O Real brasileiro foi a moeda que mais depreciou em 2020. Estamos tão mal assim?

Por que o Real apanhou tanto no ano de 2020?/Fotos Públicas
Por que o Real apanhou tanto no ano de 2020?/Fotos Públicas
Neste ano a desvalorização foi de 41% frente ao Dólar norte americano e de 49% frente ao Euro.
Fecha de publicación: 13/10/2020
Etiquetas: Dólar, Euro, moedas, Economia

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Muito cuidado com o que você lê. Não, não quero levantar bandeiras cansativas contra fake news, embora esse problema tenha se tornado, em tempos de polarização e preguiçosa avaliação honesta, extremamente pernicioso para a construção de percepções e opiniões sensatas. Semana passada um grande jornal apresentou uma matéria honesta mostrando que a nossa moeda (Real brasileiro) foi a que mais sofreu depreciação. Neste ano, frente ao Dólar norte americano e ao Euro a depreciação foi de 41% e 49%, respectivamente, sendo que em consideração à média ponderada frente às moedas de nossos 61 parceiros comerciais, e de acordo com suas respectivas participações no nosso comercio exterior, o Real depreciou impressionantes 21%. 

Mas por que o Real apanhou tanto no ano de 2020? Vamos aos dados com o respeito que eles merecem. 

Poderíamos dizer que a pandemia afetou a perspectiva do nosso crescimento econômico de tal sorte que os investidores acabaram fugindo para outras moedas. No entanto, isso também aconteceu com outras, como o Peso chileno, o Peso colombiano, o Rand sul-africano, o Sol peruano, dentre outros. O outbreak da pandemia e os feitos contracionistas nas economias explicam a depreciação da nossa moeda, mas não oferecem robustez na explicação sobre o porquê de o Real brasileiro ter ficado na lanterninha em 2020. 

Apesar de outros países embarcarem em uma política fiscal expansionista objetivando minimizar os efeitos deletérios da pandemia, como o nosso coronavoucher, parece que o Brasil quer estender esses benefícios emergenciais, transformando-os em benefícios perenes, Renda Brasil, Renda Cidadã, Renda Brasil novamente, Renda Pentacampeão Mundial, pouco importando a nomenclatura, pois essas idas e vindas entre os membros da equipe econômica, fragilizando nossa confiança de que o teto de gastos será respeitado, acaba levando os agentes econômicos a buscarem maior refúgio, especialmente dado o nível da nossa Selic, que remunera títulos públicos como as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) emitidas pelo tesouro para financiar sua dívida pública em 2%. 

Não precisa ser PhD em economia, tampouco resolver um binômio de Newton para perceber que um risco fiscal maior, dado o nosso histórico precário de devedor, acaba levando os investidores a requererem maiores retornos tanto nas Letras do Tesouro Nacional (LTNs – títulos com remuneração prefixada), em Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-Bs – títulos com remuneração atrelada ao índice de inflação IPC-A), como deságios maiores na precificação das LFTs, ou simplesmente desencanarem de tudo isso e fugirem para o Dólar norte-americano. 

O atual governo brasileiro está destruindo a Amazônia e o pantanal com queimadas incontroláveis. Quem sou eu para lacrar essa afirmação? Outros países com interesses econômicos em agronegócio acabam jogando essas falácias ou não no ventilador. Ah vá? Não me diga? Quer dizer que negociações internacionais usam de retóricas falaciosas para conquistar plateias? Óbvio. E como o Brasil deveria responder? Notem, não estou defendendo a postura do país em relação às queimadas. Se o país de fato tem aumentado consideravelmente as queimadas na Amazônia, no Pantanal, ou na casa da Juma (personagem da novela Pantanal), que se explique de forma eloquente com o cérebro e calmamente com argumentos técnicos e não com as vísceras, pois é justamente isso que os nossos competidores no agronegócio (França, Irlanda, e outros países da União Europeia) mais querem. E cá entre nós, abrir a reunião anual na ONU culpando os índios brasileiros pelo aumento das queimadas só faz os nossos competidores pularem de alegria. 

Real x Dólar

Mordemos a isca todas as vezes que somos provocados. Impressionante! Se as queimadas aumentaram e nos tornamos o Nero da biodiversidade amazônica necessário que o governo explique o aumento das queimadas e sem culpar o cacique Raoni, o Leonardo di Caprio, o Hulk, o Sting, ONGs, etc. E isto porque nossas exportações, nossa imagem no exterior, nossas conversas e negociações sobre novos acordos de livre comércio dependem disso.

Atacar os nossos compradores e competidores sem oferecer explicações técnicas, fidedignas e ou planos nacionais que busquem minimizar essas queimadas nunca foi e jamais será a melhor e mais adequada resposta. Enfrentar de peito aberto jogando mais lenha na fogueira e xingando ad nauseam os interesses de outros países não melhora a nossa imagem no exterior. Continuar com essa postura defensiva agressiva apenas prejudicará nossos interesses no agronegócio, fragilizando as expectativas de maiores exportações lá na frente. 

Mas como podemos dizer que o Real brasileiro teve o pior desempenho no ano de 2020 se nossos vizinhos argentinos estão em meio a uma crise cambial, corporativa, e econômica? 

Exatamente o que havíamos alertado logo no início desse artigo. O estudo em questão avalia o desempenho das principais moedas apenas no ano de 2020. O Peso argentino durante os anos de 2019 e 2020 depreciou mais de 100% e nesse ano apresentou um desempenho “menos pior” que o do Real brasileiro, o que de forma alguma quer dizer que a economia argentina está melhor que a nossa, mas apenas que a moeda de los hermanos já vem apanhando no mercado internacional há mais tempo. 

Enfim, de qualquer maneira, e mesmo levando em consideração todas as explicações que suavizem ou que coloquem mais o dedo na ferida, há de se constatar o óbvio: a nossa moeda não anda lá essas coisas e não há nada que se possa fazer quanto ao seu desempenho, ou ainda quanto à curva de juros, pois ambos funcionam apenas como um termômetro que mostra a percepção de risco que tanto os investidores domésticos quanto os internacionais conferem em relação à nossa nação e ao nosso futuro econômico.

*Roberto Dumas é economista e professor do Insper e do Ibmec.

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