurança jurídica a empreendedores e investidores
Fecha de publicación: 25/09/2019
Etiquetas: Decreto 10.025

A adoção da arbitragem como método para sanar controvérsias entre o setor público e o privado em contratos de infraestrutura, publicado na segunda-feira, tem o potencial de viabilizar concessões ao criar uma expectativa mais justa sobre as soluções do problema, avalia Marcio Araújo Lage, em entrevista ao LexLatin.

Sócio do escritório Mota Kalume Advogados, Lage é formado pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ, e diplomata de carreira, formado no Instituto Rio-Branco. Foi embaixador do Brasil na Namíbia e Botsuana.

Como avalia o decreto de arbitragem em concessões?

Positivo por buscar construir um ambiente de interação entre os agentes públicos e privados de forma a viabilizar concessões, ressalvando direitos patrimoniais, definindo assim riscos e estabilidade das operações. Por exemplo, ao prever o prazo máximo para proferimento de sentença arbitral, a adoção do procedimento arbitral no setor da infraestrutura é capaz de criar justa expectativa na obtenção de solução para controvérsias, criando segurança jurídica a empreendedores e investidores.

Que impactos estima para o setor de infraestrutura?

A regulamentação do procedimento arbitral, dá condições à contratante de mensurar a incerteza, calibrar expectativas de retorno e averiguar garantias necessárias para mitigar riscos relacionados com as garantias contratadas.

Em específico, mostra-se extremamente positiva a regra que prevê a preferência na adoção da arbitragem na hipótese em que a divergência está centrada em aspectos técnicos, o que ocorre muito entre setores técnicos do ente público e da empresa em contratos de infraestrutura. 

O árbitro não necessariamente deve possuir formação em ciência jurídicas, podendo ter formação em outras áreas afins ao serviço executado no contrato administrativo, o que favorece na obtenção de uma solução técnica para o conflito.

Ainda, em processos judiciais, apesar de possível, dificilmente há tratativas e acordo entre as partes na escolha de perito para opinar sobre a questão técnica e, normalmente, o magistrado indica um profissional registrado no respectivo Tribunal com determinada formação acadêmica, o que não garante que esse possui os conhecimentos necessários à resolução do conflito, que, no caso de contratos de infraestrutura, normalmente envolvem temas complexos. Na arbitragem há mais espaço para consenso entre as Partes na hora de nomear o perito.

Como vê a possibilidade de a arbitragem definir valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diante da ocorrência de irregularidades em aditivos firmados pela administração pública em obras de infraestrutura?

A arbitragem, em princípio, buscará viabilizar a decisão das Partes que se comprometeram a submeter os litígios que viessem a surgir com relação ao contrato. É possível que a arbitragem possa definir valores, mesmo diante da ocorrência de irregularidade em aditivos, já que caberá ao arbitro ou árbitros, que tenha ou tenham a confiança das partes e com conhecimento compatível com a natureza do litígio, agir para dirimir questões dessa natureza.

O Decreto prevê a obediência ao princípio da legalidade e das normas brasileiras, sendo certo que é obrigação da Administração velar pela higidez da equação econômico-financeira do contrato administrativo e pagar todo serviço efetivamente prestado, ainda que irregular o pacto, de modo que questões relacionadas a esses temas podem ser resolvidas em simultaneamente no juízo arbitral.

Como vê a possibilidade de arbitragem para tratar do inadimplemento de obrigações contratuais? Acredita que o governo conseguiria agilizar a entrega de concessões ou a retomada de obras paradas dessa maneira? 

O Decreto pode auxiliar, pois nos casos em que há prejuízo à prestação adequada do serviço ou à operação da infraestrutura ou inibir investimentos considerados prioritários, a adoção da arbitragem, que possui um prazo máximo definido, é preferencial. 

O decreto também permite arbitragem em caso de inadimplemento da União. O sr. acredita que isso possa ser resolvido via arbitral? Se o caso é de arbitragem, portanto mais ágil e sem possibilidade de recurso, como tornar mais rápido o pagamento do governo em caso de derrota arbitral? 

Assim como em um processo judicial, as condenações da Administração deverão ser pagas através de precatório, entretanto, o Decreto prevê expressamente a possibilidades das partes transigirem, por exemplo, com substituição da indenização pela repactuação ou o reajustamento do contrato, implicando em aumento do seu valor global, compensações, etc. 

Como vê a possibilidade de um processo arbitral sigiloso determinar o valor de indenização de concessionários em caso de relicitação?

A indenização ao concessionário retirante em caso de relicitação pode ser tratada em procedimento arbitral e que essa será paga pelo vencedor da nova licitação, de modo que é essencial a publicidade. No momento não vislumbro problemas com o tema, visto que, ao contrário do previsto no Código de Processo Civil, o Decreto n. 10.025/2019 prevê que o processo arbitral será público, restringindo-se o sigilo a informações relacionadas a segredos industriais ou comerciais, as quais não são iminentemente de interesse de terceiros.

O sr avalia que casos atualmente em discussão no Judiciário possam migrar para a arbitragem após o decreto? 

O Decreto prevê essa possibilidade, entretanto, a migração depende muito da AGU, visto que foi legado a seus membros a emissão de parecer favorável ou não à medida, em que deverá se avaliar a possibilidade de decisão favorável à Administração Pública e perspectiva de tempo para finalização do processo. A obtenção de tais respostas pode se mostrar difícil.

O Judiciário está pronto para manter decisões arbitrais sem reavaliar o mérito do caso?

A Lei da Arbitragem prevê que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. De forma geral, vemos que o Poder Judiciário tem respeitado a arbitragem como um instrumento extrajudicial de solução de conflitos, um tema que tem sido bastante debatido pelo Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da criação da Lei da Arbitragem em 1996, e suas decisões têm trilhado esse caminho.

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