Leis e otimismo para acabar com a corrupção na Argentina

Leyes y optimismo para acabar con la corrupción en Argentina
Leyes y optimismo para acabar con la corrupción en Argentina
Fecha de publicación: 12/01/2017
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Está acontecendo. A luta anticorrupção na América Latina começa timidamente a ser uma característica mais própria da região que a própria corrupção em sim. Não podemos obviar que este fenômeno se produz precisamente pela falta de práticas limpas de que têm adoecido os países latinos por décadas e décadas. Ao final de contas, a denúncia e o ativismo surgem quando o sistema cai por seu próprio peso. Uma queda que se embala quando vemos que esse sistema maltratado não só beneficia injustamente às elites, senão que ademais está fazendo desaparecer a oportunidade de crescimento das economias, de atrair investidores internacionais e de acabar com a desigualdade. A revista Americas Quarterly tem declarado que se as práticas anticorrupção continuarem, se gerará um dos câmbios mais importantes na América Latina no século XXI, se fortalecerão as democracias, fazendo que o mundo empresarial seja mais transparente e esteja mais aberto a novos atores. Más importante ainda, ajudará a reduzir a pobreza e a desigualdade, permitindo que esses milhares de milhões de dólares perdidos através da corrupção sejam redirigidos para os mais necessitados.

O mercado legal na América Latina presencia importantes câmbios na mentalidade de seus advogados, políticos e empresários. Este discurso vem motivado, talvez, pelo escândalo da Petrobrás no Brasil, mas neste momento estamos vendo um processo similar na Argentina. Segundo David Gurfinkel, sócio encarregado do Departamento de Compliance & Investigações de Allende & Brea, quem vê com otimismo o desenvolvimento da luta contra a corrupção na Argentina, "a indignação social somada à necessidade de cumprir finalmente com as normas anticorrupção de tratados internacionais para assim beneficiar-se do investimento estrangeiro, são uma combinação muito valiosa”. Gurfinkel considera que isto seguramente impulse a sanção de leis na matéria, tal e como tem ocorrido já noutros países da região, e onde se poderia dizer que se está demonstrando que têm sido úteis para combater a corrupção.

Ademais, o otimismo parece estar presente em várias firmas. “Estamos perante um cenário de maior transparência e em onde a justiça sente menos pressão no momento de atuar, o qual se reflete no grande avanço que têm tido muitas das causas no último ano”, afirma Pedro Serrano Espelta, sócio de Marval, O´Farrell & Mairal

Recentemente soubemos que o juiz Ercolini ditou uma resolução pela qual se ordenou o processamento e embargo de 10 bilhões de pesos argentinos à ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner (CFK), por associação ilícita. Este processamento entra na causa pelo direcionamento de obras públicas viárias ao grupo Austral – conhecida como Caso Grupo Austral -, processo que também implica o ex-ministro de Planejamento Federal, Júlio De Vido, a ex-secretário de Obras Públicas, José López, e o empresário patagônico Lázaro Báez, entre outros funcionários. A resolução do juiz soma um total de 17 pessoas processadas, incluindo os já mencionados.

O juiz Julián Ercolini tem processado os acusados por considerá-los prima facie coautores dos delitos de associação ilícita e administração fraudulenta agravada, motivo pelo qual ordenou o embargo. Ademais, também tem considerado que este plano se estendeu durante 12 anos e que foi desenhado desde a cúpula do Poder Executivo com a intenção de apoderar-se de forma ilegítima dos fundos alocados à obra pública viária na província de Santa Cruz, na Argentina. Esta notícia e o conhecimento de outros casos da mesma natureza no país, que começaram no ano 2016, fazem que nos perguntemos o quê vai supor a conjuntura para a luta contra o suborno.

O jogo político e a corrente anticorrupção

Em maio de 2016, o Financial Times informava sobre as acusações que já para então enfrentavam a ex-presidente CFK e antigos cargos de seu governo por malversação de fundos, suborno e lavagem de dinheiro, descrevendo a reação a estes fatos como a chegada de “uma corrente anticorrupção”. Cabe perguntar-se se se pode incluir o juiz Ercolini dentro do grupo de procuradores, juízes e ativistas que alguns têm denominado corruption busters” .

