Taís Gasparian: "Se um veículo for condenado a remover conteúdo, todos os outros deveriam publicar"

"O Poder Judiciário de diversos países deve prestar muita atenção com relação à liberdade de expressão, porque é um dos fatores mais importantes de visibilidade da administração pública e da democracia"/Arquivo pessoal
"O Poder Judiciário de diversos países deve prestar muita atenção com relação à liberdade de expressão, porque é um dos fatores mais importantes de visibilidade da administração pública e da democracia"/Arquivo pessoal
Advogada da Folha de S. Paulo e do UOL alerta: "Não tenho dúvida de que o discurso do presidente incentiva ataques".
Fecha de publicación: 19/07/2022

Conhecida no mercado jurídico por defender veículos de comunicação e jornalistas, a advogada Taís Gasparian é especialista em Direito Civil relacionado à mídia, à publicidade e à internet. É também diretora e uma das fundadoras do Instituto Tornavoz, associação que se propõe a garantir defesa jurídica especializada àqueles que sofrem processos em que há ameaça à liberdade de expressão e de informação. A entidade quer discutir e  valorizar esses direitos, por meio da participação em processos estratégicos e de ações de conscientização num momento em que virou rotina ataques a jornalistas e meios de comunicação no Brasil.

O instituto avalia que o ambiente criado por redes sociais, blogs e locais de difusão pública de ideias têm gerado polêmicas e conflitos quanto ao exercício do direito à liberdade de expressão. Isso tem ocorrido não só nos grandes centros, mas também é algo que está atingindo a autonomia principalmente de pequenos veículos no interior do país.


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No mercado jurídico, a advogada, sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados, é conhecida por defender dois dos maiores grupos de comunicação brasileiros: a Folha de S. Paulo e o Grupo UOL. 

Ela também se notabilizou pela defesa de Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de S. Paulo, que processou o presidente Jair Bolsonaro (e ganhou) por ter sofrido ofensas machistas e misóginas no exercício de sua profissão.

Veja a seguir o bate-papo com a advogada que analisa o quanto a liberdade de expressão e o trabalho dos jornalistas profissionais está ameaçado no Brasil.

O Instituto Tornavoz tem um trabalho voltado para pequenos e médios veículos de comunicação. Qual é a importância de oferecer assessoria jurídica, principalmente aos jornalistas do interior do Brasil, e qual é o contexto da limitação da liberdade de imprensa nesses locais mais distantes?

Equipe do Tornavoz: Monica Galvão, Taís Gasparian, Charlene Nagae, Clarissa Gross e Laura Tkacz

Taís Gasparian: O Instituto foi criado para defender a liberdade de expressão mediante o financiamento de defesas judiciais. Nós pagamos pelas defesas judiciais de todos aqueles que forem processados em razão de terem externado o seu pensamento, a sua opinião ou a informação. O Tornavoz presta assessoria e traça estratégias junto com o advogado do processado, veículo ou jornalista. Nós entendemos que uma boa defesa judicial é importante para fortalecer a liberdade de expressão. Hoje em dia, uma das formas de ataque à liberdade de expressão é por meio do judiciário. Essas pessoas processam aqueles que noticiam informações sobre elas, processam quem emite opiniões. Essa é uma das táticas para silenciar veículos e jornalistas. Nós entendemos que o Instituto, ao fazer a defesa dessas pessoas, que muitas vezes não têm condições, está ajudando na defesa da liberdade de expressão.

Por que essa tentativa de silenciamento é mais comum no interior do país?

Em regiões mais distantes, os jornalistas e veículos sofrem mais, porque muito embora sejam mídia digital eles muitas vezes noticiam informações locais, políticas, econômicas, sobre a cidade, o estado, o município, sobre aquela localidade. Nessas regiões, esses veículos estão sujeitos a todo tipo de pressão. São mais vulneráveis, porque o juiz é amigo do delegado, o delegado amigo do padre, o padre do vereador... todos são amigos porque são pequenas localidades. Não é como São Paulo que você tem 20 milhões de habitantes.

