Victor Fonseca: “O direito sempre foi impactado pela tecnologia”

"Inovação é um conjunto de ações estruturadas que têm por objetivo a melhoria contínua de pessoas, processos e tecnologias numa organização"/Divulgação
"Inovação é um conjunto de ações estruturadas que têm por objetivo a melhoria contínua de pessoas, processos e tecnologias numa organização"/Divulgação
Advogado, responsável pelo ThinkFuture do TozziniFreire, analisa as mudanças que estão otimizando a indústria jurídica.
Fecha de publicación: 22/08/2022

O surgimento de novas tecnologias ao longo dos últimos anos destacou a necessidade de um alinhamento entre a advocacia e os desafios que as tecnologias trazem. Diante das mudanças tecnológicas, os profissionais do direito tiveram que se adaptar tanto para implementar essas ferramentas no seu dia a dia, quanto para acompanhar os novos temas jurídicos trazidos pela inovação. 

Na prática, ferramentas como legaltechs e visual law surgiram para melhorar a produtividade dos advogados. Essas ferramentas são projetadas para gerenciar fluxos de trabalho e melhorar a eficiência da execução. Dessa maneira, os advogados ganham tempo para focar no desenvolvimento do seu trabalho técnico e na atenção aos clientes. Os escritórios passaram a incorporar novas tecnologias, metodologias e práticas para facilitar o trabalho e perceberam um claro vínculo entre a adoção de tecnologias emergentes e a satisfação do cliente.

Para Victor Fonseca, advogado que atua na área de tecnologia e inovação do TozziniFreire Advogados e responsável pelo ThinkFuture, programa de inovação do escritório, o direito sempre foi impactado pelas tecnologias. 

“A diferença hoje é que a gente tem tecnologias mais sofisticadas, que crescem mais rápido e aparecem mais rápido”, afirma.

Confira a seguir trechos da entrevista exclusiva que o especialista deu ao LexLatin sobre inovação no direito. 

LexLatin: A multidisciplinaridade é importante para implementar a inovação e a tecnologia?

Victor Fonseca: Não acho importante, eu acho fundamental. A ideia é que você tem que integrar as outras áreas o máximo possível. A área de inovação tem que tornar o escritório inovador. Você só vai fazer isso se você se conectar com todas as áreas jurídicas e não jurídicas do escritório. 

A questão da multidisciplinaridade é muito importante para o direito hoje em dia. As pessoas costumam associar inovação à tecnologia, mas a inovação tem um sentido mais amplo do que a tecnologia. Inovação é o que você traz de novo. E não só em tecnologia. Você quer definir o que é um projeto de inovação? Eu digo assim: inovação é um conjunto de ações estruturadas que têm por objetivo a melhoria contínua de pessoas, processos e tecnologias numa organização. 

É fundamental você trazer profissionais de outras áreas para a mesma mesa hoje em dia. Primeiro, por conta da questão do pensamento diverso. Não tem inovação sem diversidade, em todos os sentidos, em termos de minorias e também diversidade de formações. Óbvio, no final do dia é um serviço jurídico. A gente não pode se esquecer disso. É um trabalho feito por advogado. Mas incorporar, por exemplo, insights de design, de tecnologia dentro do produto que a gente quer entregar, melhora a vida do nosso cliente e dos nossos advogados também. Então, não vejo por que a área de inovação se isolar. Pelo contrário, ela tem que se conectar com todas as outras. 


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Você acredita que o visual law realmente facilita a comunicação dos advogados com os clientes?

Com certeza, absolutamente. Todas as vezes que eu falo nesse tema eu começo separando os conceitos de visual law e legal design. Legal design é quando você coloca o seu cliente no centro do serviço jurídico e planeja aquele serviço dentro dele. Dentro disso, tem todo tipo de design. O visual law entra como design de informação. Aqui no Brasil a gente chama de visual law o design de informação dentro do legal design. Tem gente que fala que é a mesma coisa. Eu discordo. 

Eu acho que dá para fazer legal design sem design gráfico, por exemplo, sem design de informação. Você pode fazer legal design se você pegar um documento de cinco páginas e for mais objetivo, com o que a gente chama de plain language, linguagem direta, clara, objetiva, em uma página, por exemplo. Isso é legal design. 

Agora, se você incorpora design de informação e uso de elemento gráfico, aí a gente entra no visual law. Por isso que nosso visual law não é simplesmente entregar um trabalho para um designer. A gente primeiro passa pela parte jurídica, de curadoria da informação, em que a gente pega um documento original, trabalha aquela informação e aí produz o recorte. O designer está acompanhando o projeto desde o começo. A gente manda o recorte para ele e ele entra com as técnicas de diagramação, infográfico, linha do tempo, fluxo, funil, etc. Mas não funciona se a gente cortar essa parte do jurídico, porque no final do dia é um documento jurídico. Esse é o primeiro ponto que eu gosto de falar. 

