Marcelo Bielsa, o melhor gestor jurídico

Todo gerente jurídico precisa definir claramente seu estilo de gestão./Foto: Canva
Todo gerente jurídico precisa definir claramente seu estilo de gestão./Foto: Canva
Gestão jurídica e inovação segundo "El Loco".
Fecha de publicación: 29/05/2023

O futebol é o maior espetáculo do mundo. Não consigo encontrar um fenômeno cultural, social ou humano que gere as paixões que o futebol gera, além de nos oferecer excelentes reflexões e recursos que hoje são aplicados nos negócios, na gestão de equipes de trabalho, na inovação de processos, entre outros. O futebol nos permite entender de forma muito simples ideias complexas que podem ser aplicadas em departamentos jurídicos para gerar mudanças a partir delas.

É notável a semelhança entre os conceitos de futebol e os de gestão jurídica, a partir da ideia do papel que o líder do grupo deve desempenhar. O gestor jurídico de uma empresa não deve buscar ocupar o papel de melhor jogador em campo, mas sim ter o papel de estrategista, formador e planejador do treinador. Essa convicção é muito importante.

Um dos treinadores mais respeitados dos últimos anos, pela seriedade dos conceitos que transmite e pelo impacto do seu trabalho nos clubes, é o famoso rosarino, Marcelo Bielsa, treinador de importantes clubes em nível mundial, bem como de seleções de futebol da Argentina, Chile e, recentemente, Uruguai. Os 11 caminhos para o gol, de Eduardo Rojas Rojas, é uma das obras que melhor capta as frases, ideias e abordagens de Bielsa sobre o jogo, e permite extrair lições especiais que podem ser aplicadas na gestão de departamentos jurídicos.

No contexto atual, em que é cada vez mais importante agregar verdadeiro valor às nossas organizações, é importante perguntar a nós mesmos: que lições podemos aprender com Bielsa sobre gestão e inovação em departamentos jurídicos?


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É preciso escolher um estilo de gestão: proativo ou reativo?

A filosofia futebolística de Marcelo Bielsa é amplamente conhecida, já que muito se escreveu e  documentários foram produzidos sobre ela. Basicamente, Bielsa acredita num estilo “pró-ativo” em que as equipes estão sempre um passo à frente e criam oportunidades, mantendo a posse de bola, em vez de especular em campo.

"Acredito em sair na frente, ter iniciativa, tentar fazer o jogo acontecer no campo adversário, ter a bola, recuperá-la rapidamente (...) e não em se aproveitar dos erros que o outro comete.”

Apesar disso, Bielsa aceita que há processos muito bem sucedidos baseados na especulação, focados em esperar, defender e aguardar o erro do adversário. Bielsa não tenta impor as virtudes do protagonismo, face aos defeitos da especulação, mas é muito claro sobre o estilo "pró-ativo" que prefere, o que é reflexo do que acredita ser o futebol e do que anseiam os espectadores. Será tarefa de cada treinador definir o estilo de jogo.

“Nenhuma escola é melhor que a outra, mas há indivíduos que dirigem e acreditam na escola da liderança, e outros que acreditam na especulação (...) Nossa função como treinadores é fazer com que a equipe tenha forma, estilo e que jogue de uma certa maneira.”

Acho que esse é um dos ensinamentos mais importantes que Bielsa nos deixa. Todo gestor jurídico precisa definir claramente seu estilo de gestão, seja optando por um olhar “pró-ativo” para os riscos jurídicos, o que implica antecipá-los e traçar um plano de ação propositivo; ou optar por uma atitude “reativa”, o que significa aguardar o impacto jurídico para reagir e, só então, envidar todos os esforços para defender os interesses da empresa. No entanto, considerando que atualmente enfrentamos um ambiente legal e regulatório que nos expõe a uma quantidade maior de riscos, assumir um estilo “reativo” seria uma posição inconveniente. O contexto atual exige equipes jurídicas “pró-ativas” que desenvolvam competências e implementem sistemas que permitam identificar e gerir os riscos jurídicos, propondo ferramentas que procurem evitar o seu impacto na empresa.

Não obstante, reconheço que a decisão não é fácil, pois pode ser influenciada pelas características da equipe, pelos recursos disponíveis e pela cultura da empresa, mas essa dificuldade não justifica a fuga do gestor jurídico dessa responsabilidade. O mais prejudicial para a equipe é agir sem ter definido seu estilo jurídico de gestão.

Algumas perguntas que todo gestor jurídico deve se fazer são: qual será meu estilo de gestão, pró-ativo ou reativo? A cultura da empresa está alinhada com essa escolha? Será que isso pode ser um obstáculo para implementar o estilo de gestão escolhido?

Soluções inovadoras, mas respeitando o estilo

São muitas as virtudes pelas quais Marcelo Bielsa é reconhecido. No entanto, ele é considerado por alguns um defensor inabalável do estilo de pressão e ataque, incapaz de contemplar outras opções, o que lhe rendeu rótulos de teimoso e obstinado. “Eu sou obsessivo pelo ataque. Eu assisto vídeos para atacar, não para defender, para ter a bola, para ter autoridade", sentenciou Bielsa há mais de 30 anos.