Então isso compromete a isenção na hora de analisar um caso na justiça?

Essas regiões são pequenas, muitas das notícias são contra os políticos, prefeitos, vereadores, sobre o orçamento do município. Nesses casos, os jornalistas e veículos estão muito mais sujeitos a serem processados, a sofrerem uma espécie de assédio judicial, que são os processos que têm por objetivo constranger e inibir.

Falando um pouco sobre a limitação de liberdade de expressão, quanto o discurso governamental atual tem ajudado a tornar a liberdade de imprensa e o trabalho do jornalista mais arriscados?. Há um encorajamento a uma espécie de linchamento público da figura do jornalista?

Não tenho dúvida de que o discurso do presidente da República contra grandes veículos de comunicação ou pequenos veículos ou contra jornalistas realmente incentiva ataques e agressões. Há diversos índices que medem a liberdade de expressão nos países. O Brasil, em todos eles, sofreu um rebaixamento no que diz respeito à liberdade de expressão. Há um reconhecimento do mundo todo, praticamente, de que o Brasil tem hoje em dia a liberdade de expressão mais ameaçada. Os veículos são ameaçados, os comunicadores são ameaçados. Os veículos estão sendo muito mais processados e atacados especialmente desde 2018.


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Você defendeu a Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de S. Paulo, no processo contra o presidente Jair Bolsonaro. É um caso típico de misoginia contra uma jornalista mulher?

A Patrícia foi ofendida e agredida pelo presidente da República, na fala de baixíssimo nível, na forma que ele tratou a própria Patrícia no exercício da função profissional dela. Foi um discurso proferido não só na saída do Palácio da Alvorada: ele postou no Facebook, além de uma passagem do vídeo todo e depois um trecho. Ele diminuiu a Patrícia Campos Mello perante toda a população, porque o presidente da República é um líder do governo, ele tem muitos seguidores, não só simpatizantes, mas todo o tipo de pessoas que querem se manter informados. Essas redes sociais se tornaram veículos de comunicação do governo. O presidente da República demite ministro pelo Twitter, contrata, dita política econômica... enfim. Então é como se você assinasse no Diário Oficial quase. Ao postar esses vídeos, ele rebaixa e desacredita a Patrícia Campos Mello com uma fala que é machista e misógina contra ela. Isso ofendeu a Patrícia e muito. É um ataque que, de certa forma, já foi muito comum, que é você desacreditar a mulher no campo profissional, dizendo que ela só pode se dar bem no trabalho se ela se vender sexualmente.

Quais as lições para o mundo jurídico sobre esse caso? A sua condução pode servir de precedente para o mercado jurídico brasileiro e latino-americano, principalmente sob o ponto de vista da defesa da liberdade de expressão?

Um advogado só consegue ter sucesso se o cliente ajuda. O cliente precisa ter informações, ter confiança e coragem. No caso da Patrícia, ela teve a coragem, quis processar o presidente da República. Não são todas as pessoas que têm essa coragem, ainda mais num caso de um presidente da República com muito apoio: até hoje ele tem 30% da população que votou nele. O ponto mais importante é ter o cliente alinhado com as suas possibilidades de atuação. O cliente também tem que ter as informações e uma boa apuração, ter bons documentos. O sucesso do advogado, na maior parte das vezes, depende do cliente, das informações que ele traz, da veracidade dos fatos. Claro que o advogado tem que trabalhar e fazer bem seu papel.

Você tem um histórico de defesa de veículos de comunicação, como a Folha de S. Paulo e o Grupo UOL. O que tem acontecido em termos de processos, ameaças e cerceamento do trabalho de jornalistas nesses últimos quatro, seis anos?

Taís Gasparian

Vemos um aumento muito grande de processos com pedidos de remoção de conteúdo. A Abraji faz um levantamento de remoção de conteúdo e de agressões contra jornalistas. Aumentaram os pedidos de remoção, principalmente em anos eleitorais.

