Discurso do FED pode afetar precificação de ativos

Por que o Real continua a desvalorizar se o mundo está depreciando o dólar norte americano?/Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas
Por que o Real continua a desvalorizar se o mundo está depreciando o dólar norte americano?/Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas
Se isso acontecer, dado o nosso passado de mau pagador, passaremos a requisitar retornos maiores para investir em títulos públicos.
Fecha de publicación: 01/09/2020
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Essa pandemia tem nos ensinado muita coisa. A sermos mais pacientes, a nos renovarmos, a pensarmos mais sobre o futuro e o que importa. Parece até que alguns bancos centrais passaram a refletir mais também. O discurso do chairman do Federal Reserve (FED), Jerome Powell na conferência de Jackson Hole, localizado no estado de Wyoming (EUA), deixou evidente um novo approach da autoridade monetária dos EUA, que de certa maneira deve influenciar a precificação de vários ativos ao redor do mundo.

Mas o que aconteceu de tão importante? Uma pequena digressão rápida para compreendermos o atual cenário econômico em meio à pandemia. Com o objetivo de amenizar a combinação perversa de um choque de oferta (menor produção) e um choque de demanda (menor procura por bens e serviços), que a pandemia suscitou em várias economias no mundo, inclusive nos EUA, o FED rapidamente baixou às taxas de juros a 0.25% ao ano e aumentou a emissão monetária, ou seja, aumentou a oferta de papel moeda, como forma de estimular mais a demanda dos agentes econômicos, mesmo que em meio a uma situação de isolamento.

Para uma autoridade monetária poder aumentar a base monetária, que representa o passivo monetário do Banco Central (papel moeda em poder do público e reservas bancárias), é necessário que o ativo monetário do Banco Central (FED) também aumente, caso contrário, como aprendemos em contabilidade, o balanço não fecha.

Mas como a autoridade monetária aumenta seus ativos monetários de modo a influenciar a base monetária? Comprando títulos públicos disponíveis no mercado ou até mesmo títulos corporativos. De uma forma simplista, ao efetuar essa compra, o ativo monetário do Banco Central aumenta e para pagar por essa compra ele precisa emitir moeda (base monetária). Com mais dinheiro na praça, o objetivo é fazer com que as pessoas se sintam mais propensas a consumir e ajudar o país a sair mais rápido da recessão.

Ótimo. Receita quase perfeita. Mas há de se avaliar ou filosofar o que significa “economia”. Economia é uma ciência social que busca maximizar o bem estar da maioria da população, dada a escassez de recursos. Sim, pois recursos são finitos. Aliás, temos testemunhado fervorosos debates entre alguns acadêmicos defendendo que países como o Brasil deveriam furar o teto de gastos e gastar como se não houvesse amanhã. Afinal, “gasto é vida”.

Dois erros nessa interpretação ou nova corrente de pensamento chamada de Modern Monetary Theory (MMT):

  • Aparentemente a teoria do MMT desconsidera a premissa inicial da economia de que recursos são escassos ou finitos, dado que postulam mais aumento dos gastos do governo, mesmo que o governo não tenha recursos para isso. Ora se esse for o caso, não precisamos da ciência social chamada “economia”. Gasta-se mais, imprime-se mais assumindo a infinitude de recursos. Simples assim.
  • A teoria parece não diferenciar países desenvolvidos de países emergentes, como o Brasil, que detém histórico de calotes ou monetização da dívida pública como ocorrido nas décadas de 1970, 1980s e parte de 1990, desencadeando um cenário hiperinflacionário.

De 1980 a 1994, graças à emissão de moeda para financiar a dívida pública, e outros fatores adjacentes, a inflação no Brasil atingiu um total de 13 trilhões percentuais. Isso é calote! Sim, pois inflação é o pior imposto que existe, uma vez que ele reduz o poder aquisitivo da população.

