"Não há tema que não deva ser enfrentado: se é sensível, mais um motivo para se posicionar"

Carlos Harten
Carlos Harten
Carlos Harten, CEO do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia, fala sobre as mudanças da indústria jurídica na região Nordeste e o ambiente brasileiro na área de seguros.
Fecha de publicación: 26/11/2020

Ele é sócio-diretor de uma das principais firmas da região Nordeste do país, o escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia. O escritório tem sede em cinco capitais da região: Recife, Salvador, Fortaleza, João Pessoa e São Luís, além de Manaus na região Norte.

Carlos Harten é especializado na área de contencioso, presidente da Comissão Nacional de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e também é autor de vários livros e artigos na área.

Em uma conversa com LexLatin, o advogado falou sobre as mudanças da indústria jurídica na região, as inovações tecnológicas que trouxeram mais agilidade ao setor, os desafios do contencioso - uma de suas áreas de especialidade - durante e pós-pandemia e sobre o ambiente brasileiro na área de seguros e resseguros neste momento de imprevisibilidade.

Quais são os desafios que a pandemia trouxe para o escritório?

Nossa opção logo no início foi cuidar das pessoas, dar conforto total e proteção sanitária para que todos conseguissem ir rapidamente para casa e ficassem ao lado de sua família.

Nunca tínhamos testado nossa estrutura tecnológica de trabalho remoto e fizemos com quase 700 pessoas em pouco mais de dois dias. Ao longo desse período investimos imensamente em comunicação. Temos um modelo de gestão altamente descentralizado, com muitos líderes com voz e liberdade para tomada de decisão e um alinhamento cultural de princípios e valores comuns.

E isso facilita com que este centro de decisão esteja muito perto da ponta, não centralizado num CEO ou num comitê diretivo. Há poucos líderes que têm essa posição e que facilitam o diálogo na tomada de decisão.

Tivemos ainda uma imensa preocupação com a geração de caixa. Começamos a enfrentar a pandemia com um caixa já bastante robusto - faz parte da nossa gestão financeira essa estabilidade nas operações - o que deu muito conforto para enfrentar esse período.

Como foi administrar seis sedes nesse momento?

O primeiro desafio foi regionalizar as tomadas de decisão, tanto dos atos normativos das respectivas cidades como dos governos dos estados. Com base nisso, decidimos o momento de fechamento e de abertura e de retomada conforme a cidade.

Um segundo desafio foi o de estrutura tecnológica. Nós temos aqui no Norte e Nordeste uma penetração de internet muito abaixo de outras regiões. A gente brinca que onde tem um poste de luz e um ponto de internet pode ter uma ação judicial.

Isso é algo que já enfrentamos há muito tempo e que tivemos apenas um aumento de dificultadores por conta do aumento da necessidade de atuação digital.

Falando um pouco da sua área, contencioso, teremos mais disputas durante e depois da pandemia?

Talvez tenha sido esse o setor mais impactado pela pandemia, que terá uma profunda modificação. As ações em trâmite em todas as esferas cíveis trabalhistas e fiscais neste período, em comparação ao mesmo período de 2019, chegaram a ter até uma queda de 50% no número de novas ações, em parte pela atuação dos tribunais e parte pela dificuldade dos autores de fazerem a proposição de demandas.

Além dessa diminuição, as ferramentas que já vinham sendo utilizadas para meios de solução extrajudicial de conflitos passaram a ser mais usadas, como mediação e conciliação online ou soluções extrajudiciais. Eu vejo possibilidade de manutenção em linhas gerais de uma margem de diminuição dos conflitos postos ao Judiciário.

Houve grande expectativa de que haveria uma altíssima litigiosidade buscando revisões contratuais, mas isso não aconteceu por várias razões: desde a lei editada do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado, que esclareceu alguns pontos de controvérsia, ou seja, porque o Judiciário se conduziu de uma forma a impedir abusos e não foi o fomentador para algumas atitudes oportunistas.

Nós estamos falando agora de processo 100% digital para o futuro, independente da impossibilidade técnica de acessar o tribunal. Eu vejo isso como um avanço incrível, derruba barreiras geográficas, oficializa a possibilidade de um advogado de Pernambuco entrar em São Paulo e vice-versa. É uma grande forma de diminuir os custos e entraves e das burocracias cartorárias e de fazer deslocamentos.

Vejo como uma oportunidade e como um desafio a necessidade de adaptação de todo o mercado de contencioso, uma oportunidade nunca vista. E acredito que seja um caminho sem volta.

O home office entrou na cultura do mundo jurídico?

Não digo que entrou na cultura, mas várias pessoas tiveram oportunidade de interagir com estes meios de solução extrajudicial e viram a eficiência. Ainda temos uma baixa penetração de temas resolvidos por este caminho, mas há um aumento exponencial em comparação ao período pré-pandemia.

Você é presidente da Comissão Nacional de Direito Securitário.  O que mudou nesse setor em 2020?

O setor de seguros, sob o ponto de vista econômico, é extremamente resiliente. Ele já vinha nos últimos anos numa marcha de crescimento bem descolada dos demais índices. No ano passado, o setor cresceu mais de 12%, quando tivemos um crescimento da economia ao redor de 1%.

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Em 2020 fechamos o primeiro semestre com uma queda em torno de 4%, mas já com uma forte retomada no segundo semestre. E há uma expectativa de, no final do ano, fechar 2020 ou com uma repetição de 2019 ou até com um leve crescimento, muito impulsionado pelo setor de saúde e também pelo setor de vida e seguro de danos.

