Tendência é que arbitragem seja cada vez mais usada em setores regulados

Renato Poltronieri - Crédito Divulgação
Renato Poltronieri - Crédito Divulgação
Renatro Poltronieri, do NHMF Advogados, analisa decreto
Fecha de publicación: 30/09/2019
Etiquetas: Decreto 10.025

A publicação do decreto 10.025, permitindo a análise de problemas de contratos de concessão de infraestrutura por via arbitral, deve levar a um aumento do uso do método para solução de controvérsias por empresas de setores regulados pelo governo, na avaliação do advogado Renato Poltronieri, em entrevista ao LexLatin.

Sócio da área regulatória do NHMF Advogados, Poltronieri graduou-se em direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), obteve título de mestre em direito constitucional econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de doutor em filosofia do direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 

Como avalia o decreto de arbitragem em concessões?

Avalio como um importante avanço no segmento, oferecendo uma alternativa objetiva de solução de controvérsia técnica, no menor tempo possível, e que pode indicar uma maior sensação de segurança jurídica aos envolvidos.
 
A previsão de arbitragem nos conflitos entre concessionários e o poder concedente nos setores abrangidos pelo Decreto nº 10.025/2019 (portuário, transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário) funciona como um incentivo/estímulo aos investidores, uma vez que os serviços públicos prestados em regime de concessão envolvem questões técnicas com alto grau de complexidade que, a rigor, não é matéria para o judiciário.
 
Embora esse tema não seja novidade, pois já existente a previsão legal de arbitragem em diversas normas brasileiras como as que disciplinam PPPs (Lei 11.079/2004) e concessões (Lei 8.987/2005), a Lei nº 13.129/2015, Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras) e o Decreto Estadual nº 64.356/2019, que regulamenta o uso da arbitragem pela administração direta e autarquias no estado de São Paulo, o Decreto nº 10.035/2019 concretiza essa tendência nos contratos públicos, como forma alternativa de solução de litígios pelas pessoas jurídicas de direito público.
 
Assim, a tendência é que o método da arbitragem seja cada vez mais utilizado nos setores econômicos regulados, envolvendo o ente público, já que estes podem ser gravemente afetados por uma decisão não-técnica (errada do ponto de vista material do contrato/serviço) ou prejudicados pela demora na solução judicial de controvérsias contratuais.
 
Que impactos estima para o setor de infraestrutura?

Os impactos para o setor de infraestrutura são grandes já que representa uma nova atração (de segurança jurídica) para investidores (nacionais e estrangeiros) e, consequentemente, no aporte de recursos necessários ao desenvolvimento dos setores.
 
Tendo em vista a dificuldade de o Poder Judiciário garantir um desfecho célere, técnico e eficaz, a cláusula arbitral poderá ser um fator positivo para as futuras concessões e privatizações, apesar da previsão legal de os custos e despesas relacionados ao procedimento serem suportados pelo particular.
 
Por outro lado, dependendo da matéria e termos contratuais, pode ser um fator negativo nos custos e risco do negócio, já que iniciar um procedimento arbitral no Brasil é significativamente mais custoso financeiramente caro do que ingressar com uma ação judicial.  O fato de a nova norma prever que o ente publico pode dar início ao procedimento arbitral as custas do ente privado gerarão dúvidas nos investidores, dependendo como o contrato for oferecido.

Como vê a possibilidade de a arbitragem definir valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diante da ocorrência de irregularidades em aditivos firmados pela administração pública em obras de infraestrutura?

Teoricamente, todas as irregularidades e os crimes no cumprimento (ou descumprimento) de contratos e ou aditivos firmados pela administração pública em obras de infraestrutura devem ser anulados e os responsáveis penalizados.

O fato de a arbitragem poder definir valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diante dessas ocorrências de irregularidades em obras de Infraestrutura, justamente pela fora a questão legal, trata-se de uma proposta de solução objetiva e exclusivamente para o tema técnico, mantendo as obras ou os serviços em pleno (e adequando) funcionamento, e sem prejudicar os futuros investimentos considerados prioritários.

Assim, a proposta normativa pretende uma alternativa para a definição de valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro oriundos de irregularidades de natureza contratual com a Administração Pública. E é positiva essa previsão, sem excluir a aplicação das demais normas para responsabilizar e punir os envolvidos, diante da complexidade das questões técnicas envolvidas, inclusive com a possibilidade de Assessoramento Técnico, por meio pareceres técnicos de servidores ou dos órgãos da administração pública federal com expertise no objeto do litígio, independentemente de serem parte na arbitragem.  

Como vê a possibilidade de arbitragem para tratar do inadimplemento de obrigações contratuais? Acredita que o governo conseguiria agilizar a entrega de concessões ou a retomada de obras paradas dessa maneira?

Sim, o uso de arbitragem para tratar do inadimplemento de obrigações contratuais é perfeitamente possível e objetivamente pode agilizar a entrega de concessões ou a retomada de obras paradas nesse segmento ou por esses motivos.
 
Considerando que a Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, o Decreto nº 10.025/2019 dispõe expressamente que o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo é hipótese que se enquadra como controvérsia sobre direitos patrimoniais disponíveis.
 
Assim, a arbitragem pode ser vista como um instrumento útil para resolução de conflitos com as concessionárias, incluindo o tema de inadimplemento de obrigações contratuais, contribuindo para maior segurança jurídica dos contratos e o desenvolvimento dos serviços nesses segmentos. 
 
