Os impactos jurídicos das investigações do STF contra aliados de Bolsonaro

Ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, durante sessão no STF/Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, durante sessão no STF/Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Em meio à briga política, especialistas divergem sobre a constitucionalidade das operações.
Fecha de publicación: 28/05/2020
Etiquetas: stf

A Polícia Federal cumpriu, na quarta-feira (27), 29 mandados de busca e apreensão em endereços de políticos e aliados da família Bolsonaro, referentes à investigação de notícias falsas feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que apura ameaças a ministros e instituições democráticas do país.

O inquérito das fake news investiga a existência de uma rede de produção e propagação de notícias falsas. Os principais suspeitos são políticos ligados a Bolsonaro e os filhos do presidente, além de empresários que ajudam a financiar este esquema. Eles são acusados de serem os responsáveis por uma rede de propagação de mensagens falsas, com objetivo de influenciar eleitores e atacar opositores ao governo.

Uma história que começou em março do ano passado, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tófoli, nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do inquérito que investiga notícias falsas, ofensas e ameaças, que estariam atingindo os integrantes do Supremo e seus familiares.

Uma das principais questões legais desse processo de investigação é o questionamento da abertura do inquérito pelo STF.  Normalmente o Supremo é provocado pelo Ministério Público e outras entidades ligadas ao Judiciário, o que não aconteceu.

Outro questionamento foi a designação do relator. Normalmente isso é feito por sorteio. Essa designação gerou críticas no meio jurídico e também do Ministério Público Federal (MPF), inclusive com dez ações questionando a investigação. Também foi discutido o fato de os suspeitos da prática criminal não terem foro no STF e as vítimas serem os próprios ministros do STF.

O Supremo diz que o argumento legal é a possibilidade da Corte abrir investigações para desvendar crimes cometidos contra o tribunal.

Durante a operação da quarta-feira, entre os alvos, aliados de Jair Bolsonaro, como o ex-deputado federal Roberto Jefferson, o empresário Luciano Hang e os blogueiros Allan dos Santos e Winston Lima, que têm milhares de seguidores nas redes. Nos 29 endereços, inclusive casas legislativas como a assembleia paulista, foram apreendidos computadores e documentos que serão anexados à investigação.

Até agora as investigações apontam 12 contas em redes sociais que têm feito regularmente a divulgação de notícias, atacando os ministros do STF. A estratégia do Supremo, neste momento, é encontrar os financiadores destes perfis. A suspeita é que sejam empresários apoiadores do presidente.

Os argumentos de que a investigação é inconstitucional estão sendo usados pelos acusados - políticos e filhos do presidente – além de aliados de Bolsonaro.

Em meio à pandemia da Covid-19 existe uma forte crise institucional entre o STF e a presidência da República. Horas depois do cumprimento da operação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, pediu a suspensão do inquérito, o que contradiz a fala dele proferida em outubro do ano passado, ao dizer que a investigação era legal.

Diante de tantos detalhes, jurídicos e políticos, a equipe de LexLatin foi ouvir dois especialistas da área sobre a motivação e a constitucionalidade das decisões tomadas até agora.

Para Renato Ribeiro, advogado especializado em direito eleitoral e professor de direito eleitoral da USP, as acusações são graves e existe uma série de eventos sendo feitos no Brasil todo atacando instituições, especialmente o Congresso Nacional e o STF. “Todo mundo sabe que práticas assim requerem financiamento. Você vê essas e outras práticas em várias partes do Brasil muito parecidas, o que denota a ideia de que foram fabricadas pelas mesmas pessoas e que foram financiadas por alguém”.

Ele considera a investigação constitucional, porque o STF está se baseando no próprio regimento interno. “Acho que a elucidação dos fatos é muito mais importante do que esta discussão processual, até porque o embasamento que está se dando por parte dos ministros do STF é do regimento interno. Vejo isso como uma tentativa do poder Judiciário de combater as fake News”, diz.

Já o advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados, acredita que inquérito pode ser contestado, sobretudo por ter nascido de um ato de ofício do presidente do STF, sem o MPF e a polícia judiciária.

“Ainda que haja um argumento de que é competência do STF preservar suas bases institucionais, prosseguir o inquérito sem a participação do MPF parece algo condenável. Cabe a ele inicialmente propor uma ação penal. Se o MPF se manifestar pelo arquivamento, entendo que não se sustenta o Judiciário manter o recebimento de denúncia”, afirma. “Nesse caso, o que se poderia fazer é submeter o inquérito à Câmara da Procuradoria da República, responsável pelas ações revisionais”, caso o MPF não concorde com a denúncia.

Outra questão analisada é o envolvimento de empresários e parlamentares. 

“Uma coisa é imunidade parlamentar, de exercício livre da fala e dos seus pensamentos, especialmente deputados federais e senadores, porque a Constituição assim prevê”, explica Ribeiro.

“Mas se de alguma forma tiver a participação de um parlamentar, seja deputado federal ou estadual, se for comprovado, não há imunidade em relação a isso. O que está sendo discutido é se essas pessoas financiam, dão suporte ou logística ou disseminam notícias sabidamente falsas com o objetivo de afetar a honra, causar injúria, calúnia ou difamação de outros servidores públicos e autoridades de outros poderes”, analisa.

Uma situação que, para Turbay, é um artifício não tolerado num estado democrático de direito. “Acredito que os parlamentares que organizam um sistema de emissão, produção e divulgação de notícias falsas com os fins ou eleitorais ou de manter uma base de militância política ocasiona um processo de deslegitimação da democracia, interfere nas escolhas livres dos eleitores e fragiliza todas as instituições democráticas”, diz.

“A ação de legitimação de fake news para prejudicar a própria legitimidade do Supremo, pressionar o STF em determinada decisão, isso não só é uma ameaça aos ministros, como que à própria instituição, o próprio comando jurisdicional do país”, afirma.

O inquérito do STF, na visão dos especialistas, pode reacender a discussão em torno de uma outra ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela investiga o uso de compartilhamento em massa de fake news por WhatsApp na campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. 

As coligações "O Povo Feliz de Novo" (PT/PCdoB/PROS) e "Brasil Soberano" (PDT/AVANTE) pediram a reabertura da investigação em outubro do ano passado. A motivação foi uma reportagem da Folha de S.Paulo, onde o aplicativo de mensagens confirmou que a eleição brasileira de 2018 teve uso de envios maciços de mensagens

“Os efeitos instados nesse inquérito de agora podem ser somados, com novos elementos e novas provas, a essa ação, que efetivamente pode causar a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão”, explica Ribeiro, que também é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e da  Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP.

Independente da apuração dos fatos, os juristas defendem o respeito às regras do  processo legal do STF, para que não paire dúvida sobre a constitucionalidade depois.

“É preciso incluir o MPF no pólo ativo da demanda, ofertar o contraditório e ampla defesa, ainda que durante o inquérito. Se respeitadas as regras do jogo, aqueles que estiverem envolvidos nestes ilícitos têm de ser responsabilizados. Tem que haver uma exigência probatória altíssima para que haja o prosseguimento do inquérito. Não pode usar a investigação para perseguir eventuais desavenças. Isso tem que ficar no plano dos crimes contra a honra ou até ameaças. Politizar o inquérito é deslegitima-lo”, afirma Turbay.

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