Mas algumas linhas são ligadas ao setor econômico. Quando vemos queda nas vendas de automóveis, o seguro de carros vai vender menos. O setor imobiliário é a mesma coisa.

Alguns itens preocuparam o setor, principalmente olhando o que vinha acontecendo fora do Brasil, com o aumento de sinistralidade nos ramos vida e dos business interruption, a interrupção de negócios ou lucros cessantes. Esse seguro estabelece ou não a obrigação das seguradoras indenizarem determinadas paralisações de atividade causadas por estes atos estatais que foram emitidos por determinação de isolamento ou lockdown.

Aqui no Brasil acredito que o impacto não será tão relevante, porque a grande maioria das apólices estabelece que, para haver este tipo de garantia, precisaria estar atrelada a um gatilho associado à existência de um dano físico. Um exemplo é se houver um incêndio ou desmoronamento que pode gerar o pagamento da apólice, mas não há uma previsão explícita como regra da indenização decorrente de uma mera paralisação por determinação de autoridade, ou seja, sem danos físicos.

Nos seguros de vida, a imensa maioria ou totalidade das seguradoras que atuam no Brasil anunciaram publicamente que, mesmo havendo a previsão nas suas apólices de exclusão de cobertura para casos decorrentes de pandemia ou vírus, não vão opor essa exceção, ou seja, vão liquidar. Havendo falecimento decorrente da pandemia e do vírus vão fazer o pagamento.

Temos ainda o crescimento do número de casos de pedidos de sinistros para o seguro locatício, para o caso de inadimplência do locatário. Então nessa área certamente haverá um aumento de sinistralidade, com o pagamento das apólices pelas seguradoras.

Tivemos o caso do ataque hacker ao STJ, um problema a ser enfrentado pelos principais tribunais brasileiros. O quanto esse episódio liga o alerta para os escritórios de advocacia?

Acho que liga o farol amarelo, estão todos  muito atentos. O caso do STJ é extremamente emblemático. É o segundo o tribunal mais importante do país e o maior tribunal em volume depois do Tribunal de Justiça de São Paulo. Então o meio jurídico sentiu os efeitos imediatos,  por que todos precisam acompanhar processos, fazer consultas. Eles estão ai há semanas com dificuldade operacional e todos sentiram os efeitos desse impacto.

Não foi apenas o STJ, aconteceu com  outros tribunais em menores proporções. Vários escritórios também sofreram ataques. Muitos já vinham no processo de sofisticação de sua segurança em virtude da concretização da LGPD, então já vinha em processo de evolução e isso me parece que talvez vá acelerar esses processos de revisão de segurança e implementação.

O quanto que o ambiente político atual ajuda ou prejudica os negócios no nosso país?

É completamente interligado, porque a política dita a pauta econômica, que pode funcionar como um ambiente de estímulo e desestímulo do investimento. Estamos todos ansiosos por um estado desburocratizado, facilitador do investidor e impulsionador do negócio. Quanto mais segurança, mais estabilidade e previsibilidade das operações negociais melhor o estímulo para que o investidor corra riscos e esse investimento é sempre a principal mola propulsora da economia.

Como está a discussão da diversidade aí na região?

Eu diria que ainda não tem a penetração que deveria ter no Nordeste. O escritório,  na sua concepção, é absolutamente diverso em todos os aspectos. E isso foi algo totalmente natural no ponto de vista, por exemplo, do empoderamento feminino. Hoje a maioria dos nossos sócios diretores são mulheres.

Sempre foi algo tão natural e não fizemos tanto alarde em cima disso. Temos uma posição de liderança na região, reconhecida pelo mercado, por vários empresários. Essa posição carrega consigo obrigações. Quando demos conta disso resolvemos sim divulgar nosso programa de diversidade para servir como eventual exemplo para os demais, para poder mostrar que existe um norte. Diria ainda que não é uma bandeira escancaradamente levantada na região e decidimos levantá-la não apenas para poder servir de exemplo para os demais, mas para melhorar o nosso programa de diversidade.

Vimos que havia situações que poderíamos fazer mais e melhor, por exemplo, na parte de orientação e indicação. Somos uma equipe muito jovem, são pessoas de primeiro emprego. Gostamos disso,  de fazer a formação inicial do time e participar da formação técnica dele, faz parte do nosso DNA desenvolver pessoas.

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Resolvemos fazer também o desenvolvimento de uma política de diversidade para todos os nossos steakholders (grupos de interesse) e lançamos no meio da pandemia, agora em junho/julho o QCA+, que é o programa de diversidade do escritório. Estou muito orgulhoso do trabalho que o nosso time fez, algo que permitiu que déssemos um salto qualitativo. 

A questão racial e LGBTQIA+ é discutida ou é algo mais complicado aí na região?

Não há tema que não deva ser enfrentado: se é sensível, mais um motivo para que a gente avalie e se posicione, que oriente. Nosso programa fala de questões de orientação sexual, raça e identidade de gênero. No lançamento do programa, convidamos expoentes da região para poder debater conosco e nos ajudar a levantar todos os temas sensíveis e dar um salto à frente.

O que o Carlos Harten, sócio do Queiroz Cavalcanti, contribui para o mercado brasileiro?

A melhor contribuição é formar ou ajudar a formar equipes diferenciadas, pessoas com capacidade de atuação multidisciplinar, que em geral são melhores do que eu, com habilidades que não tenho. A maior contribuição minha deve ser de formar boas equipes e boas pessoas com alinhamento cultural e com multi-habilidades.

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