Redução de quórum mínimo fragilizou aprovação de súmulas no Carf

Daniel Souza Santiago da Silva - Crédito Divulgação
Daniel Souza Santiago da Silva - Crédito Divulgação
Para Daniel Souza Santiago da Silva, exigência de poucas decisões como precedente pode levar a súmulas com entendimento minoritário
Fecha de publicación: 20/09/2019
Etiquetas: Carf

A redução na exigência de quórum mínimo para aprovação de súmulas fragilizou o processo, permitindo que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possa editar enunciados cuja jurisprudência ainda não está consolidada no órgão, afirma o advogado Daniel Souza Santiago da Silva, em entrevista ao LexLatin.

Sócio do escritório Neves & Battendieri Advogados, Daniel Souza Santiago da Silva possui graduação em direito pela Universidade Salvador, é especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e detém título de mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Também é pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas - Direito SP. 

Como o sr. vê a decisão do Carf de consolidar entendimentos em 31 novas súmulas?

A edição de súmulas é uma medida positiva e necessária. Trata-se de um instrumento que deve refletir a jurisprudência estabilizada do órgão de julgamento, de enorme importância para nortear os atos do agentes públicos e dos contribuintes. Além disso, caracteriza-se como instrumento capaz de acelerar a solução de diversos litígios e reduzir o enorme estoque de processos que aguardam julgamento no âmbito administrativo.

No entanto, por se tratar de um instrumento tão importante, que até mesmo impede a rediscussão da matéria no âmbito administrativo – posto que de observância obrigatória por todos os conselheiros, sob pena de perda do mandato –,as súmulas  não podem ser jamais “banalizadas”. A aprovação de súmulas somente deve ocorrer quando haja efetivamente uma situação de jurisprudência estável. Tem-se que evitar a aprovação de súmulas “circunstanciais” ou “conjunturais”, que não reflitam uma situação concreta que já esteja efetivamente estabilizada.

Em nossa visão, a modificação, no regimento interno, do quórum para aprovação das súmulas, reduzindo-o de 2/3 (dois terços) para (3/5 (três quintos), acabou por institucionalmente flexibilizar demais a aprovação de súmulas. O país está muito dividido e isso reflete também na relação entre o Fisco e os contribuintes. Aqueles que acompanham a jurisprudência do CARF notam facilmente que muitas matérias envolvendo valores relevantes têm sido decididas pelo voto de qualidade, especialmente nas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Na prática, hoje, no âmbito das Turmas da Câmara Superior, se uma representação (Fisco ou Contribuintes) votar em bloco (o que é muito comum), basta o voto de um conselheiro da outra representação para que se aprove uma súmula. Como a definição de quem integrará as turmas da Câmara Superior está a cargo do Ministério da Economia, sob grande influência da Receita Federal, institucionalmente há uma fragilidade, que permite a aprovação de súmulas sobre matérias cuja jurisprudência ainda não está bem definida ou estabilizada.

Outro aspecto a ser destacado, é que a regra para aprovação das súmulas acaba permitindo que poucos precedentes (apenas cinco), de poucas turmas ordinárias (apenas duas) instruam a proposta de súmula. Na prática, ao menos em tese, é possível que um entendimento minoritário no âmbito das “câmaras baixas” possa ensejar a aprovação de súmula, caso esse entendimento minoritário esteja alinhado com a interpretação adotada pela maioria dos conselheiros que integra a turma da Câmara Superior (num colegiado de 10 integrantes, bastam seis conselheiros para aprovar súmulas). Outra crítica pertinente é que os acórdãos precedentes que instruem as propostas de súmulas podem até mesmo ter decorrido de decisão pelo voto de qualidade. Todos esses aspectos acabam por permitir, em tese, a aprovação de súmulas que não exprimam efetivamente as decisões reiteradas e uniformes do Conselho, impedindo nova discussão sobre a matéria.

Especialmente neste momento em que a sociedade está bastante dividida e polarizada e, consequentemente, muitas questões importantes têm sido decididas pelo voto de qualidade, combinada à adoção de medidas que priorizam a celeridade dos julgamentos, tem-se que buscar a preservação do equilíbrio da relação Fisco-Contribuinte, adotando medidas de maior proteção e valorização do Conselho, de maiores garantias aos conselheiros, inclusive com a adoção de medidas de valorização e de equiparação de direitos e deveres, para que a sociedade tenha um órgão capaz de decidir sempre de modo independente e técnico.

Essa polarização pode ser constatada na própria discussão a respeito da aprovação das súmulas. Observando-se as propostas rejeitadas, verifica-se que em quase 70% (11 casos) houve empate na votação para aprovação das súmulas. As 30% demais foram rejeitadas por diferença mínima (um conselheiro votou de modo divergente ao bloco que se formou). Isso revela que é imprescindível alterar as regras de aprovação das súmulas e evitar-se a aprovação de súmulas em momento de tanta polarização.

Que súmula(s) o sr. destaca como mais importante(s)?

Muitas súmulas aprovadas são importantes. Escolher uma delas, é tarefa difícil. Para apontarmos qual a mais importante, temos que eleger um critério. Se o racional para definição da súmula mais importante estiver ligado ao alcance de número de processos e de contribuintes atingidos, talvez a mais importante seja a súmula que trata de processos do Simples Federal, como a 13ª Proposta, aprovada pela 1ª Seção, convertida na súmula 134. Ainda adotando o critério da quantidade de processos atingidos, as súmulas que tratam de regra de decadência provavelmente serão aplicadas em uma quantidade relevante de processos, já que é comum constar alegação de decadência em diversos processos.

