Instituída a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil

A implementação de projetos e incentivos para reduzir a exploração desenfreada do meio ambiente são necessárias e urgentes/Ibama
A implementação de projetos e incentivos para reduzir a exploração desenfreada do meio ambiente são necessárias e urgentes/Ibama
Norma representa um passo importante na busca por práticas mais sustentáveis.
Fecha de publicación: 08/02/2021

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Em 13 de janeiro de 2021 foi publicada a Lei nº 14.119, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) a ser gerida pelo órgão central do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) com a finalidade de promover incentivos à proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável no Brasil.

Desde que preenchidos os critérios de elegibilidade aplicáveis, o diploma legal faculta  às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, grupo familiar ou comunitário que mantenham, recuperem ou melhorem as condições ambientais dos ecossistemas (provedores de serviços ambientais) que recebam pagamento a ser efetuado pelo poder público, de organizações da sociedade civil ou de agentes privados, pessoas físicas ou jurídicas, de âmbito nacional ou internacional (pagadores de serviços ambientais).

 

Esse pagamento poderá ser realizado nas modalidades: pagamento direto, monetário ou não monetário; prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; títulos verdes (green bonds); comodato ou Cota de Reserva Ambiental (CRA), entre outras que venham a ser estabelecidas por ato normativo competente.

 

A PNPSA foi instituída tomando por base objetivos de proteção ambiental que se encontram relacionados no artigo 4º da lei, entre os quais destacamos: orientar a atuação dos pagadores de serviços ambientais; estimular a conservação dos ecossistemas, dos recursos hídricos, do solo, da biodiversidade e do patrimônio genético; contribuir para a regulação do clima e a redução de emissões decorrentes de desmatamento e degradação florestal; incentivar a criação de um mercado de serviços ambientais e fomentar o desenvolvimento sustentável, entre outros.

Entre outras premissas constantes do artigo 5º da lei, cabe destacar que a PNPSA se encontra pautada nos princípios do provedor-recebedor, que busca conferir incentivos àqueles que protegem o meio ambiente, bem como do usuário-pagador, que visa a impor contribuição àqueles que se utilizam de recursos ambientais com fins econômicos.

 


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Assim, o ecossistema gera inúmeros benefícios fundamentais à sociedade (serviços ecossistêmicos), tais como o fornecimento de bens ou produtos que são utilizados para consumo ou comercialização, além da manutenção da perenidade da vida na Terra e estabilidade dos processos ecossistêmicos, bem como recreação, turismo, identidade cultural, entre outros, os quais pressupõem a existência de um meio ambiente íntegro e preservado.

 

O Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais

 

Com a finalidade de implementar a nova política, o artigo 6º da Lei da PNPSA instituiu o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (Programa Federal), efetivando o pagamento por serviços ambientais no âmbito da União em contrapartida a certas ações de manutenção, recuperação ou melhoria da cobertura vegetal nas áreas prioritárias para a conservação, de combate à fragmentação de habitats e de formação de corredores de biodiversidade e de conservação dos recursos hídricos, entre outras que possam vir a ser identificadas.

 

Deverão ser prioritariamente contratados para integrar o Programa Federal as comunidades tradicionais, os povos indígenas, os agricultores familiares e os empreendedores familiares rurais, devendo as parcerias ser preferencialmente firmadas com cooperativas, associações civis e outras formas associativas que confiram maior escala às ações protetivas. Por outro lado, não serão elegíveis quaisquer pessoas físicas e jurídicas inadimplentes em relação a termos de ajustamento de conduta ou de compromissos previamente celebrados com os órgãos competentes, ou áreas embargadas pelos órgãos do Sisnama.

Os seguintes requisitos deverão ser cumpridos para que se possa aderir ao Programa Federal: enquadramento em uma das ações definidas para o programa; inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), conforme aplicável e  formalização de contrato específico (podendo ser firmado por termo de adesão, na forma de regulamento), entre outros estabelecidos em regulamento próprio.

No que tange ao financiamento do Programa Federal, poderão ser captados recursos de pessoas físicas e jurídicas de direito privado e agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, preferencialmente sob a forma de doações ou sem ônus para o Tesouro Nacional.

