O novo crime de perseguição (stalking) no Código Penal

Resta aguardar e observar se os efeitos pretendidos para a nova tipificação penal serão atingidos/Pixabay
Resta aguardar e observar se os efeitos pretendidos para a nova tipificação penal serão atingidos/Pixabay
Perseguir significa atormentar, aborrecer, torturar, ameaçar e até mesmo infligir violência.
Fecha de publicación: 15/04/2021

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 Em 1º de abril a Lei nº 14.132/2021 foi publicada no Diário Oficial da União. Ela altera o Código Penal para incluir o art. 147-A, que tipifica o crime de perseguição e prevê pena-base de seis meses a dois anos de reclusão e multa.

O novo tipo penal tem a seguinte redação: “Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa[...]”.


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Perseguir significa atormentar, aborrecer, torturar, ameaçar e até mesmo infligir violência. A perseguição, também conhecida como stalking, conforme consta na legislação norte-americana, foi criminalizada com o objetivo de oferecer proteção às pessoas prejudicadas por tal conduta. 

A inclusão do art. 147-A no Código foi claramente impulsionada por uma necessidade identificada pelo legislador de endereçar de forma mais direta, e também rigorosa, um tipo de comportamento reprovável que, um quarto de século após a edição da Lei Maria da Penha, ainda carecia de tratamento específico na seara penal. 

Isso porque, em regra, a vítima desse tipo de conduta costuma ser a mulher. Precisamente por este motivo o legislador incluiu causa de aumento de pena quando a conduta é praticada pela condição de mulher da vítima – o mesmo requisito exigido para a configuração do feminicídio, bem como em situação de violência doméstica. 

Ainda que não haja impedimento para que um homem se veja vítima do novo crime, é indiscutível que o modus operandi descrito no caput do art. 147-A é antigo conhecido das mulheres. Muitas vezes, a dita perseguição é mais um dos repugnantes desdobramentos de uma noção desviada de posse e controle que homens projetam sobre suas companheiras durante ou após relacionamentos afetivos, transmudando-se em odioso mecanismo de controle psicológico ou até concreto das relações, interesses e atividades alheias. 

Entre as diversas táticas utilizadas no contexto da perseguição, estão as inúmeras formas de tentar contato, seja através de várias ligações ou envio de mensagens, até mapear a rotina da vítima e empenhar-se em frequentar os mesmos espaços, seja de trabalho ou de lazer, com o objetivo de forçar encontros com a vítima para constrangê-la, sempre de forma inconveniente, não consensual e visando agredir psicologicamente a vítima. 

Porém, a conduta não fica restrita à modalidade presencial, sendo também muito comum a prática do cyberstalking, onde a perseguição ocorre por meio da internet. Esta modalidade virtual de perseguição se pode concretizar através de diversas condutas: seja mandando diversas mensagens eletrônicas, criando perfis fakes nas redes sociais para mandar recados insistentemente ou forçar convites, etc, ou seja: fazer-se presente virtualmente, de forma incessante, nos mesmos espaços que a vítima. 

Por estar inserido no Capítulo VI – dos crimes contra a liberdade individual, o objeto jurídico tutelado é a liberdade da pessoa humana. O sujeito passivo é a vítima que sofre a perseguição. 

O crime é bicomum: tanto o sujeito ativo quanto o passivo podem ser qualquer pessoa. No entanto, parágrafo 1º do art. 147-A, o legislador previu causa de aumento de pena pela metade nas hipóteses em que o sujeito passivo possua características especiais: seja criança, adolescente ou idoso (inciso I) ou seja mulher, caso seja praticado por razões da condição de sexo feminino (inciso II). O parágrafo 1º ainda prevê aumento de pena na mesma razão em caso de concurso de duas ou mais pessoas ou de emprego de arma de fogo (inciso III). 

O elemento subjetivo é o dolo. Não há previsão da modalidade culposa e, por tratar-se de crime habitual, a consumação ocorre quando o sujeito passa a perseguir a vítima de modo obsessivo e reiterado. 

Posto que a pena prevista não ultrapassa dois anos, é possível aplicar os institutos previstos na Lei nº 9.099/95, de modo que o crime de perseguição, quando ausentes os casos de aumento de pena, é uma infração de menor potencial ofensivo. Dessa forma, é possível a realização de transação penal e suspensão condicional do processo. 

Porém, os institutos previstos na Lei nº 9.099/95 não são aplicáveis caso o crime seja praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme previsto no art. 41 da Lei nº 11.340/2006. Além disso, a incidência de uma das causas de aumento de pena previstas no parágrafo 1º faz com que crime não seja mais considerado infração de menor potencial ofensivo. 

O crime é de ação penal pública condicionada à representação, conforme parágrafo 3º, mesmo no contexto de violência doméstica praticada contra a mulher. Isso significa que a vítima e/ou seu representante legal possuem o prazo decadencial de 6 meses para apresentar manifestação de interesse na persecução penal do autor. Passado esse prazo, ocorre a extinção da punibilidade do agente. No entanto, o prazo só passa a contar a partir do conhecimento da identidade do autor. Portanto, caso o autor tenha se utilizado de perfil fake para praticar o delito, o prazo decadencial só começará a correr a partir da descoberta da identidade real por trás do fake. 

Por fim, a Lei nº 14.132/2021, além de tipificar o novo crime de perseguição, revogou, em seu art. 3º, a contravenção de perturbação da tranquilidade, prevista no art. 65 da Lei de Contravenções Penais. Esta infração penal tratava da perturbação da tranquilidade e punia as condutas de molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável. Era considerada conduta menos lesiva, com pena de prisão simples, de quinze dias a dois meses. 


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Yuri Sahione

Resta aguardar e observar se os efeitos pretendidos para a nova tipificação penal serão atingidos, especialmente o de desestímulo à conduta lesiva criminalizada. É preciso estar atento para que a mudança legislativa não seja apenas formal, sobretudo se levada em conta a opção de tornar a perseguição crime, mas mantê-la, na forma base, como infração de menor potencial ofensivo. 

*Yuri Sahione é advogado e sócio da área de compliance, penal econômico e investigações do Cescon Barrieu.

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