O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que fixa multa de 10 a 100 salários mínimos para o advogado que abandonar o processo sob sua responsabilidade. Na sessão virtual, concluída em 4 de agosto, o Plenário julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4398, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a alteração no artigo 265 do CPP promovida pela Lei 11.719/2008, que prevê a aplicação da multa.
Prevaleceu o entendimento de que a aplicação da multa é um meio razoável de evitar o comportamento prejudicial à administração da Justiça e ao direito de defesa do réu, tendo em vista a imprescindibilidade da atuação do advogado para o regular andamento do processo penal.
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Segundo a ministra Cármen Lúcia, o texto constitucional (artigo 133) reconhece no advogado uma figura indispensável para a administração da Justiça e o Estatuto da Advocacia reconhece que ele presta serviço público e exerce função social. Na sua avaliação, essa função é ainda mais relevante no processo penal, que pode resultar na privação da liberdade do cliente.
Os ministros entenderam, com base na Constituição, que o advogado é essencial à Justiça e só deve deixar o caso quando "substabelecer o mandato" a outro colega. A decisão provocou uma discussão sobre a restrição de liberdade do advogado de decidir se quer advogar ou não em um processo penal.
"O fundamento contundente em favor da inconstitucionalidade do artigo 265, do CPP, é o fato de que ali se estabelece sanção sem processo. A sanção para abandono de causa indevida consiste em censura e até mesmo suspensão, em caso de reincidência”, afirma Fernanda Tórtima, sócia do Bidino & Tórtima Advogados e ex-Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ.
Para Daniel Gerber, advogado criminalista, é correta a multa por abandono de causa, desde que a interpretação do que se denomina “abandono” seja restritiva. “Se a advocacia está como serviço essencial à sociedade, inclusive com espaço próprio na Constituição, sem dúvida, deve, também, entender e arcar com os ônus de tal destaque”, diz.
Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados, explica que nos termos do art. 45 do Código de Processo Civil, o advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, provando que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto. “Durante os 10 dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo”, afirma.
Para Marcelo Leal, advogado criminalista e sócio de Marcelo Leal Advogados, a decisão do Supremo contraria o disposto no inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal, que estabelece que ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’.
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“O advogado é essencial à administração da Justiça, mas isso não lhe pode trazer um ônus limitador de sua liberdade de atuação, liberdade essa que não simplesmente o protege, mas, antes, garante a boa defesa do cidadão no processo penal”.
Almino Afonso Fernandes, advogado constitucionalista e sócio do escritório Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados, classifica a decisão como ingerência no livre exercício da advocacia. “A advocacia é uma profissão independente e autônoma, não se sujeitando a qualquer controle jurisdicional, sendo somente submetida ao escrutínio da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, tal decisão fere de morte o livre exercício profissional, consagrado pela Constituição e garantido pelo Estatuto da Advocacia", analisa.
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