O segundo é que o visual não é só tornar o documento mais bonito. Ele precisa ser mais funcional. Ele precisa fazer sentido. Ele precisa, além de tudo, cumprir o objetivo dele, que no final do dia, de novo, é um objetivo jurídico. Não adianta nada entregar um documento que seja super limpo e que não está com as informações jurídicas corretas. Por outro lado, também não faz sentido a gente entregar um documento super bonito, cheio de cor, se ele tiver com a mesma linguagem robusta e sofisticada que ele tinha anteriormente. Então, a gente precisa sempre achar o meio termo e, a partir daí, produzir documentos bons e de qualidade. 

E, por fim, quais são os objetivos? A gente não está só usando isso para se comunicar com os nossos clientes. A gente está ajudando os nossos clientes a se comunicarem com os clientes deles também. Além disso, ajudamos os clientes a se comunicarem internamente entre si. A gente não pode esquecer que, dentro de estruturas como empresas, por exemplo, o jurídico tem uma forma de comunicação diferente em relação às outras áreas. Então, nosso dever enquanto escritório de advocacia é ajudar que o departamento jurídico se comunique melhor com as outras áreas. 

A gente também não pode achar que visual law se encerra. Você pode incrementar o visual law com outras coisas. Então, por exemplo, eu vou citar duas aqui. Você vai pegar um projeto que você consegue aplicar uma análise de dados. Se você apresentar isso de forma gráfica, como visual law, você está potencializando. Isso é uma coisa. Você pode também aplicar o visual law em web. A gente tem visto muito isso. Alguns termos de uso em sites são um fluxo, super bonito. Há várias iniciativas dessa natureza. 

Como a legaltech contribui para otimizar dinâmicas e modelos de trabalho no setor jurídico? Pela sua experiência, você vê uma relação entre a adoção de tecnologias e a melhoria no desempenho do trabalho dos advogados?

Com certeza. A legaltech entra oferecendo um produto de tecnologia para o mercado jurídico. O dia a dia do advogado, até pouco tempo, era quase 100% artesanal. A legaltech entra para identificar esses gaps operacionais que podem ser resolvidos com tecnologia. Por exemplo, tarefas repetitivas, automação, documentos iguais, etc. 

A única coisa que eu gostaria de frisar é o seguinte: a solução não para de pé por si só. Ela precisa de um problema que ela vai resolver. Pode parecer trivial, mas essa questão é muito importante no planejamento de inovação. Aqui a gente nunca vai atrás de uma solução porque a gente achou legal. A gente sempre vai atrás de uma solução depois que a gente identificou um problema que ela pode resolver. 

Hoje a gente tem um mercado de legaltechs super forte no Brasil, crescendo exponencialmente. A gente acompanha esse mercado evoluindo super rápido e a gente sabe que existem soluções maravilhosas, mas tem algumas soluções que são focadas para outro tipo de escritório, outro porte de escritório, até mesmo para departamentos jurídicos. E não necessariamente todas as soluções vão resolver as demandas que eu tenho aqui. Para que, de fato, a adoção de tecnologias contribua para a melhoria operacional, você precisa entender quais problemas aquelas tecnologias querem resolver.


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Como colocar em prática o uso de legaltech? Pelo o que você disse, o primeiro passo é realmente identificar os problemas, para depois procurar uma tecnologia que preencha esse espaço.

Eu colocaria em quatro passos. Primeiro, identificar os problemas, fazer as perguntas certas. Segundo, priorizar os problemas. Tem um mito de que quanto maior a organização, mais problemas. Não necessariamente. A gente tem escritórios pequenos, médios e grandes com a mesma quantidade de problemas e com variedades de complexidade. Você não vai conseguir resolver tudo de uma vez. Tem que entender o que vem primeiro, o que você consegue e o que é mais realista. A priorização é um passo importante que muita gente ignora. 

Depois, selecionar a tecnologia que você vai usar. Isso envolve tanto você ir para o mercado quanto você desenvolver internamente. E aí todo mundo acha que para por aí. Não. Sempre pensar em melhoria. Um projeto de inovação, de uma entrega de uma legaltech, por exemplo, ele não para na implementação. Ele vai ter que ser otimizado o tempo inteiro. Como você faz isso? Coleta dados, vê como está sendo o uso, se as pessoas estão usando de fato para o que elas precisam, se tem alguma demanda de melhoria e vai trabalhando como se fosse um ciclo. Então, em resumo: identificar, fazer as perguntas certas, priorizar, testar, implementar e aprimorar continuamente. Com esses passos, os projetos de inovação com legaltechs têm maior chances de sucesso. 

Existe um receio de alguns advogados de serem substituídos pela tecnologia. Você acredita que isso vai acontecer? O que você diria para um advogado que tem esse medo?

