A partir de 1º de setembro, Marcos Ríos assumirá a presidência da Seção Internacional da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos (American Bar Association), no período 2022-2023. Ríos é sócio do escritório Carey, especializado em questões de M&A, contratuais, societárias e de compras públicas, entre outras práticas. O advogado trabalha no Chile e nos Estados Unidos (distrito de Columbia, Washington). Ríos é o segundo advogado não americano e latino a ocupar o cargo. Antes dele, ocupou o cargo o argentindo Marcelo Bombau entre 2014 e 2015.
Em entrevista à LexLatin, Marcos Ríos destaca que seu plano de ação será pautado pelo retorno ao atendimento presencial, que ele chama de Back together (Novamente juntos).
“O tema do ano em que serei presidente será Back together (Novamente juntos). Estamos em um mundo polarizado, com tantos movimentos extremistas e pouco discurso cívico. Meu foco, além da presença física, será ver como estamos indo internamente na seção da ABA. Então, como estão nossos associados, membros e colegiados. O respeito mútuo será minha ênfase seguindo a frase: "as pessoas razoáveis podem não concordar" (reasonable people can disagree).”
Ríos destaca a agenda de temas polêmicos, como o caso Roe vs. Wade, derrubado pela Suprema Corte americana no final de junho. Esse fato é considerado por organizações de direitos humanos e parte importante da política norte-americana como um retrocesso em direitos fundamentais essenciais para o desenvolvimento de um projeto de vida integral para as mulheres.
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Lições aprendidas
Integrante da ABA desde 2001, o advogado ocupou diversos cargos dentro da Associação, considerada a maior do mundo, abrigando uma comunidade de mais de 400 mil membros. Por uma década, entre 2004 e 2014, Ríos liderou o Comitê da América Latina e do Caribe e depois foi vice-presidente. Entre 2012 e 2015, foi presidente da Diretoria de Finanças e membro do Conselho da ABA. Assim que essa gestão foi concluída, entre 2015 e 2016, foi membro do Comitê Executivo, Comitê de Administração e Conselho, como Diretor de associação. No ano seguinte, entre 2017 e 2018, como membro do mesmo Comitê, assumiu a função de diretor de receitas (revenue officer).
Em 2020 foi nomeado Vice-Presidente da área internacional, que hoje preside. Uma das lições mais importantes de sua carreira, segundo o advogado, é em termos de liderança e gestão da diversidade. Só esta área é composta por 53 comitês e um total de 11.000 integrantes.
“Temos uma diversidade incrível na seção, tive que aprender a navegar pelas diferenças de nossos comitês e líderes internos da seção e buscar acordos. Para o líder, é importante orientar, canalizar as diferenças e também dizer não e se manter firme em determinados pontos. Por exemplo, existem comitês que promovem políticas públicas com as quais posso não concordar. Uma de nossas funções na seção, e na ABA em geral, é tentar atuar com políticas públicas. Então, nesse caso, é necessária a perspectiva, recordar o papel e decidir se é apropriado apoiar o comitê. Se sim, faça na seção e depois no conselho da ABA”.
O advogado nascido na Espanha garante que outra lição valiosa é estar aberto a encontrar áreas de valor e aprendizado profissional dentro da ABA. Marcos Ríos confessa interesse em direitos humanos e democracia, áreas não exploradas em sua prática jurídica até entrar na associação:
“Em relação à profissão e ao conteúdo mais substantivo da profissão, aprendi muito. Aprendi sobre os direitos humanos e o grande papel que a seção e a ABA desempenham ao se pronunciarem sobre eventos que os afetam. Especialmente para proteger advogados e juízes que são perseguidos e discriminados em diferentes partes do mundo. Fizemos, por exemplo, Cartas de Estado de Direito (cartas de intenções com base jurídica), que é um instrumento que tem origem em nossa seção, é aprovado internamente e se torna uma carta assinada pela presidência da ABA. Este documento pode ser dirigido aos chefes de estado, ao Congresso Americano ou ao presidente americano. Fizemos vários em lugares onde o estado de direito é afetado ou advogados, jornalistas e juízes são perseguidos”.
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A América Latina na visão da ABA
Considerada o "ministério das relações exteriores" da ABA, nas palavras de Marcos Ríos, a área internacional tem um interesse particular na América Latina, por ser uma região com grande demanda de apoio para o fortalecimento do Estado de Direito. Nos últimos anos, de acordo com o recém-eleito presidente da seção, os advogados latinos relataram um crescimento significativo no número de membros, especialmente na Colômbia, Peru e México.
“Hoje, a América Latina é essencial para nossa organização. O crescimento da região, em termos de adesão, tem sido muito grande. Temos um grupo com o qual finalizamos um patrocínio para a realização de três eventos da área internacional, com mais de 30 firmas de 17 países da região. Por outro lado, a ABA percebe a ameaça ao Estado de Direito, algo que a região já vem enfrentando há algum tempo, mas que agora passa por uma polarização. Nesse sentido, a associação vê a América Latina como potencial beneficiária de seus programas educacionais e está, por meio de seus associados, atenta às iniciativas em pronunciamentos ou ao desenvolvimento de conferências ou treinamentos, para juízes ou em faculdades de direito, que venham a realizar”.
