Créditos trabalhistas aumentam, em média, R$30 bilhões ao ano, segundo TST

Segundo dados do Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), cerca de 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise dos últimos anos/Canva
Segundo dados do Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), cerca de 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise dos últimos anos/Canva
Deságios em créditos trabalhistas para casos de recuperação judicial são comuns, mas especialistas alertam para mercantilização.
Fecha de publicación: 06/01/2023

Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram que os créditos trabalhistas somam R$620 bilhões, aumentando, em média, R$30 bilhões ao ano a partir de novas sentenças promulgadas. Deságio é o termo utilizado para se referir ao desconto percentual sobre o valor do crédito trabalhista solicitado. Mas afinal, deságios em créditos trabalhistas são considerados importantes em casos de recuperação judicial e falências? O advogado especialista em direito do Trabalho, Thiago Rodrigues, explica que são pertinentes em processos de recuperação judicial, mas alerta à mercantilização desses casos para não tornar um negócio, enquanto a finalidade é que conflitos sejam solucionados.

O país segue suportando, mesmo após três anos, os trágicos efeitos da pandemia causada 7pela Covid-19 (Sars-Cov-2). Segundo dados do Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), cerca de 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise dos últimos anos. A Lei de Recuperação Judicial e Falências nº 11.101/2005 é um dos principais instrumentos para alavancar empresas em dificuldade para reestruturação. Por meio desta, a regularização com descontos são consideráveis e protegem, inclusive, de eventuais penhoras e serve de instrumento para alavancar empresas.

“Para abster que a empresa seja levada a falência, o empresário ativa o processo da recuperação e permite que as empresas renegociem suas dívidas acumuladas em um momento de crise e recuperem suas atividades, adiando para outra situação a dispensa de funcionários, onde a redução de empregados é a consequência mais comum. Uma das alternativas que os empregados de uma empresa em recuperação ou falida têm é a preferência aos seus créditos para pagar as dívidas trabalhistas”, pontua Thiago Rodrigues, integrante do núcleo Trabalhista do Nelson Wilians Advogados.


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Dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostram que a crise global causada pela Covid-19, resultarão para os próximos anos um percentual de até 80% de empresas que vão enfrentar algum tipo de dificuldade. A Justiça do Trabalho processa as ações de natureza trabalhista até a apuração do respectivo crédito com a finalidade de permitir pleitear com o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação dos créditos trabalhistas. Em sentença, geralmente esses créditos são inscritos pelo valor determinado.

“A nova lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 14.112/2020) trouxe como inovação a possibilidade da extensão do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas em mais dois anos (artigo 54, §2°), mantendo a regra geral do prazo de um ano, que agora poderá ser estendido, totalizando um prazo final de pagamento de até três anos, desde que cumpridos os requisitos legais de forma cumulativa, quais sejam: (i) apresentação de garantias que o juiz entenda serem suficientes; (ii) aprovação dos credores trabalhistas no quórum determinado pelo artigo 45, §2°, da [LRF] (maioria simples dos credores presentes); e (iii) garantia da integralidade dos créditos trabalhistas”, diz Rodrigues.

O deságio existe de acordo com o risco de pagamento da empresa devedora. Ou seja, se a empresa processada tem pouca chance de pagar o valor decretado pelo juiz, o valor proposto por esta empresa para esse crédito será menor. Por exemplo, se há uma ação com valor determinado e há decisão de venda, o deságio faz a intermediação para uma negociação de desconto ao comprador, que geralmente é de 30% a 70% do valor da ação.

“Quanto maior o deságio, menor o valor do crédito trabalhista para venda e se torna um benefício ao vendedor, pois se a companhia pode não pagar pela ação, a venda se prova uma alternativa melhor e mais segura”, pontua Rodrigues.

Em julho deste ano, o ministro e vice-presidente do STJ, Jorge Mussi, destacou que as alterações promovidas na Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) pela Lei 14.112/2020, reforçaram o entendimento do STJ no sentido de que os atos de execução de créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação devem ser realizados apenas pelo juízo universal, assim como quaisquer outros atos judiciais que envolvam o patrimônio de tais empresas. O ministro ressaltou também que esse entendimento do tribunal se aplica tanto na vigência do Decreto-Lei 7.661/1945 quanto sob a Lei 11.101/2005, mesmo com as alterações promovidas recentemente pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.112/2020.

"O artigo 6º, incisos II e III, da Lei 11.101/2005, com a redação dada pela Lei 14.112/2020, reforça esse entendimento, porquanto determina que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implicam a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência", pontua Mussi.

O ministro do STJ disse que também estão sujeitas ao juízo universal quaisquer deliberações acerca de valores relativos a depósitos recursais existentes em reclamações trabalhistas, mesmo que efetivados anteriormente à decretação da falência ou ao deferimento da recuperada.