Nos termos do artigo 7º da Lei da PNPSA, o Programa Federal compreenderá ações voltadas à: conservação e recuperação da vegetação nativa, da vida silvestre e do ambiente natural em áreas rurais, notadamente aquelas de elevada diversidade biológica, de importância para a formação de corredores de biodiversidade ou reconhecidas como prioritárias para a conservação da biodiversidade; conservação de remanescentes vegetais em áreas urbanas e periurbanas de importância para a manutenção e a melhoria da qualidade do ar, dos recursos hídricos e do bem-estar da população e para a formação de corredores ecológicos.

Além disso, também dispõe sobre a conservação e melhoria da quantidade e da qualidade da água, especialmente em bacias hidrográficas com cobertura vegetal crítica importantes para o abastecimento humano e para a dessedentação animal ou em áreas sujeitas a risco de desastre; conservação de paisagens de grande beleza cênica; recuperação e recomposição da cobertura vegetal nativa de áreas degradadas, por meio do plantio de espécies nativas ou por sistema agroflorestal; manejo sustentável de sistemas agrícolas, agroflorestais e agrossilvopastoris que contribuam para captura e retenção de carbono e conservação do solo, da água e da biodiversidade e manutenção das áreas cobertas por vegetação nativa que seriam passíveis de autorização de supressão para uso alternativo do solo.

Poderão ser objeto do programa federal: áreas cobertas com vegetação nativa; áreas sujeitas à restauração ecossistêmica, a recuperação da cobertura vegetal nativa ou a plantio agroflorestal; unidades de conservação de proteção integral, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, conforme estabelecido pela Lei nº 9.985/00; terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais, observada legislação específica; paisagens de grande beleza cênica, prioritariamente em áreas especiais de interesse turístico; áreas de exclusão de pesca e áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade definidas pelo poder público.

No que tange a imóveis privados, a elegibilidade para provimento dos serviços ambientais dependerá da inscrição no CAR, conforme aplicável, quando se tratar de imóvel rural ou da conformidade com o plano diretor, quando se tratar de imóvel urbano, sendo admitida a elegibilidade das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e áreas das zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos cobertas por vegetação nativa.

As áreas sob limitação administrativa (tais como áreas de preservação permanente e reserva legal), por seu turno, serão elegíveis para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos, que deverão ser preferencialmente destinados às áreas localizadas em bacias hidrográficas críticas para o abastecimento público de água ou áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou fragmentação.

O poder público deve ainda fomentar a assistência técnica e a capacitação para a promoção dos serviços ambientais, auxiliando na definição da métrica de valoração, validação, monitoramento, verificação e certificação aplicáveis, devendo o órgão central do Sisnama publicar as metodologias que darão suporte à assistência técnica.

Cumpre mencionar que a redação preliminar do artigo 15 da lei – objeto de veto presidencial – pretendia instituir um órgão colegiado não remunerado com competência para gerir e monitorar o Programa Federal, a ser composto de forma paritária por representantes do poder público, do setor produtivo e da sociedade civil. A proposta foi vetada sob o argumento de haver inconstitucionalidade formal do dispositivo perante o artigo 61, parágrafo 1º, II, "e" da Constituição Federal, que determina ser de iniciativa privativa do Presidente da República a propositura de leis que visem a criar órgãos da administração pública, dado que o projeto de lei foi apresentado pelo Deputado Rubens Bueno (PPS-PR).

Adicionalmente, a redação original do artigo 8º, parágrafo primeiro da lei, também foi objeto de veto presidencial, a qual determinava a obrigatoriedade ao  órgão ambiental de aplicar os recursos provenientes do pagamento por serviços ambientais pela conservação de vegetação nativa em unidade de conservação em certas atividades protetivas vinculadas à própria unidade, algo que foi julgado contrário ao interesse púbico por vincular o destino da receita a ser auferida e enrijecer a flexibilidade orçamentária-financeira do poder público.

Contrato de Pagamento por Serviços Ambientais

 

O artigo 12 da Lei da PNPSA estabeleceu que deverão necessariamente constar do contrato de pagamento por serviços ambientais cada uma das seguintes cláusulas: direitos e obrigações do provedor, incluindo as ações de manutenção, de recuperação e de melhoria ambiental do ecossistema por ele assumidas e os critérios e os indicadores da qualidade dos serviços ambientais prestados; direitos e obrigações do pagador, incluindo as formas, as condições e os prazos relativos à fiscalização e ao monitoramento e condições de acesso, pelo poder público, à área objeto do contrato e aos dados envolvidos nas ações protetivas assumidas pelo provedor, em condições previamente pactuadas e respeitado o sigilo.

