Responsável pelo julgamento de queixas de contribuintes contra atos da Receita Federal, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve a Igreja Cristã Maranata no pólo passivo de um procedimento fiscal, em um resultado que contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os chamados votos de qualidade do colegiado em caso envolvendo atividade sancionatória.
O caso envolve pagamentos de serviços e emissão de notas consideradas “frias” pelo Ministério Público, em procedimento interno de investigação. Por não guardarem relação com a atividade religiosa da entidade, tais desembolsos não estariam englobados na imunidade tributária prevista na Constituição para igrejas no país.
Durante o julgamento, a 1ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara, da 1ª Seção do Carf apresentou quatro votos a favor da retirada da igreja do pólo passivo, excluindo na prática multas superiores a 35 milhões de reais aplicadas à entidade. Os autos de infração apontam o não-recolhimento de Imposto de Renda (IRPJ e IRRF), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
A visão favorável á Igreja Cristã Maranata se baseavam no fato de que a própria instituição abriu uma investigação interna contra alguns de seus integrantes –o que afastava intenção de fraudar o Fisco e o envolvimento da instituição nas fraudes.
Por outro lado, outros quatro conselheiros avaliaram que a igreja violou o Código Tributário Nacional e deveria ser responsabilizada. Diante do placar, a questão foi resolvida com a visão decisiva do presidente do colegiado, Fernando Brasil de Oliveira Pinto, que já havia votado contra o contribuinte e repetiu seu posicionamento para desempatar a questão.
O presidente das turmas é nomeado pelo Ministério da Economia e representa o governo nos julgamentos.
“Com efeito, constata-se que houve fraude no desvio de receitas da entidade religiosa, mas que não foram praticadas pela ICM, e sim, por alguns de seus membros, em prejuízo da mesma”, diz trecho do voto da relatora, Giovana Pereira de Paiva Leite.
“Não se pode admitir a imputação de intuito doloso de sonegar ou fraudar o Fisco, tendo em vista que ao ter conhecimento de irregularidades, instaurou auditoria interna para interromper as práticas dolosas e comunicou os fatos ao Ministério Público para apuração de responsabilidade”, complementa a relatora.
Segundo o advogado da igreja, a decisão final, que foi publicada no dia 7 de agosto, viola o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (RMS 24.559/PR), o que deve levar ao questionamento da decisão tomada pela turma.
“O presidente de cada turma do Conselho é obrigatoriamente um representante da Fazenda, o que nos faz entender que não há Justiça, pois não há razão para que um mesmo julgador, que representa a mesma instituição, vote duas vezes”, afirmou Willer Tomaz, do escritório Willer Tomaz Advogados Associados. “Que balança é esta que pende para um único lado?”, questionou.
Ainda de acordo com o advogado, quando ocorrem empates nos julgamentos do Carf o chamado voto de qualidade deve ser dado para beneficiar o contribuinte e não prejudicá-lo, conforme prevê o Código Tributário Nacional. Além disso, no entendimento do STJ os votos de desempate pelos presidentes dos colegiados do Carf só devem ser tomados quando ele não votou durante o julgamento.
“O colegiado do Carf não agiu da maneira correta, ao não levar em consideração jurisprudência do STJ sobre o tema e nem a legislação tributária”, afirmou Tomaz.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para eliminar o voto de qualidade no Carf (PL 6064/16). O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil também questiona o voto de qualidade dos presidentes de colegiado do Carf em uma ação no Supremo Tribunal Federal (ADI 5.731).
O número do processo no Carf é 15586.720576/2015-15.
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