Que tipo de remoção de conteúdo?

Remoção de conteúdo que fala mal de candidato, de político, que denuncia, que trata de atos de políticos ou de partidos políticos. E esses partidos políticos e os políticos entram com um processo contra o veículo, contra o jornalista, pedindo a remoção de conteúdo, que tire da rede.

E eles conseguem remover esses conteúdos?

Não acho que a maioria ganhe. Muitas vezes, nas primeiras instâncias, pode ganhar uma vez ou outra. Mas até então, quando sobe para os tribunais superiores, conseguimos reformar. Agora, a própria configuração do STF, por exemplo, está mudando. Bolsonaro já tem dois ministros em 11. Então vamos ver como é que vai mudar nos próximos anos, pode mudar o balanceamento das decisões e daí a jurisprudência. Mas até então não ganhava. Mesmo ministros que muitas vezes também moveram processos contra jornalistas deram muitas decisões favoráveis à liberdade de expressão.

E além da remoção de conteúdo que outros tipos de processo são comuns?

Tem muitos processos de indenização por ofensa à honra. Me parece que quando você faz críticas a um servidor público ou uma pessoa pública, tipo um político ou um ministro, ou a servidores públicos, Executivo, Judiciário e Legislativo, essas pessoas não poderiam mover ações por serem criticadas. Estas pessoas deveriam suportar as críticas, porque elas são pagas com o dinheiro dos impostos e devem satisfação para a sociedade. Então, elas têm que aceitar as críticas e têm que, se quiserem, dar uma resposta a essas críticas. Mas a resposta não é mover uma ação de indenização por ofensa à honra. 

Então você está dizendo que seria necessário criar um mecanismo de defesa dos jornalistas nesses casos?

Acho que deveria ser uma linha jurisprudencial, no sentido de julgar essas ações improcedentes para que percebessem que não podem processar jornalistas, porque isso é uma forma de silenciamento. Se você condena um jornalista ao pagamento de uma indenização de dez mil reais, vinte mil reais, trezentos mil reais é um valor alto. Os jornalistas não são homens de negócios, são pessoas assalariadas que têm família.

Qual a importância, nesse momento, de criar mecanismos e uma rede de proteção da liberdade de expressão no Brasil? Qual a importância dos advogados e do Judiciário nesse processo?

Existem diversas redes de proteção, de liberdade de expressão, de Ongs, enfim, empresas que têm isso como um valor e que pretendem defender. Essa proteção não é exatamente de advogados, porque eles podem ser contratados para defender os interesses de outras pessoas e contra veículos também. E podem ser coisas legítimas. Não é que tudo, qualquer coisa que se faz contra veículo não tem legitimidade. Pode ter interesses legítimos também. Me parece que essa rede de proteção deveria ser feita entre os próprios veículos, entre os próprios jornalistas.

Se um veículo for condenado a remover o conteúdo, todos os outros veículos deveriam publicar para proteger a informação, porque o que se protege, na verdade, não é um veículo e um jornalista. O que se protege é a informação, esse é o fator que é importante que chegue ao público. Se uma empresa jornalística é proibida de falar do assunto, todos os outros veículos e jornalistas deveriam dar.

Você acha que, na atual conjuntura, foram abertos alguns precedentes para limitar a liberdade de expressão no mundo? 

Taís Gasparian

É uma das profissões que eu reputo como de extrema importância atualmente no mundo, ainda mais com essa crise de confiança nas informações, das notícias falsas. O jornalismo e os comunicadores têm uma função extremamente importante. É necessário ter coragem e fazer boas apurações. É um trabalho que precisa ser levado muito a sério.

Qual o futuro da liberdade de expressão no Brasil e na América Latina?

A importância da liberdade de expressão só deveria crescer. O Poder Judiciário de diversos países deve prestar muita atenção com relação à liberdade de expressão, porque é um dos fatores mais importantes de visibilidade da administração pública e da democracia. Essa liberdade deve ser valorizada e respeitada.

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