Se o leitor desta reportagem tem seguido de perto a notícia, se terá encontrado com que são várias as vozes que apontam a um paralelismo entre a Argentina e o Brasil, pela Operação Lava Jato. Isto se comenta no setor, mas a ninguém escapa o que faz falta para que se mantenha o otimismo. Segundo Serrano Espelta, “figuras como a de Sérgio Moro, no Brasil, ou Thelma Aldana, na Guatemala, só são possíveis em sistemas onde a justiça, o ao menos certos atores do sistema judicial, podem atuar de forma independente”.

Gustavo L. Morales Oliver, associado de Marval, O´Farrell & Mairal, tem escrito sobre o compromisso que demonstra a Argentina, país que participou no 2016 London Anticorruption Summit, prometendo tomar medidas que abordem novos mecanismos que fortaleçam às agências governamentais, garantam a firma e cumprimento de convênios internacionais e, sobretudo, que promovam a introdução de novos instrumentos de acusação como a testemunha ou colaborador ou o denunciante.

A pesar do momentum que vive o continente, é inevitável fazer uma valorização do juízo paralelo do que somos testemunhas devido ao enfrentamento político que tem protagonizado o debate social. Sem ir mais longe, antes de conhecer-se o embargo, CFK enviou um escrito ao tribunal federal nº 10 (a cargo do juiz Ercolini), reclamando que se readequasse o objeto processual da causa. Em qualquer caso, estes reclamos não se têm feito só nos tribunais. Todo personagem público do século XXI conhece o poder de difusão e pressão que se pode exercer nas redes sociais. A ex-presidente tem utilizado muito ativamente sua conta de Twitter para opinar sobre seu próprio processamento. Durante as festas natalinas fez menção a comentários da advogada Graciana Peñafort, quem publicou até mais de 30 tweets fazendo uma análise da decisão do juiz Ercolini e rotulando a causa de “persecução”.

Neste sentido, nos perguntamos quê efeito tem o uso destas plataformas sobre o prestígio da Justiça na Argentina?

“Os poderes são independentes entre si e a administração atual tem se expressado em numerosas oportunidades sobre a importância desta independência. Parecesse que o impulso que está sendo dado às causas por corrupção, já desde o 2015, responde principalmente a uma maior liberdade e independência do Poder Judiciário para investigar e perseguir este tipo de delitos. Se bem poderia dizer-se que o avanço das causas se evidenciou naqueles casos onde os imputados são ex-funcionários do governo kirchnerista, existem indícios de que - à data - o compromisso com a transparência no setor público é real. O prejuízo que as presuntas atividades corruptas podem ter ocasionado ao Estado argentino resulta ser de uma entidade significante. Não investigar e não esclarecer os fatos do caso implicaria um atuar negligente da Justiça”, afirma Serrano Espelta.

Gurfinkel faz uma valorização similar: “Na luta anticorrupção é fundamental respeitar a liberdade de ação dos procuradores e a independência do Poder Judiciário. Eles são os organismos encarregados de investigar e de ditar condenas quando existir algum fato de corrupção em qualquer dos três poderes. No caso pontual da resolução que dispôs o processamento e embargo de bens de CFK, entendo que não deve analisar-se como uma disputa entre a anterior Administração e a atual, e que é imprescindível que os funcionários e ex-funcionários que sejam sometidos a um processo realizem defesas técnicas e não políticas. Que se defendam nos tribunais e não através dos meios de comunicação”, explica.  

