Banco pode debitar da conta valor mínimo de fatura atrasada, diz STJ

Se não houver saldo, o contrato prevê a possibilidade de o débito ser feito de forma parcelada/Unsplash
Se não houver saldo, o contrato prevê a possibilidade de o débito ser feito de forma parcelada/Unsplash
Tribunal reconhece legalidade de cláusula contratual estipulada pelo banco ou financeira.
Fecha de publicación: 24/06/2021

A 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora ou financeira, em caso de inadimplência, a debitar da conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura. A conclusão ocorreu no julgamento do Recurso Especial 1.626.997/RJ.

Segundo o relator, ministro Marco Buzzi, “o contrato de emissão e utilização do cartão de crédito traz entre as suas cláusulas – em caso de não pagamento da fatura na data de seu vencimento ou cancelamento do cartão por inadimplemento – autorização para que o emissor do cartão possa debitar da conta corrente do titular do cartão o valor mínimo correspondente aos gastos por ele efetuados, caso haja saldo para tanto”.

Se não houver saldo, o contrato prevê a possibilidade de o débito ser feito de forma parcelada, de acordo com o saldo existente na conta do titular, até que atinja o valor do débito mínimo, ou dos gastos totais.


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“A prática do pagamento mínimo, como opção do titular do cartão, já era reconhecida como válida pelo Banco Central do Brasil desde a edição da Resolução nº 3.919/2010”, explica Rodrigo Pereira Cuano, especialista em direito processual civil e reestruturação e recuperação de empresas do escritório Reis Advogados. “No entanto, mesmo com a regulamentação, diversas ações foram propostas questionando a legalidade dessa disposição”, afirma.

Para Cuano, o STJ considerou a liberdade de contratar, entendendo que a hipótese de débito do valor mínimo constitui uma das condições para que se conceda crédito aos titulares do cartão. “Isso possibilita a eles o abatimento parcial do quanto devido e não adimplido. Trata-se, portanto, de uma espécie de garantia à continuidade do ajuste estabelecido entre as partes”, analisa o advogado.

Laura de Almeida Machado, sócia de Chenut Oliveira Santiago Advogados e advogada especialista em contencioso cível empresarial e consumerista, explica que a jurisprudência sobre o tema não é pacificada, mas muitos tribunais entendiam pela abusividade da cláusula e determinavam que a instituição financeira procedesse à devolução em dobro do valor descontado.

Em outras situações, os tribunais entendiam pela necessidade de estorno da quantia debitada e dos encargos contratuais, especialmente quando não havia saldo disponível na conta corrente e o cliente acabava entrando no cheque especial diante do débito realizado pela instituição financeira.

“A recente decisão do STJ é válida apenas para as partes do processo em questão e ainda é passível de recurso. Todavia, certamente será utilizada pelas instituições financeiras para defender a legalidade da cláusula. Ressalte-se, ainda, que esta decisão vai ao encontro do entendimento do Banco Central, que desde 2010 legitimou a prática do pagamento mínimo, com o intuito de incentivar o uso racional do cartão de crédito”, afirmou.

Wilson Sales Belchior, sócio do RMS Advogados e conselheiro federal da OAB, acredita que é positiva essa compreensão do STJ de que é “inviável falar na necessidade de devolução (em dobro)” quando a operação estiver expressamente autorizada pelas cláusulas contratuais.

“Conferiu-se efetividade à competência regulamentar do Banco Central e aos princípios da autonomia da vontade e da segurança jurídica, considerando os atos normativos que já reconheciam a validade do pagamento mínimo da fatura como uma opção do titular.  A decisão do STJ impacta positivamente o mercado de crédito ao reconhecer que o débito do valor mínimo é ‘uma espécie de garantia à continuidade’ do contrato de cartão de crédito, não podendo ser considerado como abusivo”, afirmou.

Assim, o Tribunal entendeu que a cláusula não é abusiva, já que tal ajuste não ofenderia o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar. Segundo o STJ, também não viola o equilíbrio contratual ou a boa-fé, por constituir mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes.

“A decisão do STJ visa garantir a continuidade do acordo que foi estabelecido entre as partes, quando da assinatura do contrato de cartão de crédito”, afirma Laura Morganti, coordenadora do Comitê de Relações de Consumo do Ibrac. Para a especialista, a medida, que já era regulamentada pelo Banco Central, não fere o direito do consumidor, já que “o débito do valor mínimo da fatura inadimplida é prevista no contrato assinado para a efetivação do serviço de crédito”. A decisão consolida, assim, a jurisprudência do STJ nesse mesmo sentido, garantindo a igualdade de tratamento das partes que deliberadamente assinaram o contrato.


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Mas nem todos defendem a decisão do STJ. Amanda Oliveira Falcão, advogada do Diamantino Advogados Associados, discorda do acordão em relação à autonomia de vontade do consumidor.

“Acredito ser questionável sim a sua violação, pois impõe uma obrigação ao cliente a efetuar o pagamento do valor mínimo. No que tange ao equilíbrio contratual e a boa-fé, concordo com a decisão de primeiro grau do TJ Paulista, entendo que a prática coloca o consumidor em desvantagem, em situação incompatível com a boa-fé e a equidade, vez que o pagamento mínimo pode se tornar excessivamente oneroso ao consumidor, ainda mais no atual momento econômico que estamos vivendo. A partir desse entendimento do STJ acredito que o valor mínimo deixa de ser uma opção e passa a ser uma obrigatoriedade, assim totalmente incompatível com o artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor”, explica.

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