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Veja a seguir alguns pontos importantes destacados por Thiago Rodrigues acerca de deságios em créditos trabalhistas:

O que é deságio no crédito trabalhista?

O deságio é o termo comum utilizado para se referir ao desconto percentual sobre o valor do crédito trabalhista. Tudo começa na Justiça do Trabalho, quando um trabalhador entra com ação contra seu ex-empregador. Transcorrido o processo, uma vez que o ex-empregado obtenha decisão favorável, terá uma quantia a receber. Porém, diante do volume de processos em nosso judiciário, leva-se um certo tempo entre a decisão do juiz e a execução da sentença. Sendo assim, diante do atual cenário do nosso judiciário, a venda dos créditos trabalhistas com um deságio é uma realidade.

Como é feito o cálculo do processo para avaliar a compra e a porcentagem de deságio?

Como descrito acima, o ex-empregado pode ter a necessidade do recebimento dos valores previstos na decisão favorável antes do prazo previsto para pagamento. A negociação do deságio acontece nesse momento e para que a operação seja vantajosa ao investidor (comprador do crédito), o ex-empregado confere um desconto, um deságio sobre a quantia que teria para receber.

A metodologia para mensurar a variação do deságio se encontrará na capacidade de pagamento da empresa devedora – certificação do devedor; do risco de modificação da decisão judicial no decurso do processo e do tempo previsto para pagamento. Portanto, a negociação do deságio acontece após ser mensurados esses riscos, sendo que para que a operação seja vantajosa este investidor, o ex-empregado terá que conferir um desconto, um deságio sobre a quantia que teria para receber ao final do processo, dependendo da negociação. Diante de levantamentos de casos de cessão de créditos trabalhistas, os reclamantes têm recebido entre 70% e 40% do valor do crédito cedido de forma antecipada, ou seja, em torno de 30% a 60%.

Há semelhança entre a antecipação de restituição e o Imposto de Renda ou do 13º salário que as instituições financeiras fazem?

Não. Como falamos anteriormente, a antecipação dos créditos judiciais, diferente das que são praticados pelas instituições financeiras para recebíveis (restituição de Imposto de Renda ou 13º salário), não tem o risco do recebimento dos créditos do processo trabalhista ao longo desse tempo, considerando a possibilidade de o risco da empresa processada falir ou entrar em recuperação judicial e não pagar o que deve. Portanto, são créditos ativos que possuem um risco muito grande, tanto por conta da instabilidade do judiciário (frequentes mudanças na lei) como pela instabilidade de mercado (empresas podem quebrar com maior facilidade).


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Por que a cultura trabalhista costuma ser avessa à prática da sessão de crédito com base na natureza alimentar do crédito trabalhista?

Primeiro, por registrar que os créditos trabalhistas são dotados de natureza alimentar e constituem fonte de subsistência e necessidades básicas do trabalhador e de sua família. Por isso, o ordenamento jurídico reveste o crédito trabalhista de uma série de proteções, seja no curso da relação de emprego ou quando ele esteja sendo discutido no âmbito de um processo trabalhista. Diante deste entendimento, há posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários à cessão de créditos trabalhistas sob a égide de que a natureza alimentar do crédito é sim atingida à medida que a cessão se dá sempre de forma onerosa, ou seja, o cessionário “compra” o crédito com deságio e implica na perda por parte do colaborador ou do crédito.

Sob pena de desvirtuamento do conceito assistencialista que as verbas trabalhistas possuem em relação ao trabalhador, a cessão de créditos trabalhistas é vista com certa desconfiança pela Justiça do Trabalho em razão da caracterização da natureza alimentar do crédito trabalhista que, em tese, não poderia ser objeto de cessão por meio de contrato civil.

De que forma o deságio pode afetar o processo trabalhista?

Esse é um tema bem delicado, já que uma das principais discussões incide sobre a venda do processo trabalhista e a possibilidade do advogado que conduz o processo ser prejudicado, que por sua vez, devido ao temor de não receber os honorários, conduz de forma temerária o processo, colocando em risco o resultado da demanda judicial.

Outra questão sensível é a mercantilização do direito trabalhista e da própria justiça do trabalho, que acaba tornando um negócio enquanto a justiça tem por finalidade solucionar conflitos.

Diante dessa mercantilização, a preocupação é que este tipo de negócio aumente a judicialização das demandas trabalhista no país. Há risco de pessoas que talvez não estejam dispostas a ingressarem com ação na justiça, diante da demora no recebimento ou da nova perspectiva em ceder o crédito trabalhista de modo antecipado, possam se sentir estimulada a ingressar com ação na justiça e, por consequência, aumentar o número de ações e afogar ainda mais o judiciário, gerando uma ampliação do tempo de solução dos processos na justiça do trabalho.

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