Por outro lado, se o critério for não a quantidade de processo, mas o valor envolvido em cada um deles, as súmulas que afetam as empresas sujeitas ao lucro real, que concentram grande parte da arrecadação, são as mais relevantes. 

Relevantes, ainda, são as rejeições de algumas das propostas de súmulas. Muitas delas eram muito amplas e poderiam causar insegurança no sistema. É o caso das propostas que acabavam por estabelecer certas presunções quanto à prova da efetiva ocorrência do fato gerador. Além disso, a rejeição das propostas de súmulas que tratavam de ágio foram corretamente rejeitadas, já que há muita divergência ainda sobre tais casos, que, em geral, têm peculiaridades e dificilmente podem ser tratados de modo genérico.  

A aprovação de súmulas pelo Carf tende a influenciar a ação da PGFN? Os entendimentos devem ser seguidos também pela procuradoria no Judiciário? 

O Carf precisa ser valorizado. É um órgão que tem enorme tradição de decidir de modo técnico, sempre teve conselheiros com excelente formação. Infelizmente, aproveitou-se da operação Zelotes para enfraquecer o órgão. Algumas mudanças foram positivas, como a maior dedicação de conselheiros dos contribuintes e a fixação de remuneração para o exercício do mandato. Ainda há aperfeiçoamentos necessários, mas houve evolução. No entanto, o órgão saiu mais dividido e combalido.

A valorização do Carf passa pela questão colocada. Não faz sentido que as súmulas do Carf não sejam de observância obrigatória. Devem ser aplicadas tanto pela administração (fiscalização) quanto pela PGFN, em toda sua atuação. É injusto que o contribuinte que levou a discussão para o Carf tenha uma decisão diferente daquele que foi direto ao Judiciário. Em algumas situações, a jurisprudência do Carf é mais avançada que a do STJ, por exemplo. Do mesmo modo, não faz sentido que o Carf decida de modo diverso daquilo que restou decidido pelo Supremo ou pelo STJ. O Carf e a PGFN não podem deixar de observar uma interpretação do STF ou do STJ, sob a simples alegação de que não houve transito em julgado da decisão. Por exemplo, foi noticiado que a CSRF, mesmo após a decisão do STF, em repercussão geral, que reconheceu o direito à apropriação de créditos de IPI decorrentes de aquisições da ZFM, tenha mantido autuações decorrentes da apropriação de créditos nesta situação. Ainda que a decisão do STF não tenha transitado em julgado, não faz sentido que o Estado brasileiro ajuíze uma execução fiscal, especialmente porque há enorme probabilidade de condenação em honorários de sucumbência. Além disso, a cobrança de um débito indevido gera despesas para mover a máquina administrativa (nas diversas instâncias administrativas e judiciais) e prejudica o contribuinte, que tem despesas com a contratação de advogados e para garantia do débito que muito provavelmente será desconstituído. Isso prejudica a economia e o desenvolvimento do país.

Portanto, entendemos que a jurisprudência do CARF e as decisões dos Tribunais superiores devem ser imediatamente aplicadas e observadas por toda a administração, incluindo a PGFN.

O sr. vê alguma súmula do Carf em contradição com decisões do STJ? Como deveria ser a atuação do conselho diante do tribunal, uma vez que muitas teses são consolidadas nas turmas/seção de direito público?

Dentre as súmulas recentemente aprovadas, me chama a atenção aquela decorrente da Proposta 42, convertida na Súmula 154, aprovada pela 3ª Seção do CARF, com seis votos favoráveis e quatro votos contrários.

Esta súmula trata do termo inicial da correção, pela taxa Selic, do ressarcimento de crédito presumido de IPI, objeto de oposição ilegítima da administração. No caso, a súmula estabelece que a correção monetária deve ser aplicada após o encerramento do prazo de 360 dias para análise do pedido do contribuinte.

Sem adentrar no mérito da discussão, nem analisar a correção deste entendimento, fato é que há propostas de afetação de RESP como representativo de controvérsia nos REsp nº 1.768.415/RS, nº 1.767.945/RS e 1.768.060/RS, no âmbito do STJ. Ou seja, se o STJ decidir de modo diverso, fixando termo inicial ou critério distinto, a súmula terá que ser revogada, o que implicará em mais movimentação da máquina pública, e, consequentemente, mais despesa para o já tão combalido erário.

O sr acredita que o Carf deve continuar sumulando entendimentos neste mesmo ritmo?

Reafirmamos aquilo que colocamos na primeira pergunta formulada. A aprovação de súmulas é fundamental para dar estabilidade, transparência e distribuir de forma equânime a justiça tributária, evitando decisões conflitantes. Além disso, é um poderoso instrumento para dar maior celeridade aos julgamentos administrativos e reduzir o enorme estoque de processos, que, graças a medidas bem sucedidas da competente administração do órgão, vem sendo reduzido.

Dito isso, não se pode permitir que a necessária celeridade seja realizada às custas da qualidade do que está sendo sumulado. As súmulas devem refletir o entendimento majoritário, reiterado e uniforme do órgão. Diante de um cenário (i) de enorme polarização, (ii)  de sobreposição dos interesses arrecadatórios, (iii) de enorme preponderância do Fisco, e (iv) de regra flexível demais para a aprovação de súmulas, corre-se o risco de aprovação de súmulas “conjunturais” ou “circunstanciais”, que não reflitam o entendimento reiterado e uniforme, o que pode, ao menos em tese, impedir que a discussão amadureça adequadamente. 

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