Decisão do TJ Militar de São Paulo permite que PM apreenda armas e objetos em ocorrências

Especialistas no assunto temem que investigações sejam prejudicadas com a decisão judicial/  Rovena Rosa/ Agência Brasil/Fotos Públicas
Especialistas no assunto temem que investigações sejam prejudicadas com a decisão judicial/  Rovena Rosa/ Agência Brasil/Fotos Públicas
Advogados criticam medida e dizem que norma abre espaço para alterar cena do crime.
Fecha de publicación: 22/07/2020
Etiquetas: Sao Paulo

A decisão do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo que permitiu a oficiais da Polícia Militar apreender armas e objetos em ocorrências provocou reação de entidades da Polícia Civil, que veem tentativa de “usurpar suas atribuições legais” e dificultar a investigação de casos.

Em sua decisão, o juiz militar Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria Militar, acatou pedido de habeas corpus coletivo da associação de oficiais Defenda PM. Ele considerou inconstitucional a Resolução 40 da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, de 2015, que estabelece, em caso de homicídio tanto de agentes quanto de civis durante uma ocorrência, a preservação do local do crime até a chegada do delegado.

Especialistas no assunto temem que investigações sejam prejudicadas com a decisão judicial e mesmo que ela represente “carta branca” para os PMs.

Raphael Martello, que é professor de criminalística na Academia de Polícia Civil de São Paulo e perito criminal aposentado, assegura que a Resolução 40/2015 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo "não inovou no tema, mas apenas reiterou expressamente para os locais de crime com envolvimento de policiais aquilo que se deve cumprir em relação a todos os locais de crime, indiscriminadamente".

Daniel Bialski, mestre em processo penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, lembra que a atribuição para investigação de qualquer crime e o que deve, pode ou não ser aprendido caberia à autoridade policial, seja da competência da Polícia Civil ou da competência da Polícia Federal.

“Os policiais que estão dando apoio, independentemente se são civis ou militares, podem apreender certas coisas que eles entenderem que têm relação com o crime. Mas dependendo da circunstância, antes de se mexer no local do crime, é necessário que converse com o delegado policial. Isso porque existem elementos que podem perder a eficácia se eventualmente os policiais tocarem. Por exemplo, em um furto de residência, onde os policiais querem apreender alguma coisa que está no local, ao colocarem a mão, em todos os lugares, a eventual impressão digital prejudicaria a investigação”, diz.

Bialski reforça a necessidade de comunicação entre as partes. “Então, antes de tomar alguma atitude apressada, é importante um diálogo orientando para que se mantenha íntegra toda coleta de prova, inclusive, ao acionar os peritos, Instituto de Criminalística para ajudar a desvendar os crimes”, afirma.

Diego Henrique, advogado especialista em compliance, associado do Damiani Sociedade de Advogados, considera que a decisão "é um absoluto disparate". Segundo ele, a Justiça Militar "sequer possui competência para apreciar a questão, o que evidencia a arbitrariedade do ato”.

“O Código de Processo Penal estabelece de forma clara a obrigatoriedade de preservação do local de crime e a vedação a que seja feita qualquer apreensão anteriormente à realização do exame pericial. A preservação do estado das coisas, dos objetos, suas posições, os vestígios resultantes, tudo precisa ser mantido tal qual ficou após a ocorrência do crime para que a perícia possa ser devidamente realizada”, defende.

Ainda segundo Diego Henrique, a decisão confere “carta branca aos milicianos que atuam à margem da lei”. E conclui afirmando que “de modo algum esta decisão pode ser vista apartada do atual momento de escalada da violência policial no Estado de São Paulo. Ao contrário, reflete a complacência do Judiciário com a letalidade policial e materializa sua parcela de culpa no aumento da violência estatal".

O advogado criminalista Marcelo Leal também critica a decisão TJM-SP. “A pergunta que não quer calar e que fica sem resposta, pelo menos não se tem coragem de falar abertamente é: a quem interessa impedir a mera atuação científica cautelar de preservação de provas – provas estas que poderão servir ao tribunal do júri mais à frente – e/ou a contabilização mais realista dos eventos letais em ocorrências policiais?”, indaga Leal.

Para a advogada Thais Aroca Datcho, sócia no Marcelo Leal Advogados Associados e mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, a medida também representa uma ameaça às garantias constitucionais. “Ora, num país em que os índices de letalidade policial aumentam em percentuais alarmantes nos últimos anos, sendo considerados os mais altos do mundo, uma insurgência com tal conteúdo só faz acender o sinal de alerta do Estado Democrático de Direito e reiterar, de forma mais contundente, a necessidade de vigiarmos de perto o nosso sistema de garantias constitucionais”.

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