No entanto, acredito que essas qualificações são injustas, porque um homem com crenças firmes sobre o que torna o jogo grande e com vontade de aplicá-las com base em um projeto sério não é um purista obstinado, é um homem guiado por suas convicções, preocupado em ser coerente com o que acredita. Pelo contrário, embora Bielsa sempre se tenha destacado por formar equipes protagonistas, sabia muito bem a importância da capacidade de adaptação, tornando o esquema tático mais flexível consoante as circunstâncias que se apresentassem. Um elemento chave da sua filosofia é a flexibilidade, não só do jogador, mas também do esquema, permitindo-lhe adaptar-se às características do seu rival, às condições da competição e, sobretudo, aos recursos de que dispõe. Essa adaptabilidade não seria alcançada com estruturas estáticas e imunes a mudança.

“Por estas razões, a escolha do sistema tático deve-se fundamentalmente à flexibilidade que os treinadores devem ter. Os esquemas devem ser flexíveis (…) Mas o jogo define algo: tem como característica o movimento.”

“Eu odeio a mecanização, porque elimina responsabilidades. Quero equipes organizadas, e não mecanizadas, em que algumas posições sejam respeitadas (...)"

Aqui podemos perceber que as ideias de Bielsa descrevem muito bem parte do papel inovador dos gestores jurídicos em relação às suas equipes de trabalho, cabendo-lhes a responsabilidade de definir o estilo de gestão jurídica que a empresa necessita. No entanto, uma vez executado o trabalho, o gestor jurídico deve, sem abdicar das suas convicções, desenvolver competências de adaptação, adotando quadros de trabalho flexíveis que lhe permitam cumprir os seus objetivos com eficiência. Esses esforços serão parte importante de seu trabalho, pois estão relacionados à obrigação de propor soluções inovadoras para os desafios que se apresentam, abandonando a mecanização do trabalho jurídico e focando nas atividades que realmente geram valor.

Resta-nos responder:  estamos desenvolvendo a capacidade de adaptação às mudanças que nos são apresentadas? Acreditamos que a inovação é o caminho para atingir os nossos objetivos? O que estamos fazendo para inovar os nossos processos?


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É preciso definir uma estratégia; valores não bastam

Marcelo Bielsa reconhece que, no exercício inicial da liderança, são valorizados aqueles que motivam e estimulam o grupo; no entanto, também afirmou que a personalidade do treinador deve ser apenas um complemento e não o seu eixo central. Um treinador de futebol competente deve ter uma série de virtudes, sobretudo ligadas aos valores que pretende desenvolver na equipe, mas o mais importante é o projeto que se propõe para atingir os objetivos.

“Um treinador não é melhor pelos seus resultados nem pelo seu estilo, modelo ou identidade. O que vale é a profundidade do projeto, os argumentos que o sustentam, o desenvolvimento da ideia. Não é necessário julgar a ideia, mas a sustentação. Posso valorizar projetos conflitantes. O que nunca pode ser feito é substituir as convicções.”

Essas ideias são plenamente aplicáveis ​​ao trabalho do gestor jurídico, pois conceitos como trabalho colaborativo, inovação e geração de valor não significam muito, a menos que seja implementado um sistema que permita o cumprimento de sua principal obrigação: a gestão do risco jurídico. Se não houver um projeto a concretizar ou, pelo menos, uma ideia abrangente a desenvolver, não se trata de um trabalho sério, passível de ser valorizado. Na gestão jurídica interna, como no futebol, é preciso reconhecer que cada situação de jogo tem suas regras, sendo fundamental propor medidas que sejam executadas no desenvolvimento do trabalho da equipe jurídica interna e dos assessores jurídicos externos. Um trabalho organizado que permita identificar os riscos mais relevantes e preparar as ações que permitam enfrentá-los, levando em consideração as estratégias da empresa, deve ser a prioridade do gestor jurídico.

Novamente, é preciso refletir sobre a definição da estratégia na gestão jurídica. Qual projeto jurídico está sendo formulado para a alta direção da empresa? A equipe jurídica está ciente e alinhada com ele?

Marcelo Bielsa é uma figura cativante na história do futebol. Ele não é apenas admirado por muitos treinadores e jogadores em nível mundial, mas também profundamente respeitado pelos fãs de futebol. Todos o reconhecem por sua imensa contribuição para o jogo e, sobretudo, por inspirar e transmitir valores, sempre acompanhados de um trabalho responsável e de um projeto sério.

Na gestão de departamentos jurídicos, são muitas as ideias a serem implementadas, por isso é fundamental ter como referência uma figura como Bielsa: comprometida, coerente, ética e com pensamento estratégico. Não tenho dúvidas de que Marcelo Bielsa é o melhor gestor jurídico.

*Antonio Santander é diretor executivo do Canvas Legal e professor universitário da Pacífico Business School e CENTRUM-PUCP. E-mail: [email protected].

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