 

O contrato poderá ser vinculado aos imóveis rurais por meio da constituição de servidão ambiental, e, adicionalmente, o artigo 22 da Lei da PNPSA estabeleceu que as obrigações contratuais referentes à conservação ou restauração da vegetação nativa em imóveis particulares, ou à adoção ou manutenção de determinadas práticas agrícolas, agroflorestais ou agrossilvopastoris, serão dotadas de natureza propter rem, devendo o eventual adquirente do imóvel cumprir com as condições avençadas.

 

Ainda, nos termos das redações preliminares dos artigos 13 e 16 da lei, os contratos em tela deveriam ser registrados no Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA), o qual seria responsável por unificar as informações encaminhadas pelos órgãos da administração pública e pelas organizações não governamentais no âmbito do Programa Federal.

No entanto, esses dispositivos foram vetados sob o argumento de não terem sido apresentadas as estimativas de impacto financeiro-orçamentário aplicáveis, tendo sido ressaltada, adicionalmente, a existência da iniciativa em andamento de registro e integração de dados de projetos de serviços ambientais prevista pela Portaria 288 de 2020 do Ministério do Meio Ambiente (responsável por instituir o Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais – Floresta+), o que seria suficiente para minimizar eventuais prejuízos decorrentes do veto em questão.

Restou previsto que o poder público contará com a prerrogativa de fiscalizar os contratos de pagamento por serviços ambientais que envolvam recursos públicos, sendo permitido que os serviços ambientais sejam submetidos à validação de entidade tecnocientífica independente, observada a forma disposta em regulamento.

Para garantir a eficácia da Lei da PNPSA, a União poderá firmar convênios com entes da administração pública direta e demais entidades de direito público, bem como termos de parceria com entidades que possuam qualificação de organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

As receitas oriundas da cobrança pelo uso dos recursos hídricos no âmbito da Política Nacional de Recursos Hídricos poderão ser destinadas a ações de pagamento por serviços ambientais que promovam a conservação e a melhoria da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos, a partir de decisão do comitê da bacia hidrográfica.

Por fim, cumpre mencionar que os incentivos que haviam sido instituídos nos artigos 17 e 18 da lei também foram objeto de veto presidencial. Inicialmente, a proposta era de que os valores recebidos a título de pagamento por serviços ambientais não integrassem a base de cálculo do IRPF, do IRPJ, da CSLL, da contribuição do PIS/PASEP e da Cofins no caso de contratos firmados com o poder público ou registrados no CNPSA, se firmados entre particulares.

Neste caso, o veto pautou-se na violação ao princípio da tributação segundo a capacidade econômica do contribuinte, previsto no artigo 150, II da Constituição Federal, além da afronta ao interesse público em razão da renúncia de receita, sem prazo de vigência que possibilitasse sua reavaliação e sem que houvessem sido apresentadas as estimativas de impacto econômico-financeiro aplicáveis.

A exploração incessante dos ecossistemas brasileiros tem avançado agressiva e desenfreadamente ao longo dos anos. O desmatamento da Amazônia Legal atingiu 11.088km2 no período compreendido entre agosto de 2019 e julho de 2020, representando um aumento de 9,5%, de acordo com os dados oficiais divulgados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia Legal (PRODES), no âmbito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

 

Embora a natureza tenha se demonstrado extremamente resiliente, a destruição dos biomas prejudica o equilíbrio das condições que permitem a sobrevivência de diversas espécies na Terra, podendo causar danos irreversíveis. A edição de leis e a implementação de projetos e incentivos que visem a reduzir a exploração desenfreada do meio ambiente são necessárias e urgentes.

 

Assim, a PNPSA representa um passo importante na busca por práticas mais sustentáveis, sendo indispensável que essa seja sucedida por outras iniciativas e esforços individuais e coletivos direcionados a uma mais adequada proteção dos ecossistemas brasileiros.

 

*Marcos Chaves Ladeira é sócio do Pinheiro Neto Advogados.


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