E o que é pior: dos mais pobres, pois são eles que apresentam uma menor capacidade em se proteger da escalada inflacionária, dado que a maioria são trabalhadores informais e que também pouco sabem sobre aplicações financeiras que, se utilizadas corretamente, poderiam limitar as perdas advindas do processo inflacionário.

Mas o que isso tem a ver como os Estados Unidos? Os EUA ao emitirem moeda como forma de minimizar o impacto recessivo da pandemia estão em uma trajetória de hiperinflação? Longe disso. Mas a meta informal de inflação dos norte americanos, a qual o FED busca respeitar é de 2% ao ano.

E se avaliarmos as expectativas inflacionárias dos EUA na última semana elas já atingiram o patamar de 1.7% a 1.9%. Em condições de temperatura e pressão, já seria hora de o FED começar a parar de emitir moeda e oferecer discursos mais pró controle inflacionário.

Não obstante, o que vimos nessa semana foi um discurso proferido pelo chairman Powell, de que o FED toleraria um percentual inflacionário acima dos 2%. Ou seja, implicitamente o FED acabou por anunciar que irá continuar com sua política monetária expansionista, mesmo que o limite de 2% seja rompido.

Digressão mandada é digressão cumprida. Mas o que tudo isso tem a ver com o preço dos ativos? Vejamos: se o FED tem se mostrado mais “dovish”, o que significa que tem adotado uma postura mais flexível em relação a inflação, é de se esperar que a inflação aumente mais um pouco nos Estados Unidos, sem que a autoridade monetária do país freie seus estímulos monetários.

Como forma de se proteger de um aumento inflacionário nos EUA, alguns agentes econômicos procuram se refugiar em alguns ativos e investimentos financeiros, como o ouro e os títulos do tesouro norte-americano indexados à inflação, comumente chamados de TIPS (Treasury Inflation Protected Securities), semelhantes às nossas NTN-B.

Dessa forma, há de se esperar um aumento do preço unitário desses TIPS e um aumento do preço do ouro no mercado internacional. Por outro lado, é possível que o dólar norte americano continue a se depreciar frente às principais moedas como o Euro, a Libra Esterlina, o Franco suíço, o Dólar canadense e o Yen japonês. Nesse caso, seria meritório acompanhar a evolução do índice DXY, que mostra o desempenho do dólar norte americano frente essas principais moedas citadas. Quanto menor o DXY, mais depreciado está o dólar.

Mas e o nosso Real brasileiro? Por que continua a se depreciar se o mundo está depreciando o dólar norte americano? Ora se o mercado internacional, dada as expectativas inflacionárias nos EUA, procura outros refúgios e nem tanto o Dólar, e se o nosso Real continua depreciando frente ao Dólar, muito provavelmente problemas domésticos à nossa economia parecem ser a força motriz por traz dessa depreciação.

Qual seria essa força motriz? Informalmente, mesmo que sem avaliações econométricas, poderíamos dizer que o discurso expansionista de “fura teto” no Brasil, tão defendido pelos acadêmicos do MMT e pelo fato de o presidente Bolsonaro ter seu índice de aprovação mais alto, graças ao auxílio emergencial, não é de se espantar o receio dos agentes econômicos em relação ao abandono da tentativa de retidão fiscal para 2021 e 2022.

Se isso acontecer, dado o nosso passado de mau pagador, a curva de juros deverá se inclinar mais, o que significa que nós (previdência, seguradoras, fundos de investimentos, investidores internacionais e pessoas físicas e bancos) passaremos a requisitar retornos maiores para investir em títulos públicos, aumentando portanto o custo de oportunidade em investir nesses instrumentos financeiros e limitando o interesse dos agentes econômicos em investir na formação bruta de capital e aumento de consumo.

Esperamos que isso não aconteça, pois é exatamente isso que faria o país sair mais saudável dessa recessão: investimentos privados e consumo das famílias.

*Roberto Dumas é economista e professor do Insper e Ibmec.

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