A ABA está prestes a realizar seu primeiro evento presencial fora dos EUA, após a pandemia. O ponto de encontro, de 13 a 15 de setembro, é em Madrid. O tema central da Conferência será sinergias e desafios. Nesse sentido, a Espanha é um país ideal, segundo Marcos Ríos, pois é “uma articulação muito boa entre as Américas e a Europa, incluindo a América Latina e os EUA”. Depois de Madri, a Seção tem outras duas reuniões agendadas: uma na Índia e outra em Nova York, sendo esta última a reunião anual, que está acontecendo na cidade após cinco anos.
A relevância da América Latina é destacada na abertura da 'Conferência de Outono'. A programação inclui, em seu primeiro dia, uma apresentação de dois advogados latinos que lideraram importantes escritórios internacionais, que vão rever os desafios da advocacia no pós-pandemia. São eles: Brígida Benítez, sócia-gerente global da Stehtoe & Johnson, e Miguel Zaldívar, sócio-gerente global da Hogan Lovells.
O programa ILS Madrid 2022 inclui uma agenda baseada na realidade, abordando questões relacionadas com a insolvência e gestão de processos de reestruturação; arbitragem internacional e adoção de novas tecnologias no setor jurídico.
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Setor jurídico e serviços: ESG e outras tendências
A entrevista concluiu abordando as tendências que Marcos Ríos vê no setor jurídico latino-americano e nos serviços jurídicos promovidos por escritórios de advocacia e departamentos jurídicos.
Por um lado, destaca-se a adoção e integração da abordagem ESG, que, nas palavras de Ríos, é uma área que veio para ficar.
“Em algumas empresas e escritórios de advocacia, ainda não está claro qual é a diferença em relação ao RSC (Corporate Social Responsibility ou Responsabilidade Social Corporativa), o conceito 1.0 de ESG. No caso de alguns estudos, por exemplo, acredita-se que ao fazer pro bono o assunto já está cumprido e não é assim. Na minha opinião, a precisão do que significa ESG e como ele é fundamentado e colocado em prática é um processo que levará tempo. Paralelamente, devem ser monitorizados os progressos a nível legislativo e as exigências do mercado. Que coisas vão ser obrigatórias, as que são apenas recomendadas e as que são apenas para reportar.”
Por outro lado, o advogado aponta a adoção da tecnologia como uma questão inevitável a rever e sobre a qual atuar, quer ao nível da gestão do escritório, quer ao nível da formação profissional.
“Dado seu crescimento habitual, a legaltech e a tecnologia continuarão a ter impacto no curto prazo. Agora, a vanguarda é guiada pelas grandes firmas internacionais que até criaram polos de tecnologia e fazem parceria com desenvolvedores. Nessa linha, acredito que em um ou dois anos, escritórios de advocacia latino-americanos, como escritórios de advocacia locais na Europa, quero dizer, firmas de médio porte, adotarão essas tecnologias. Faremos isso em uma fase em que haja uma massificação e os custos diminuam, para tornar nossos processos mais eficientes e aplicar essas ferramentas em benefício direto do negócio”.
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Ao que foi analisado até agora soma-se os desafios que cercam o setor, como a diversidade de gênero e as mudanças de mercado típicas da transição geracional.
“A questão da diversidade é um desafio crucial, na minha opinião. Primeiro a nível de gênero, sobretudo nas sociedades de advogados, onde ainda encontramos percentagens baixas de sócias e ainda mais baixas, em comparação com outras profissões, sócias gestoras. É uma questão que na América Latina, infelizmente, é mais notória do que na Europa e Estados Unidos. Outra área problemática é geracional, ainda não distingui se é mais forte na América Latina do que em outros lugares. Estou me referindo ao abandono de carreira dos jovens. Há números que alertam para como as novas gerações não querem fazer parte de escritórios de advocacia, nem trabalhar como in-house. Embora devamos rever a dinâmica a nível dos escritórios ou equipes jurídicas, devemos também reconhecer que a percepção geracional atual é ser independente e, nessa linha, ser rapidamente seu próprio patrão”.
Este prisma de desafios e tendências faz com que Marcos Ríos reafirme sua marca de "juntos novamente" como um mantra de gerência. Sobre o último desafio mencionado, que ele destaca ser urgente, o advogado reflete:
“Temos que encontrar uma maneira de reencantar essa geração (mais jovem), reencantar e reter esse encantamento. Então temos novamente, de volta ao 'Back together', que entendê-los e entender uns aos outros para reter esse talento que estamos perdendo. E isso se aplica, claro, também ao talento feminino, e não apenas por uma questão de diversidade e equidade, mas também por uma questão de negócios, porque finalmente 'você é quem você contrata e quem você retém' (you are who you hired and you are who you retained).
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