Há a necessidade de simplificar a legislação brasileira “passando a boiada”?

Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em audiência pública/Roque de Sá/Agência Senado
Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em audiência pública/Roque de Sá/Agência Senado
Apesar de fala de ministro sobre aprovar normativas em reunião, advogados apontam que medida tem de ser transparente.
Fecha de publicación: 03/06/2020
Etiquetas: Meio Ambiente

Estopim de uma grave crise institucional entre os poderes, a divulgação da reunião ministerial de 22 de abril, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aponta diversos momentos que se tornaram imediato alvo de críticas da opinião pública. Uma delas envolveu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em sua fala na reunião, o ministro apontou que o momento de grave crise de saúde pública, onde o foco da atenção da imprensa estaria no combate à pandemia, apontava como uma oportunidade de aprovar a desregulamentação normativa do setor.

Na reunião, Salles afirmou algo já famoso: "Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas". Segundo o ministro, o arcabouço legal da pasta deveria seguir a linha da desregulamentação e contar com o apoio dos órgãos advocatícios do governo para que tal oportunidade gerasse uma simplificação "de baciada".

Alvo de severas críticas por parte de governos estrangeiros e organismos internacionais desde antes da divulgação, a postura do Ministério de Meio Ambiente se mostrou divisiva.

Entidades de defesa do meio ambiente criticaram duramente a fala: o Greenpeace pede que Salles seja retirado imediatamente do cargo; o Instituto Socioambiental (ISA) apontou, em editorial, que o ministro "não é nem um pouco dissimulado e confessou abertamente aproveitar que a atenção pública está voltada para a tragédia sanitária para impor uma tragédia ambiental, destruindo as normas infra legais de proteção"; a World Wide Fund for Nature (WWF) considerou as falas como inaceitáveis e pediu que providências legais fossem tomadas. "O Brasil precisa de um ministro à altura da importância que o Meio Ambiente tem para o país", afirmou. A Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF) defende a apuração de possível crime de responsabilidade – que, caso confirmada, deve ser aberta pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Houve também defesa do ministro. Nas redes sociais, o deputado José Medeiros (Podemos-MT), afirmou que Salles "quer aproveitar o período da pandemia para melhorar a legislação infralegal". Na terça-feira, 90 entidades veicularam um anúncio de página inteira, nos principais jornais do país, com o slogan "No meio ambiente, a burocracia também devasta". O próprio ministro se manifestou, horas após a publicação do texto, afirmando que a simplificação é sua bandeira. "Sempre defendi desburocratizar e simplificar normas, em todas as áreas, com bom senso e tudo dentro da lei", escreveu Salles.

Mas, do ponto de vista legal, há o  entendimento de que a política ambiental começou antes do mandato bolsonarista. "A mudança mais significativa não começou nem no governo Bolsonaro, mas sim no mandato de Michel Temer", afirmou a advogada especialista em direito ambiental, Mariangélica de lmeida. Como principal ponto de mudança, à época, o então presidente facilitou a conversão das multas ambientais em serviços de preservação. As mudanças continuaram com o governo Bolsonaro que, segundo a advogada, buscou dar mais transparência às decisões sobre tais conversões, por meio de núcleos de conciliação ambiental – órgãos colegiados que definiriam o tema.

O resultado, defende, não tem sido satisfatório. "Na prática, estes núcleos estão sendo severamente sabotados, sem conseguir ser implantados para valer – mesmo com a chamada de agentes externos para colaborar e treinar este pessoal", afirmou. "Então aquelas multas todas, que poderiam ser revertidas, até agora não foram. O que vemos é, na verdade, a necessidade de manter as coisas exatamente como estão. E quem se beneficia de uma norma que trava avanços no sistema?" A resposta, aponta a advogada, estaria dentro do próprio Ibama. "Não é interessante, interna corporis, que os nós sejam desatados."

A advogada defende que não há, até o momento, mudanças significativas na legislação ambiental sob o mandato de Ricardo Salles: "O que se vê são operações pontuais, em determinados procedimentos, para que se dê mais fluidez a estes atos". 

"Para mim, a expressão “passar a boiada” é uma maneira de ele dizer que, de alguma forma, poderia se melhorar o fluxo de processo dentro dos órgãos ambientais federais", interpreta a advogada que, por sua vez, critica a proposta do ministro de se valer da atenção numa pandemia para alcançar seus objetivos.

"Consigo compreender o que ele quis dizer e, ao mesmo tempo, vejo com maus olhos a ideia de aproveitar a crise do coronavírus. É necessário acertar este núcleo duro, mas não fazendo isso, se aproveitando de uma situação de desespero. Eticamente falando, não fica legal", ponderou.

"Simplificar ou digitalizar os procedimentos é muito bom, não resta dúvida", disse o sócio de Burmann Advocacia Ambiental, Alexandre Burmann. “O que não se pode concordar, em hipótese alguma, é que isso seja feito de uma forma que não se tenha transparência e que se reduza a proteção ambiental. Tudo isso tem que ser feito as claras para que a sociedade, porque visões sobre simplificação são diferentes, e não se pode ter uma visão exclusiva de um setor determinado pautando a desburocratização."

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