“As relações vão se transformar e isso vai refletir no exercício da advocacia”

O advogado também atua há mais de 30 anos no escritório Machado Meyer
O advogado também atua há mais de 30 anos no escritório Machado Meyer
Carlos José Santos da Silva, o Cajé, presidente do Cesa, fala da paixão pelo tema da diversidade e da mudança no modelo de negócios das firmas brasileiras.
Fecha de publicación: 03/09/2020

Cajé, como é conhecido por todos, é o presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, o Cesa, entidade que congrega mais de mil firmas entre as maiores do país. A entidade defende questões jurídicas relacionadas ao exercício da advocacia.

O advogado também atua há mais de 30 anos no escritório Machado Meyer e é especialista em auditoria jurídica (due diligence) e em projetos de desestatização, compra, venda, fusões e incorporações de empresas (M&A).

Em entrevista a LexLatin, ele fala da paixão pelo tema da diversidade e do projeto de inclusão de advogados negros nos grandes escritórios. Cajé também analisa a mudança no modelo de negócio das firmas brasileiras.

Você está à frente de uma das mais importantes entidades do setor jurídico no país. Como vocês têm melhorado o ambiente legal brasileiro?

Cajé: O Cesa nasceu há 36 anos. Naquela ocasião, sócios das grandes sociedades aqui de São Paulo se encontravam em festas e coquetéis e acabavam se reunindo para conversar sobre os problemas da advocacia.

Até que um dia, em um desses encontros, propuseram uma reunião para debater as sociedades de advogados. A primeira reunião, feita dentro da OAB, tinha 12 sociedades. A conversa foi tão produtiva que eles decidiram fazer uma segunda, que já teve a presença de 35 sociedades. Foi assim que eles perceberam a necessidade de se organizar.

Assim nasceu a ideia de criar o Cesa para debater grandes temas, como a discussão sobre o ISS, por exemplo, discutida no STF em 2001. Quem fez a sustentação  oral pela advocacia foi o Cesa. Tivemos também outras grandes discussões como PIS/Cofins.  

A formação de todos os provimentos que regulamentam a sociedade dos advogados do Brasil sempre teve a participação ativa do Cesa e a OAB sempre nos reconheceu como um parceiro que está lado a lado.

Uma bandeira importante do Cesa é a Inclusão de afrodescendentes no mercado legal.  Porque temos poucos advogados negros nos grandes escritórios e o que é possível fazer?

 

Cajé: Esse é um problema histórico e é algo que precisa ser feito. Hoje 54% da população é autodeclarada negra, mas nas universidades temos 14% apenas de negros. O jovem negro hoje está concentrado nas classes C e D e nem sempre tem a oportunidade de estudar em boas escolas. Aí faltam oportunidades e espaço no mercado.

 

Ainda não temos levantamento sobre a quantidade de advogados negros, só agora vamos começar a fazer. Precisamos mudar essa realidade. Um dos nossos projetos é o Incluir Direito, que existe há 4 anos.

 

Em 2016 um colega me perguntou quantos advogados negros tinha na minha sociedade. Eu parei e falei: vários, não sei ao certo. Ele me perguntou: quantos sócios negros você tem?

 

Até então não tinha aquela visão do problema racial. Se você me perguntasse: Cajé você é racista ou seu escritório tem alguma coisa contra negro? Eu iria negar e brigar se fizesse uma pergunta dessa. Mas quando você desperta para o problema a questão é muito mais complicada. Na época não tinha nenhum sócio. Advogado acho que tinha um ou dois.

 

Cajé

Esse advogado disse que lá no escritório dele era a mesma coisa. Levamos  esse tema para dentro do Cesa. Foi aí que comprei a briga. A pergunta que ele havia feito para mim fiz para os diretores e conselheiros do Cesa. E o resultado não foi muito diferente disso. A partir daquele dia levamos esse tema para dentro dos escritórios para entender o problema e fazer alguma coisa.

 

A primeira transformação foi no Comitê de Diversidade e Responsabilidade Social. Começamos a estudar a questão e nos aproximar das universidades para saber o número de estudantes negros das faculdades.

 

É um grande desafio para todos nós e uma grande paixão desse grupo. Todo mundo se envolveu. Fomos trabalhar com o RH dos nossos escritórios para entender onde estava o problema, qual o número de  negros que chegava para o nosso processo seletivo e descobrimos que era muito baixo. A primeira coisa é preparar estes jovens que estão nas universidades, nós precisamos aproximá-los das sociedades de advogados.


Você acha que estudantes de direito e advogados negros e negras se sentem incluídos num meio que até hoje é majoritariamente branco?

Cajé: Constatamos que temos menos de 1% de negros nas nossas sociedades de advogados. A partir daí, no Incluir Direito, que é educacional e de inserção no mercado, resolvemos preparar esses jovens para esses processos seletivos. Queremos que jovens negros cheguem nas seleções com a sua autoestima reconhecida, na busca por uma vaga, porque podem e são merecedores.

Começamos a fazer um projeto em parceria com o Mackenzie. Eles ajudaram a estruturar toda a parte pedagógica, como seria feita a grade de aula, a carga horária para os alunos, o que seria necessário levar para o debate. Num primeiro momento separamos dez alunos no projeto piloto. Aos sábados eles tinham aulas, uma grande super extensa, desde questões raciais até como empoderá-los.

Temos mais advogados negros nos escritórios hoje? 

