Como os escritórios de advocacia olham a causa LGBT+

As organizações podem promover uma cultura minimamente diversa, tolerante e respeitosa/Pixabay
As organizações podem promover uma cultura minimamente diversa, tolerante e respeitosa/Pixabay
Discussão e valorização do tema beneficia o grupo além dos limites dos ambiente de trabalho.
Fecha de publicación: 28/06/2020
Etiquetas: Brasil

Os escritórios de advocacia full-service se tornaram grandes empresas prestadoras de serviços jurídicos, que dependem do capital intelectual de pessoas talentosas formadas em direito. Talento, como se sabe, não escolhe sexo, orientação afetivo-sexual ou identidade de gênero, raça, credo, origem familiar etc. Para que se mantenham competitivos no mercado e garantam a sua sustentabilidade no longo prazo, os escritórios precisam dos melhores talentos, quem quer que sejam eles.

 

Contudo, embora cada vez mais os ambientes jurídicos tenham profissionais mulheres, eles ainda têm uma liderança predominantemente masculina, branca, heterossexual e sem deficiência. Como torná-los mais diversos e inclusivos, de modo a atrair e reter talentos e também atender a uma demanda crescente social?

 

De acordo com relatório recentemente lançado pelo Fórum Econômico Mundial, há três razões principais pelas quais a promoção da diversidade, equidade e inclusão é um imperativo para qualquer empresa: primeiro, dar acesso e oportunidades iguais para todas as pessoas trabalharem em condições justas e equitativas é a coisa certa a se fazer; depois, há direitos humanos previstos em convenções da Organização Internacional do Trabalho, que estão refletidos em legislações nacionais, como a brasileira; e, por fim, um imperativo econômico, já que equipes diversas bem geridas têm melhor desempenho que as homogêneas.

 

Por essa razão, empresas diversas têm, de acordo com o Fórum, pelo menos 25% a mais de lucro, uma taxa 20% maior de inovação, uma habilidade 30% maior para reduzir riscos do negócio e, finalmente, um maior engajamento e retenção de todos os profissionais.

 

Em se tratando da inclusão dos profissionais LGBTQIAP+ especificamente no mercado corporativo brasileiro, é preciso levar em conta que o país ainda é majoritariamente católico e patriarcal, com papeis de gênero bastante marcados. Nesse contexto, há uma desvalorização do modo de ser LGBTQIAP+, que está relacionado por quem eles sentem afeto-sexual ou como performam suas identidades de gênero.

 

Por essa razão, profissionais LGBTQIAP+, ainda que tenham “saído do armário” para famílias e amigos, se mantêm dentro dele no ambiente de trabalho – e isso vale, ainda mais, para o ambiente jurídico, bastante tradicional. Contudo, escritórios de advocacia, como se sabe, requerem uma dedicação intensa por parte de seus advogados e advogadas.

 

O custo de não poderem ser quem são é alto tanto para os profissionais, quanto para o negócio. Por outro lado, quando saem do armário no ambiente de trabalho e têm uma vida autêntica, podendo ser quem são, há inúmeros benefícios – de novo, para o profissional e, também, para o negócio.

 

Não é à toa que se fala em orgulho LGBTQIAP+: é uma celebração poder ser quem você é e viver a vida ao seu modo, viver o amor legítimo e respeitoso, sendo, portanto, uma vida da qual devemos nos orgulhar, mesmo que, ainda hoje, haja alguma resistência cultural e também social. O que os profissionais LGBTQIAP+ precisam no ambiente de trabalho é de aceitação, de visibilidade, de uma afirmação categórica e explícita de seu modo de ser perante uma sociedade, de alguma forma, ainda a eles refratária.

 

Para promover um ambiente mais respeitoso, diverso e inclusivo nas empresas - e em escritórios de advocacia especificamente -, é preciso prestigiar o lugar de fala de profissionais LGBTQIAP+, dando-lhes voz e respeitando suas experiências e vivências, mas também trabalhar com aliados, no caso, o conjunto dos demais profissionais que são cisgêneros e heterossexuais.

 

Aliados são aqueles que têm empatia por esses profissionais e que, ainda que tenham experiências e vivências distintas das deles, valorizam o modo de ser LGBTQIAP+, reconhecendo-o como legítimo e fazendo o orgulho LGBTQIAP+ ir mais longe e chegar a lugares que não chegaria.

 

As organizações podem, em primeiro lugar, promover uma cultura minimamente diversa, tolerante e respeitosa que fará com que não se percam talentos LGBTQIAP+, beneficiando assim o negócio. Podem ir além e defender a causa da forma mais ampla possível, gerando mudanças não só no ambiente de trabalho, mas também na sociedade. Para tanto, evidentemente, é preciso o compromisso das lideranças no nível pessoal e institucional, que colocam a diversidade e a inclusão no centro da estratégia do negócio.

 

Nesse caso, além da mudança na cultura organizacional da empresa, que passa a atrair, desenvolver e reter talentos LGBTQIAP+, é preciso manifestar publicamente o apoio a essa causa, defendendo-a irrestritamente.

 

Em se tratando de escritórios de advocacia, essa defesa da causa ganha contornos ainda mais expressivos, já que podem defender a causa LGBTQIAP+ com o que fazem de melhor, ou seja, oferecer gratuitamente, sempre atendendo aos limites impostos pela OAB, a prestação de serviços jurídicos de excelência à causa, contribuindo para o acesso à Justiça da população LGBTQIAP+ ao informá-la de seus direitos e defendê-los.

 

Paralelamente, por meio de seu grupo de afinidade — composto por profissionais que têm lugar de fala e aliados, das áreas técnica e administrativa, que tem um funcionamento horizontal, em que a tomada de decisão é por consenso, e cujos participantes doam tempo e experiência — é possível produzir conteúdo relevante, participar de campanhas de comunicação, patrocinar eventos, entre outras possíveis ações.

 

Por fim, institucionalmente, os escritórios podem apoiar organizações da sociedade civil com recursos financeiros e humanos, por meio do voluntariado comum, para projetos relacionados à temática LGBTQIAP+ voltados à pesquisa, advocacy e educação em direitos humanos. Assim, além de promover o sentimento de pertencimento dos profissionais LGBTQIAP+ aos seus ambientes de trabalho, contribuirá para a redução das desigualdades sociais que afetam esse grupo específico.

 

Por fim, dois pontos importantes para as empresas e escritórios de advocacia que, de fato, defendem a causa: a importância do desenvolvimento de profissionais talentosos LGBTQIAP+ para que cresçam na carreira e possam servir de role model aos mais jovens e o reconhecimento e validação das várias identidades pertencentes ao movimento, com a adoção do termo LGBTQIAP+, e não só LGBT+.

 

Fica o convite para que outros escritórios defendam esta causa, que mais do que aumentar o lucro, promover a inovação e a atração e retenção de talentos LGBTQIAP+, atende à demanda social de reconhecimento e inclusão dessas pessoas, garantindo seus direitos humanos e liberdades fundamentais.

 

*Laura Davis Mattar é gerente de cidadania corporativa e Luiz Felipe Centeno Ferraz é sócio do escritório Mattos Filho.

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