O decreto também permite arbitragem em caso de inadimplemento da União. O sr. acredita que isso possa ser resolvido via arbitral? Se o caso é de arbitragem, portanto mais ágil e sem possibilidade de recurso, como tornar mais rápido o pagamento do governo em caso de derrota arbitral?

Sim, o inadimplemento pela União pode ser resolvido pela via arbitral, de forma objetiva e célere. E para não colocar essa alternativa no mesmo nível dos pagamentos por precatório, como já (não) ocorre, as partes podem estabelecer algum tipo de substituição à indenização apurada ou compensação de obrigações de natureza tributária.
 
Caso o pagamento não seja realizado diretamente pela Administração Pública, de maneira objetiva e instantânea, e o ente privado seja obrigado a iniciar um processo de execução de sentença arbitral por precatórios será uma flagrante sabotagem à arbitragem nesse segmento.
 
A demora no recebimento de precatórios representará um desestímulo (e o próprio fim desse instituto) à utilização desse meio alternativo, não acompanhando a tendência de desburocratizar a relação com o estado contratante e evitar disputas judiciais em conflitos nos contratos públicos.
 
Assim, o particular que pretende contratar com o Poder Público e eleger a arbitragem como meio para a solução de eventuais litígios deve dar especial atenção quanto à existência de provisionamento destinado ao pagamento de custos e eventuais condenações.
 
Para tornar o pagamento do governo mais rápido em caso de derrota arbitral a Administração pode se valer de fundos constituídos por meio de previsões orçamentárias que devem passar pelo crivo dos órgãos de controle (como os Tribunais de Contas). A Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei Federal 11.079/2004) apresenta possível alternativa ao sistema de precatórios para o particular. O art. 16 dispõe sobre o FGP – Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas, que tem como finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias. Nas PPPs, o pagamento da condenação imposta à Administração Pública por sentença desfavorável poderá ser realizado utilizando-se as garantias presentes no fundo.
 
Registre-se, ainda, que, na área pública, algumas sentenças arbitrais condenatórias não exigem a expedição do precatório. É o que dispõe, por exemplo, o art. 11 do Decreto 8.465/2015: “Em caso de sentenças arbitrais condenatórias que envolvam questões relacionadas às receitas patrimoniais e tarifárias da autoridade portuária, os créditos e as obrigações correspondentes serão atribuídos diretamente à autoridade portuária”. Nessa hipótese, quando a administração portuária for exercida por empresa estatal, dotada de personalidade jurídica própria e submetida ao regime jurídico de direito privado – como é o caso da Companhia Docas de São Paulo (Codesp) e da Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ) –, não incide o art. 100 da Constituição.
 
Como vê a possibilidade de um processo arbitral sigiloso determinar o valor de indenização de concessionários em caso de relicitação?

Considerando que a indenização deverá ser paga à concessionária antes que a vencedora do processo de relicitação assuma o empreendimento, a via arbitral sigilosa em alguns quesitos técnicos e contratuais pode ser útil (e justificável) para maior celeridade ao processo, já que a discussão judicial muitas vezes limita o andamento dos processos de extinção do contrato de concessão.
 
Vale destacar que, apesara do sigilo de alguns itens e do processo, todo procedimento arbitral que envolva Administração Pública deve respeitar o princípio da publicidade dos atos públicos. O Poder Público estará, em regra, sempre obrigado à prestação da informação correspondente e os atos do procedimento arbitral serão públicos, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo.
  
O sr avalia que casos atualmente em discussão no Judiciário possam migrar para a arbitragem após o decreto?

Sim. Os casos atualmente em discussão pelo Judiciário podem migrar para a arbitragem após o Decreto nº 10.025/2019, caso haja o comum acordo das partes envolvidas. O art. 6º, § 3º, do Decreto nº 10.025/2019 estabelece que caso já tenha sido proposta ação judicial por quaisquer das partes, além das condições estabelecidas no caput, antes da celebração de compromisso arbitral, o órgão da Advocacia-Geral da União responsável pelo acompanhamento da ação judicial emitirá manifestação sobre as possibilidades de decisão favorável à administração pública federal e a perspectiva de tempo necessário para o encerramento do litígio perante o Poder Judiciário, quando possível de serem aferidas.
 
Considerando que o poder concedente e a concessionária podem provocar o procedimento arbitral, sendo a concessionária exclusivamente responsável pelo custeio das despesas, pode ser que esta não concorde em submeter o litígio à via arbitral em razão dos altos valores já despendidos na via judicial.

O Judiciário está pronto para manter decisões arbitrais sem reavaliar o mérito do caso?

Sim e não, dependendo da matéria e segmento. Regra geral, entendo que o Judiciário está pronto para manter decisões arbitrais sem reavaliar o mérito do caso. Tecnicamente, a ação judicial contra a sentença arbitral não tem de natureza de recurso e não deveria se destinar o reexame do mérito da decisão, conforme rol exaustivo das limitações ao controle judicial prevista na Lei de Arbitragem e entendimento do STF e STJ quanto à constitucionalidade desta previsão.
 
São controláveis judicialmente apenas os aspectos da sentença arbitral atinentes à existência, validade e eficácia da convenção arbitral e o respeito ao devido processo legal, sendo permitido o ingresso de ação de nulidade e impugnação ao cumprimento da sentença arbitral sob esses aspectos e não sobre o mérito do caso.

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