Os impactos do julgamento sobre execução provisória da pena no STF

Plenário do STF - Crédito Fellipe Sampaio /SCO/STF
Plenário do STF - Crédito Fellipe Sampaio /SCO/STF
Decisão impactará não somente os condenados na Lava-Jato, mas também todo o sistema judiciário e prisional do país
Fecha de publicación: 28/10/2019
Etiquetas: stf, execução de pena

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 45, que discutem o cumprimento de pena logo após a condenação em segunda instância. 

O julgamento está com o placar de 4x3, tendo os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux considerado constitucional a execução provisória da pena, e os ministros Marco Aurélio (relator), a ministra Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski, votado pela sua inconstitucionalidade.

Vivemos um drama shakespeariano que a política brasileira escreve com maestria. Política porque este julgamento envolve mais do que questionar a constitucionalidade do tema. É política porque a insegurança jurídica, ocasionada pelas mudanças de posicionamento do Judiciário sem nenhum posicionamento do Legislativo sobre o tema, influencia o ambiente econômico para investimentos e para o empresariado. E, por fim, é política porque essa decisão pode impactar até 38 condenados da Lava-Jato, oportunizando o ex-presidente Lula e o político José Dirceu as suas respectivas solturas, além de 160 mil condenados pelo país.

O cumprimento da pena logo após a condenação em segunda instância, que afronta a presunção de inocência expressamente declarada na Constituição Pátria, surgiu com o escândalo da Lava-Jato e um clamor público de que não poderia haver impunidade em nosso sistema penal.

Um dos argumentos centrais de quem é a favor do cumprimento é que esperar o trânsito em julgado oferece impunidade às pessoas que possuem recursos e podem pagar advogados que utilizem de manobras para postergar o processo até a sua prescrição. Enquanto isso, quem tem menor poder aquisitivo estaria em evidente situação de desvantagem.

Ocorre que não se resolve uma injustiça com outra. Como dito pelo ministro Lewandowski, não é possível fazer política criminal contra o que dispõe a Constituição, mas sim – e sempre com amparo nela. Inclusive, afirma que “A nossa Constituição - convém lembrar - não é uma mera folha de papel, que pode ser rasgada sempre que contrarie as forças políticas do momento”.

Em um sistema criminal em que 40% dos detentos estão presos preventivamente, ou seja, ainda sem terem sequer sido condenados, é questionável o quanto que a busca pela execução provisória da pena é a luta pela Justiça social. O próprio STF compreendeu que o sistema carcerário brasileiro vive em um Estado de coisas inconstitucional, decorrente de persistentes violações a direitos humanos e reiterada inércia estatal.

A desigualdade social que envolve o sistema Judiciário não se resolverá com o cumprimento provisório da pena, isso porque, conforme demonstrado, o réu que é de baixa renda já cumpre a pena antes mesmo do seu julgamento.

Vive-se em um país em que a prisão preventiva – que deveria ser exceção – é regra. Que se determina prisão preventiva pela gravidade abstrata do crime, mesmo com decisões do STF e do STJ que rejeitam a decretação da preventiva com esse argumento.

A presunção de inocência é um dos únicos princípios, junto ao da ampla defesa e do contraditório, que tentam diminuir as injustiças praticadas pelo sistema judiciário.

Conforme relatado no voto de Lewandowski, é preciso considerar o congestionamento e a disfuncionalidade do sistema judiciário brasileiro, em que tramitam cerca de 100 milhões de processos a serem julgados por pouco mais de 17 mil juízes. Juízes estes que precisam cumprir metas de produtividade e que, diante da vasta determinação de prisões preventivas, não é de se imaginar que será diferente com a execução provisória da pena.

O sistema carcerário já vivencia um Estado de coisas inconstitucional e ficará cada vez mais abarrotado de detentos presumidamente inocentes e o Brasil se tornará, cada vez mais, um país que perpetua injustiças e discriminações no seu sistema judiciário.

 

Giovanna Ghersel é advogada de Lima, Nunes, Volpatti - Advocacia e Consultoria e especializada em direito penal e processual penal

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