O que esperar da era Fux no STF?

Fux é considerado como um jurista alinhado à chamada "Análise Econômica do Direito"/Nelson Jr/STF
Fux é considerado como um jurista alinhado à chamada "Análise Econômica do Direito"/Nelson Jr/STF
Ministro tomou posse essa semana.
Fecha de publicación: 08/09/2020

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Guitarrista, faixa-preta de jiu-jitsu, surfista amador na juventude, o carioca Luiz Fux, de 67 anos, assumiu nesta quinta-feira (10) a presidência do poder Judiciário no Brasil. O ministro, há nove anos na corte, substitui o paulista Dias Toffoli e cumpre mandato até 2022. 

Fux assume o cargo máximo do Judiciário em um momento de tensão entre os poderes democráticos do país. Em um cenário de pressão de aliados do Executivo contra o Supremo e de um protagonismo cada vez maior do Judiciário sobre o dia a dia da República, como deverão ser os anos Toffoli?

Uma das chaves estará no discurso de posse, na tarde desta quinta-feira, aponta Thomaz Pereira, que é professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV Direito Rio). "Da mesma maneira que o ministro Toffoli sinalizou o que esperar do seu estilo nos seus discursos antes e durante posse, este pode ser um bom indicador", afirmou, lembrando que o atual presidente se colocou, em 2018, como alguém potencialmente disposto a conciliar os poderes.

Na análise de Diego Werneck Arguelhes, que é professor associado de Direito Constitucional do Insper e que também estuda o Supremo, há expectativas equivocadas da sociedade sobre os poderes do presidente do Supremo – poderes cada vez mais limitados. "Em um tribunal onde os ministros falam quando querem para a imprensa e o poder de pauta do plenário físico foi erodido pelo plenário virtual – onde os ministros têm poder de pauta – o presidente perde poder para pautar e falar em nome da instituição", analisou Diego, que concluiu: "Acho que está na hora de repensarmos o que a gente espera de um presidente."

Fux é considerado como um jurista alinhado à chamada "análise econômica do direito", que tende a considerar os efeitos econômicos dentro de uma decisão na sociedade. Isso poderia, caso fosse aplicado, gerar impactos em uma das mais aguardadas decisões da corte em termos tributários: a conclusão do julgamento sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. 

Para o professor da FGV, apesar de Fux utilizar-se da análise em seus votos, seu poder como presidente passa a ser outro. "Em um momento de crise econômica e sanitária de impactos imensos, se considerações fiscais fossem relevantes, elas seriam relevantes no sentido de não pautar temas e processos com impacto significativo nesse momento", disse. "Por outro lado, em eventual conflito com o Executivo, é sempre importante ficar de olho. Às vezes, a sinalização de que estes processos significativos para o governo serão pautados são também um instrumento de pressão que o tribunal tem contra o governo."

Diego Arguelhes lembrou que o novo presidente foi um dos autores do novo Código de Processo Civil, promulgado em 2015 e que é conhecido como "Código Fux" – o que, em sua visão, poderia torná-lo suspeito. O professor considera que o cenário político não influenciar a pauta e as decisões da Suprema Corte seria uma ingenuidade. "Mas isso contraria a lógica da atividade judicial e o balanço total seria negativo. Não compensa o perigo e o risco que está em jogo ao criar suspeitas da sua distância, enquanto julgador, das decisões em que está se julgando".

O novo presidente também se mostrou favorável à Operação Lava Jato. No livro "Os Onze" (Companhia das Letras), que analisa o passado recente da corte, os jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber rememoram que, em novembro de 2018, quando Sérgio Moro foi escolhido para o Ministério da Justiça, Fux enviou, de Nova Iorque, direto para o Whatsapp de jornalistas que cobrem o Supremo, uma deferência considerada inédita: "Excelente nome. Imprimirá no Ministério da Justiça a sua marca indelével no combate à corrupção e na manutenção da higidez das nossas instituições democráticas". Moro abandonou o governo em abril deste ano, acusando Bolsonaro de ingerência.

E Fux já atuou em prol de interesses da Lava Jato. Em 2016, o então ministro ordenou que o pacote de medidas anticorrupção, projeto encabeçado por procuradores da Lava Jato, fosse refeito pela Câmara dos Deputados, que alterou o texto. Na época, Fux foi acusado de intervir no processo Legislativo. No início deste ano, o ministro agiu novamente de maneira monocrática ao impedir a entrada em vigor do chamado "juiz de garantias", que teria um papel distinto do juiz que julga a causa. A suspensão foi comemorada pelo então ministro Moro, que julgou casos da Lava Jato antes de assumir o governo.

A expectativa é que, ao menos na Lava Jato, a ação do novo presidente sobre processos envolvendo a investigação seja limitada. Regimentalmente, os presidentes não atuam sobre casos que estão sendo julgados nas turmas do tribunal (uma divisão mesmo física: os casos são julgados às terças, dia que o presidente do STF tradicionalmente comanda as reuniões do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ).

"Não vai haver tanta simpatia do governo e de atores ligados ao governos neste tema", lembrou Diego Werneck. A mudança do cenário político causada pela Lava Jato será um teste para a nova gestão, argumentou o professor – onde o presidente Fux deverá decidir se terá uma ação diferente do ministro Fux.

Mais filtros à corte

Para o coordenador do programa Supremo em Números da FGV, Guilherme Almeida, o momento é propício para que a corte aplique ainda mais filtros de seleção aos processos que ingressam na Suprema Corte. 

Estudo recente coletado por Almeida mostrou que nunca presidentes do Supremo decidiram tanto em decisões monocráticas – Dias Toffoli teve média de 102 decisões por dia e sua antecessora, Cármen Lúcia, 113. Aumentou também o número de recursos e agravos com decisão negativa da presidência: Toffoli negou seguimento a 48,8% dos casos.

Os estudos mostram que Fux terá, entre suas missões, a de manter a produção da corte – que decidiu, nos últimos dois anos, uma média de dez casos por dia. "Para a próxima gestão, podemos esperar que a tendência se acelere ainda mais. Só no final do mandato Toffoli implementou a automatização das análises preliminares de recursos por parte da presidência. O STF ainda não teve oportunidade de sentir seus efeitos plenamente", explica Guilherme, que é coautor dos estudos com Danilo Almeida.

O pesquisador argumenta que, com filtros mais bem ajustados à realidade do Judiciário brasileiro, esforços da Corte possam ser apontados para mais causas. "Ainda se está muito longe da maneira que a Suprema Corte norte-americana, com seu writ of certiorari, é capaz de escolher os casos que julga, 80 ou 100 por ano", comparou. "Em algum momento, sinalizou-se com mais clareza que esse era o objetivo. Isso, porém, passa pelos diferentes estímulos de presidentes, e uma redução nestes processos passa por uma reforma mais estruturante do Judiciário."

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