A atual vice-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, desembargadora Consuelo Yoshida, passou a suspender a tramitação dos processos envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins (Tema 69).
O novo entendimento gerou insatisfação aos contribuintes situados nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, submetidos à jurisdição do TRF da 3ª Região, já que o anterior vice-presidente negava seguimento aos recursos se a decisão estivesse em conformidade com a tese fixada pelo STF no recurso paradigma (RE 574.706).
A controvérsia colocada à discussão, portanto, gira em torno da possibilidade de os tribunais suspenderem o julgamento desses processos, enquanto o STF não conclui o julgamento dos embargos de declaração opostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O primeiro ponto que se coloca para solucionar a questão é saber quem detém legitimidade para determinar a suspensão dos processos em curso no território nacional. O segundo ponto é saber se há necessidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso, paradigma para que seja aplicada a tese firmada pelo STF.
Ao julgar a questão de ordem suscitada no RE 966.177 (DJ 01.02.2019), o plenário do STF definiu que o reconhecimento da repercussão geral não suspende de forma automática o andamento dos demais processos em curso versando sobre o mesmo tema, “sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la.”
O mesmo entendimento é adotado pela Corte Especial do STJ (REsp 1202071/SP, DJe 03/06/2019), para quem “caso a lei quisesse injungir a suspensão automática, bastaria prever que o reconhecimento da repercussão geral impusesse a paralisação do trâmite de todos os processos pendentes relativos à matéria, no território nacional; ou ainda, dispor que o relator obrigatoriamente determinasse a suspensão, o que não ocorreu.”
Ou seja, as Cortes Superiores privilegiam a aplicação da regra dos artigos 1.035, § 5º e 1.037, II, do Código de Processo Civil (CPC), que confere ao relator do recurso paradigma a prerrogativa de decidir sobre a suspensão dos processos.
Superado esse ponto, cabe verificar se é preciso aguardar o trânsito em julgado do recurso paradigma para que a tese firmada pelo STF seja aplicada aos demais processos. O art. 1.040 do CPC parece solucionar a questão, ao determinar o sobrestamento do processo somente até a publicação do acórdão paradigma, sem exigir o trânsito em julgado.
O STF possui precedentes (ARE 930647 DJe 11.04.2016) privilegiando esse racional, entendendo que “a existência de precedente firmado pelo Plenário desta Corte autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre o mesmo tema, independente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma”.
Na Reclamação 30.996-S (DJ-e 14/08/2018), o Ministro Celso de Mello afirmou que “a circunstância de o precedente no “leading case” ainda não haver transitado em julgado não impede que venha o Relator da causa a julgá-la, fazendo aplicação, desde logo, da diretriz consagrada naquele julgamento”.
Essa lógica sempre foi adotada pelo STF. Quando declarou a constitucionalidade do art. 56 da Lei 9.430/96, que revogou a isenção da Cofins das sociedades uniprofissionais, a tese firmada pelo STF nos RE 377.457 e 381.864 foi aplicada nos quase dez anos que se passaram até que houvesse o julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Conselho Federal da OAB.
O mesmo entendimento também é compartilhado pelo STJ, que no AgRg no REsp 1218277/RS (DJe 13/12/2011) reconheceu não ser preciso aguardar o trânsito em julgado do acórdão para viabilizar a aplicação da tese firmada em recurso repetitivo.
Tal orientação se aplica inclusive aos processos que aguardam admissibilidade de recursos extraordinários nos tribunais de origem, já que o artigo 1.030, I, ‘b’, do CPC, impõe ao presidente ou vice-presidente do Tribunal o dever de negar seguimento a esses recursos se o acórdão estiver em conformidade com entendimento exarado pelo STF no regime dos recursos repetitivos. Há precedentes nesse sentido do STF e da Corte Especial do STJ.
No caso do Tema 69, não houve determinação de suspensão dos processos versando sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A decisão pela ministra Carmen Lucia que reconheceu a repercussão geral do tema é silente a esse respeito.
Na verdade, a suspensão dessas ações havia sido determinada pelo Plenário do STF na ADC 18. Mas além de já ter perdido sua eficácia pelo decurso do prazo, a ADC 18 foi julgada prejudicada pela perda superveniente de seu objeto em razão do julgamento do RE 574.706, no qual o STF dirimiu a controvérsia em favor dos contribuintes.
Não por outro motivo, a PGFN reiterou no último dia 15/05/2020 pedido para que a Ministra Relatora suspenda em âmbito nacional todos os processos sobre o tema. Mas até o momento não houve decisão, de modo que cabe aos presidentes ou vice-presidentes dos Tribunais negar seguimento a esses recursos extraordinários se os acórdãos estiverem em conformidade com a orientação do STF.
Sabemos que a adoção dessa providência culmina no encerramento do processo, já que o artigo 1.042 do CPC impede a interposição de agravo ao tribunal superior quando se está diante de entendimento firmado no regime de repercussão geral. Mas essa realmente parece ter sido a intenção não só do legislador, mas da própria ministra relatora. Afinal, a discussão envolvendo a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins já se arrasta há mais de 20 anos.
Frise-se que essa orientação vinha sendo adotada pela atual vice-presidente do TRF da 3ª Região, ela própria relatora de diversos julgados recentes nos quais reconhece que “não há necessidade de aguardar o julgamento dos Embargos de Declaração opostos no RE 574.706/PR, uma vez que o art. 1.040, inc. II, do CPC/15 determina o sobrestamento do feito somente até a publicação do acórdão paradigma”.
Até mesmo o TRF 2ª Região, único Tribunal do país que ainda se opunha a aplicação desse entendimento, deixou recentemente de sobrestar os processos, passando a negar seguimento aos recursos, quando os embargos de declaração foram retirados da pauta de julgamento do Supremo.
Portanto, a nova orientação que vem sendo adotada pelo TRF 3ª Região é realmente passível de críticas, e não se amolda ao sistema jurídico processual brasileiro. Ao invés de contribuir para desafogar o Judiciário, o sobrestamento indevido dos processos fere a isonomia e viola a segurança jurídica, pois caminha na contramão do entendimento dos demais tribunais regionais federais do país, do STJ e do próprio STF.
*André Alves de Melo é sócio e Rodrigo Bevilaqua de Miranda Valverde advogado do escritório Cescon Barrieu.
Add new comment