Que lições jurídicas podemos tirar da aprovação do negócio Disney/Fox pelo Cade no Brasil

A decisão analisou a aquisição do controle da Twenty-First Century Fox, Inc. pela The Walt Disney Company (Brasil) Ltda /Cade.
A decisão analisou a aquisição do controle da Twenty-First Century Fox, Inc. pela The Walt Disney Company (Brasil) Ltda /Cade.
Conselho ainda permitirá que a implementação de remédios ocorra após a liberação?
Fecha de publicación: 07/05/2020

Em 6 de maio de 2020, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu, por maioria, revisar a decisão proferida no Ato de Concentração nº 08700.004494/2018-53, relativo à aquisição do controle da Twenty-First Century Fox, Inc. pela The Walt Disney Company (Brasil) Ltda.

A decisão revisada havia sido proferida também por maioria em 27 de fevereiro de 2019. A operação foi aprovada mediante a assinatura de um Acordo em Controle de Concentrações (ACC) entre as partes e o Cade, que previa diversas condições, entre elas a venda integral do canal Fox Sports a um terceiro, incluindo imóveis, equipamentos, funcionários, contratos com ligas esportivas e contratos de distribuição com as operadoras de TV por assinatura.

Na doutrina concorrencial, quando as condições impostas pela autoridade de defesa da concorrência obrigam as partes a alienar ativos para obter a aprovação de uma operação, tais remédios são chamados de estruturais.

Conforme decisão majoritariamente adotada, as restrições tinham como objetivo preservar a estrutura de mercado pré-operação no Brasil. E, além do mencionado desinvestimento, a Disney não poderia, ainda, contratar as ligas esportivas transmitidas pelo canal Fox Sports e readquirir os ativos a serem desinvestidos, além de ter que oferecer a opção de licenciar gratuitamente a marca Fox ao futuro comprador.

A decisão do Cade permitiu que a operação fosse consumada imediatamente após a aprovação, com a ressalva de se observar as medidas de separação entre o negócio a ser desinvestido e o negócio retido pelas partes, e previu um prazo confidencial para que o desinvestimento ocorresse.

Como o desinvestimento não ocorreu no prazo estipulado, na sessão de julgamento de 13 de novembro de 2019, o Tribunal do Cade decidiu que a aquisição da Fox pela Disney seria revisada pela autarquia, conforme previsto no ACC celebrado entre as partes. O conselheiro Luis Braido foi designado por sorteio como relator do processo de revisão.

Em seu voto, o conselheiro Luis Braido fundamentou a revisão no ACC e no Art. 91 da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), que permite a revisão em determinadas situações, entre elas, caso não sejam alcançados os benefícios visados.

Segundo o Cade, conforme experiência estrangeira descrita em guia da International Competition Network (ICN), o intuito da revisão é aperfeiçoar o acordo (ACC) quando ocorrer o insucesso no seu cumprimento. A revisão não se presta a casos em que há injustificada falha pelas partes na execução do acordo. É preciso que fique constatado que o remédio proposto se tornou inviável, desproporcional e pode ser substituído por outros remédios que mitigam o problema concorrencial apontado pela autoridade.

O próprio relator constatou que o escopo do ACC era muito rígido, pois obrigava a venda do canal a qualquer preço. E mesmo assim não houve interessados. Após um plano de reestruturação do negócio para viabilizá-lo como uma unidade de negócio independente, houve três potenciais compradores que desistiram de seguir no processo de compra e um quarto que não conseguiu demonstrar capacidade financeira. A desistência de dois interessados foi motivada pelos efeitos da pandemia da Covid-19.

O conselheiro relator, diante do insucesso na implementação do remédio e do cenário atual, em que essa indústria foi fortemente afetada pela situação de pandemia, passou a considerar a substituição dos remédios estruturais por remédios comportamentais, o que inclusive havia sido objeto de voto vencido no julgamento original em 2019.

Também de acordo com a doutrina concorrencial, remédios comportamentais consistem em imposição de obrigações de fazer ou de não fazer, são considerados menos invasivos, mas criticados por envolver altos custos de monitoramento e terem o potencial de causar distorções de mercado.

O que se verificou no julgamento da revisão desse caso é que, diante da inviabilidade da implementação da venda do canal Fox Sports a um terceiro capacitado e do cenário atual da pandemia, não restou outra alternativa ao Cade a não ser substituir o remédio estrutural pelo remédio comportamental, ainda que nos casos similares que envolvem problemas relacionados a diminuição do número de players no mercado, o remédio tradicionalmente mais indicado seja o estrutural.

Os remédios comportamentais aplicados no caso envolvem o compromisso da Disney de manter na grade de programação, por três anos ou até o término de seus respectivos contratos, todos os eventos esportivos distribuídos no Brasil. O canal principal da Fox Sports deverá ser mantido com o mesmo padrão de qualidade hoje existente, incluindo a transmissão dos jogos da Copa Libertadores da América, até o dia 1º de janeiro de 2022.

Após esta data, os eventos dessa competição deverão ser transmitidos em algum de seus canais afiliados, até o final do atual contrato com a Conmebol. Caso a Disney opte por encerrar a transmissão do canal Disney Fox, deverá oferecer a marca para ser utilizada por qualquer outro grupo que se interesse, mediante arranjo comercial com seu proprietário.

Por fim, o Cade determinou a abertura de investigação para apurar alguns problemas concorrenciais do setor, sobretudo relacionados à discriminação de preços praticados por produtoras na distribuição de seus canais, que eventualmente possam limitar a entrada de novos canais e causar impactos também para o consumidor de TV por assinatura.

Esse julgamento revela uma tendência de que dificilmente o Cade aceitará remédios estruturais que não sejam endereçados antes do fechamento da operação. Nesse caso específico, é claro que houve um agravamento da possibilidade de cumprimento do acordo diante da situação da pandemia e desistência de potenciais interessados na aquisição do ativo que seria desinvestido.

No entanto, o desenho de remédios é uma das tarefas mais difíceis das autoridades. Tais medidas devem ser aplicadas caso a caso e devem ser, de acordo com o voto da Conselheira Relatora Polyanna Vilanova “proporcionais, sólidas, efetivas e objetivamente aferíveis” preferencialmente sem a necessidade de revisão da decisão.

*Joyce Honda é sócia da área concorrencial do escritório Cescon Barrieu.

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