Novas leis entre Deputados e o Senado

Têm sido criadas duas figuras penais para combater a corrupção e o narcotráfico na Argentina. Estes projetos vêm da Câmara de Deputados e foram bastante criticados no Senado em suas primeiras discussões. O projeto sobre extinção de domínio (ainda no Senado) outorga ao Estado a potestade para adquirir os bens dos implicados em delitos de associação ilícita, lavagem de dinheiro e narcotráfico, enquanto que a figura do arrependido – já aprovada pela Câmara de Deputados -  facilita informação à Justiça, de modo que se possa avançar na investigação do delito de corrupção. Esta figura já existia para alguns delitos (denúncias por narcotráfico ou lavagem de ativos de origem ilícita, terrorismo, trata de pessoas e sequestros extorsivos), mas com a nova norma tem se ampliado seu âmbito de aplicação, pelo que atualmente alcançaria delitos de associação ilícita, prostituição e corrupção de menores, delitos contra a ordem econômica e financeira, e atos de corrupção dos funcionários públicos.

A cobertura que se tem dado a estes projetos de lei no país tem incentivado este debate do que vimos falando e no que, como dizíamos, alguns são otimistas. Tem quem valorizem os passos que o Governo de Macri está dando para que algum dia os relatórios e listas nas que se avalia a transparência deixem de situar a Argentina numa posição de pouco prestígio. Assim, foi a atual administração a que iniciou a denúncia a partir de uma apresentação que fez o atual titular de Vialidade Nacional, Javier Iguacel. Este último sustentou que o kirchnerismo entregou 52 obras nas rotas de Santa Cruz ao empresário Lázaro Báez, por 46 bilhões de pesos.

Por outro lado, Gurfinkel diz que “é muito importante que no processo de redação de leis relevantes como a extinção de domínio, a figura do arrependido, e a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, participem profissionais especializados. Na sanção de leis, é essencial evitar que a urgência conduza a ditar normas de difícil implementação prática ou que por conter inconsistências técnicas deem lugar a recursos de inaplicabilidade ou de inconstitucionalidade que ademais frustrem sua aplicação em sede judicial. ”

Miller & Chevalier publicou recentemente sua 2016 Latin American Corruption Survey, na que se reflete que a Argentina é percebida como uma das economias mais corruptas da região por seus participantes. Segundo Gurfinkel, estes resultados estão “em sintonia” com os do ranking 2015 do Transparency Internationals’ Corruption Perceptions Index, no que a Argentina aparece no número 107. Segundo Gustavo L. Morales Oliver “estas estatísticas demonstram a alta percepção de corrupção que existe na Argentina”.

Argentina comparada: o sistema judicial que está por chegar

As leis argentinas operam com padrões que diferem das leis anticorrupção noutros países que têm gerado tendência. Falamos, por exemplo, da FCPA dos Estados Unidos, a Bribery Act 2010 do Reino Unido e a Lei Anticorrupção no Brasil. As diferenças mais palpáveis têm que ver com a responsabilidade das empresas nos casos de corrupção, as consequências de implementar um programa de compliance, os benefícios de confessar e colaborar com a Justiça, o tratamento do delator, a privacidade, as normas de privilégios e evidência, bem como a defesa por suborno. 

Marcelo Bermolén, Diretor do Observatório da Qualidade Institucional (OCI) da Universidade Austral na Argentina e sócio de Accounting & Law Consortium S.A. diz que a diferença-chave no caso da Argentina e do Brasil – pois o setor legal parece fixar-se sobretudo na evolução que tem tido no Brasil - é a forma em que operam seus sistemas judiciais federais.

Seguramente muitos pensarão que a Argentina tem encontrado seu “Sérgio Moro”, mas Bermolén assinala as diferenças e vemos que as comparações são odiosas: “O juiz Moro no Brasil foi capaz de avançar em sua investigação aproveitando uma série de circunstâncias a favor, das quais muitas estiveram associadas a um sistema judiciário fortalecido. Seus conhecimentos profissionais sobre o intrincado mundo da lavagem de dinheiro se viram acompanhados por sua fortaleza moral, sua capacidade para criar equipes especializadas e sua inquietude por seguir investigando. Resolver este quebra-cabeça por módulos, fazer demandas, preservar provas e a proteção a testemunhas e criminais arrependidos lhe permitiram construir um caso forte, o qual foi, sobretudo, resultado de sua independência. Os grupos de pressão e a atividade em redes sociais aceleram o retraso ou progresso do caso, ao tempo que fazem evidente a influência política de alguns agentes na Argentina”, sentencia.

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