Esse é um medo compreensível. Claro, há o receio com qualquer nova tecnologia dessa questão da substituição. Mas hoje em dia já temos suporte suficiente, experiência suficiente para dizer que não. Substituição de pessoa por tecnologia, no direito, é uma realidade que eu não acredito. Isso não significa, contudo, que algumas tarefas não vão ser substituídas. Algumas tarefas repetitivas vão ser substituídas pela tecnologia, sim. Mas em que sentido? Qual é o critério? Tarefas que muitas vezes você nem precisa de formação jurídica para fazer. 

Você pode usar a tecnologia como ferramenta para a otimização do seu tempo e liberar tempo enquanto advogado para advogar, para estudar mais e para atender seu cliente. Então, imagine alguma tarefa, por exemplo, de acompanhamento de monitoramento de processo que leva 3 horas por dia de um advogado. Ele vai fazer isso em questão de meia hora usando tecnologia. E vai liberar essas duas horas e meia para advogar, para atender melhor o cliente, para trabalhar melhor o intelectual de uma peça que ele vai produzir, para pensar na melhor estratégia de operação que ele vai propor ali.

Então, substituição não, eu diria que não. Eu não diria que vai substituir, eu diria que o que a gente vai ter é tarefas feitas por advogados que não requerem, em sua maioria, formação jurídica ou treinamento jurídico puro para ser feito. Essas tarefas podem ser substituídas pela tecnologia, por ferramentas mais eficientes do que o trabalho manual. E isso colabora bastante para o advogado ter uma oportunidade de se especializar e trabalhar melhor. Agora, lógico, a gente não pode negar que isso também vai pedir para o profissional uma atualização constante de como ele vai otimizar esse tempo e como ele vai usar a tecnologia. 


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Como você convence o advogado? O direito sempre foi impactado por tecnologia. Em algum momento a gente parou de usar pena para usar caneta, parou de usar pergaminho para usar o caderno e aí depois do caderno, foi para a máquina de escrever, depois para o computador. Isso só na parte de redação. Então, qual a diferença hoje? A diferença hoje é que a gente tem tecnologias mais sofisticadas, que crescem mais rápido e aparecem mais rápido. Mas não precisa ficar assustado. É entender como você se adapta. Eu tenho certeza que lá quando surgiu a máquina de escrever, alguém falou: vou usar o papel porque a escrita vai convencer o juiz. Pode ter sido uma crença naquela época. 

Tem estudos, por exemplo, que falam que a evolução tecnológica foi, inclusive, uma das responsáveis no século XX por promover o modelo de sociedade de advogados. O advogado precisava comprar uma máquina de escrever, ele se associava a outro porque a máquina era cara e aí surgiam os advogados associados. A evolução tecnológica foi uma das razões pelas quais os advogados passaram a se associar e pararam de trabalhar sozinhos. Como a gente vê hoje, é um modelo super comum. 

Eu nunca vou falar: você precisa se atualizar. Isso é o discurso que mais espanta do que ajuda. Mostra o que você pode fazer, mostra o que a tecnologia pode fazer pela pessoa ou como isso vai beneficiar o cotidiano dela no dia a dia dela, a atuação dela enquanto advogado, como isso vai permitir que ela faça o que ela estudou para ela fazer, que é advogar. A partir disso, você começa a elencar soluções e ver onde encaixa isso. Parte do trabalho de inovação é você convencer pessoas. É mostrar os benefícios, como elas podem tirar vantagem de soluções que são maravilhosas, resolvendo problemas que elas identificam. 

Para encerrar, como promover e sustentar uma cultura de inovação no setor jurídico?

Eu acho que cultura é uma das coisas mais difíceis de transformar. Tem algumas teorias que falam que a cultura só não muda mais devagar do que a própria natureza. Qualquer iniciativa de inovação, em setores tradicionais ou não, vai ter uma questão cultural que aparece, em alguns casos, como barreira. Aqui a gente resolveu esse problema com o ThinkFuture, que pensa de uma forma mais ampla de inovação e atua com áreas jurídicas e não jurídicas. Esse é o primeiro ponto. E segundo, sempre otimizando o trabalho que chega para o nosso cliente. Também não adianta nada promover inovação sem que o cliente perceba isso, tanto na velocidade, quanto na qualidade da entrega. É um trabalho de olhar para dentro.

É preciso entender que a cultura não vai se perpetuar. Ela é um tipo de trabalho que você precisa alimentar. Então, conseguir convencer os advogados a usar o tal sistema é só o começo. Uma cultura de inovação é uma roda de carro, ela vai se retroalimentando e vai andando pra frente. Então, quanto mais pessoas eu consigo trazer e fomentar a cultura de inovação com elas, mais essas pessoas vão voltar para mim com novas ideias. E dessas novas ideias, trazemos mais pessoas.

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