Cajé: Está mais alto, estamos conseguindo trazê-los para dentro das sociedades, mas ainda é o início. Mais importante do que falar em número é ter a consciência que existe um problema e que algo precisa ser feito, que algo esta sendo feito. Nessa preparação já passaram 60 alunos e todos estão empregados dentro das sociedades de advogados.

 

Você acha que existe uma segregação no meio jurídico em relação à questão racial?

Cajé: O viés inconsciente é um dos temas que nós levamos para discussão dentro dos nossos escritórios. A partir disso, você passa a ter um outro olhar e se preocupar. Hoje quando eu entro em um restaurante, num teatro, vou dar uma aula, uma palestra, eu observo quantos negros eu tenho na plateia. Você começa a ter um outro olhar e ali percebe uma enorme barreira que existe e o quanto precisa ser feito.

Muitos escritórios fazem políticas de diversidade baseadas em marketing. Fala-se disso, existe uma comissão para dizer que tem, mas nem sempre trabalham realmente essa questão. Vemos isso quando olhamos o board, a direção, que tem, em sua grande maioria, homens brancos heterossexuais.  Como você vê essa questão?

Cajé: Existe uma pressão do mercado muito forte nos últimos anos. É um tema tão apaixonante que as pessoas se transformam. O marketing não se sustenta e pode virar contra o escritório amanhã. Isso acaba sendo um tiro um no pé para as pessoas que pensam assim.

Num ambiente diverso a fidelidade que você tem dos seus colaboradores é muito maior.

Como advogados, trabalhamos com soluções. Se pensarmos igual, na mesma caixinha, as soluções serão as mesmas. Com a diversidade começam a surgir soluções diferentes e atraímos os melhores talentos.

Como você vê hoje a base do modelo do negócio jurídico, que ainda é aquele lá do século XIX? Ele está ultrapassado? Em quais aspectos ele precisa evoluir?

Cajé: Nem tudo que é velho e antiquado e não funciona. Para você construir o futuro precisa conhecer o seu passado. Há um ano havia uma forte resistência ao home office, mas hoje não há mais.

O modelo do negócio pode ser que tenha uma mudança. Estamos no meio de um turbilhão. É preciso muito cuidado para qualquer decisão que você possa tomar nesse momento. Amanhã teremos o novo normal, mas quais serão os limites desse novo normal nós não sabemos. Será que o novo normal vai ser o velho normal também? Nada melhor do que estar todo mundo junto e misturado. A sensação que nós temos hoje é que as relações vão se transformar e isso vai refletir no exercício da advocacia, nas formas societárias.

Antes tinha que sair de manhã cedo, ir até o aeroporto, pegar um voo direto para Brasília, chegava lá na hora do almoço, almoçava, encontrava com o meu cliente, fazia a reunião à tarde e só conseguia voltar no dia seguinte de manhã para o escritório em São Paulo.

Hoje temos as reuniões online. Elas funcionam, nós temos pontualidade, começo, meio e fim e há a questão do custo. O cliente não tem que pagar meu transporte até Guarulhos, minha passagem aérea até Fortaleza, meu taxi do aeroporto até onde eu tenho que ir, meu almoço, minha hospedagem. Vai poder resolver tudo isso online em uma ou duas horas.

Logicamente o encontro presencial é fundamental, a gente precisa falar e conversar olho no olho. Isso vai existir? Vai, mas bem menos. Há ainda a realidade  das audiências virtuais, elas vão acontecer, principalmente aquela primeira audiência de conciliação. Essas transformações pode ser que alterem as relações da forma como está estruturada a sociedade de advogados hoje. 

O que mudou nas sociedades de advogados desde que você assumiu o Cesa?

Cajé

Cajé: A diversidade veio pra ficar e novas tecnologias também. Hoje posso fazer a análise de um contrato por meio de robôs, num processo  de due dilligence, por exemplo. Temos também a preocupação de atrair e manter talentos no escritório e a visão do bem estar das pessoas que trabalham com você.

Há alguns anos se você falasse sobre paternidade responsável dentro de uma sociedade de advogados, por exemplo, as pessoas iam perguntar o que era.  Hoje incentivamos essa discussão, porque sabemos que isso reflete diretamente no bem estar do advogado.

Como a advocacia está se relacionando com as mudanças políticas que aconteceram nos últimos anos e em especial com o governo vigente?

Cajé: Temos que participar do processo legislativo, precisamos construir marcos legais, que geram desenvolvimento e oportunidades. Advogado ganha dinheiro numa economia ativa, que traga segurança para o investidor. Independentemente da posição de quem está no governo ou não, nós estamos sempre abertos ao diálogo para construir. Criticamos alguns momentos, como ataques diretos à democracia. Levantamos a voz e falamos no momento certo, não fazemos a crítica pela crítica, mas para construir e manter.

Também participamos de discussões de assuntos relevantes, como a reforma tributária, em que temos diálogo direto com os autores das propostas. Não sei como nós sobrevivemos até hoje com esse caos que nós temos aqui, essa insegurança jurídica por causa dessa babilônia tributária no país, isso é sinal de atraso. 

O que o Cajé agrega ao mercado legal brasileiro?

Cajé: Eu acho que é união. A vida é um eterno aprendizado e a união facilita o caminho. Falo do Machado Meyer e dos meus principais concorrentes com muito orgulho de todos. São pessoas importantes para o mercado. Então união é palavra do Cajé.

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