Economia brasileira tem quatro anos muito difíceis pela frente

Segundo o relatório do IFI, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) terminará 2022 em 77,3% do PIB, podendo passar de 80% no próximo ano/ Canva.
Segundo o relatório do IFI, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) terminará 2022 em 77,3% do PIB, podendo passar de 80% no próximo ano/ Canva.
Analistas alertam que o endividamento continuará crescendo se o próximo governo não fizer os esforços necessários para resolver a questão fiscal.
Fecha de publicación: 01/11/2022

Após o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, parece haver apenas uma certeza: os próximos quatro anos serão muito difíceis para a economia do país. Esse já era um horizonte dado, mesmo antes da definição do vencedor, principalmente por causa do endividamento, que continuará a crescer caso o novo governo não faça os esforços necessários para equacionar a questão fiscal. É difícil cortar gastos, uma vez que o orçamento brasileiro é quase todo vinculado às despesas obrigatórias. Então a solução deve vir mesmo pelo aumento de impostos e pela articulação de uma nova âncora fiscal, que permita vislumbrar a trajetória de redução dos déficits. O teto de gastos públicos, pactuado em 2016 e formalizado na Emenda Constitucional nº 95, não parece mais ser capaz de cumprir essa tarefa.

Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal do Brasil, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) terminará 2022 em 77,3% do PIB, podendo passar de 80% no próximo ano. No recém-publicado artigo “América Latina enfrenta um terceiro choque com o aperto das condições financeiras globais”, no blog do FMI, o ex-presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Godfajn, se uniu a outros autores para resumir a questão: “A política fiscal deve se concentrar na reconstrução do espaço de políticas, onde necessário. Isso exigirá o controle dos gastos públicos, a melhoria do desenho dos sistemas tributários e o fortalecimento das estruturas fiscais para garantir uma disciplina sustentada”.

O texto aponta soluções internas para problemas causados por choques externos provocados pela alta das taxas de juros nos países desenvolvidos, aliada à previsão de um menor crescimento econômico global para os próximos anos. O FMI calcula que o mundo irá crescer 3,2% neste ano. As economias emergentes um pouco mais, com 3,7%, e o Brasil, menos: 2,8%. Para 2023 esses percentuais são respectivamente calculados, hoje, em 2,7%, 3,7% e apenas 1%, no caso brasileiro. Sem falar que ainda há questões internas do país a serem equacionadas, como a disputa de espaços políticos, que envolve um cabo de guerra entre União, estados e municípios pelos recursos arrecadados com impostos.


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Duas visões do contexto

Por isso, a LexLatin conversou com dois secretários de Fazenda de estados, além de um dos mais renomados especialistas do Brasil sobre o tema, o economista do BNDES Fabio Giambiagi.

Para minimizar possíveis desconfianças de viés político, os secretários escolhidos foram Renê Garcia Jr., do Governo do Paraná, mais alinhado ao governo Bolsonaro, e George Santoro, de Alagoas, estado governado pela família Calheiros, aliada do ex-presidente Lula.

Curiosamente, a origem política dos dois secretários é oposta aos governos que ocupam. Garcia Jr. se define como “um democrata” e tem uma relação histórica com o PT. Doutor e mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), foi secretário do governo de Benedita da Silva no início do século, no Estado do Rio de Janeiro. “Quando estudei com o Mario Henrique Simonsen (ex-ministro dos últimos presidentes do regime militar de 1964), ele tinha uma frase que eu uso como bandeira: não importa qual governo; se ele bater à porta da Praia de Botafogo 190 (sede da FGV) e pedir ajuda, nós vamos dar”.

George Santoro, por outro lado, é um advogado especializado em administração e finanças públicas que não tem medo de se definir como uma pessoa tradicionalmente do campo político de centro-direita. Com experiência na aeronáutica, ele começou a vida pública na equipe econômica do governador Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, de onde só saiu para integrar o governo de Renan Filho, em Alagoas, por indicação de uma das maiores referências em finanças públicas no Brasil, o economista e ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy.


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Santoro reitera que o cenário externo para o próximo ano, no Brasil e na América Latina, “é bastante duro”. Ele destaca que o governo forçou uma baixa dos preços por questões eleitorais, que provocaram desequilíbrio na arrecadação da União e dos estados, com favorecimento à primeira. “Esse movimento gerou um buraco fiscal nos estados e municípios e, em algum momento, essa conta vai aparecer em 2023 para ser cobrada”.

De acordo com ele, isso já estaria sendo questionado por ações judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF): “Foi muito mais Brasília e menos Brasil. E a União já está perdendo algumas ações para ressarcir essa perda dos estados. Isso vai ser outra pressão fiscal para o governo federal nos próximos anos.”

O desempenho mais baixo da indústria

Para além do mundo político, Fabio Giambiagi enxerga o Brasil com dois grandes desafios pela frente, um de curto para médio prazo, que é a questão fiscal, e outro de médio para longo prazo, que é o problema do histórico recente de queda da produtividade nacional, “que está totalmente fora de questão para os próximos quatro anos”. Na última edição do relatório “Desempenho da Indústria no Mundo”, produzido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil caiu mais uma posição no ranking de produtividade. A indústria nacional, que até o início da década passada respondia por 2% da produção mundial, viu essa fatia recuar para 1,28%.

O problema é que essa perda de posições se dá em um momento em que o Brasil ainda se beneficia de um crescimento da população economicamente ativa, o chamado “bônus demográfico”. Em tese, isso significa que deveria haver um aumento de produtividade apenas pelo maior número de pessoas dispostas a trabalhar. Segundo Giambiagi, porém, essa curva logo irá se inverter e, “em 20 a 25 anos, haverá o mesmo percentual de pessoas em idade de trabalho do que há hoje”. Daí, o crescimento necessariamente precisará vir da inovação.


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Enfatize o social

Como a crise fiscal tornará impossíveis as condições políticas para o enfrentamento dessa questão agora, Renê Garcia define o próximo governo como “de transição”. Por isso, para ele, será fundamental adotar políticas de assistência social mais abrangentes “para evitar que um componente da população seja jogado ao lado, devido à crise dos ajustes que venha a ter”. No campo financeiro, parte da solução, tanto para Renê, quanto para Giambiagi, pode vir, enfim, com a realização da tão falada - mas sempre deixada para o governo seguinte - reforma tributária, provavelmente com aumento da carga.

Sobre o teto de gastos, Giambiagi explica que a regra fiscal representada pelo teto “caducou”. Está ainda vigente, mas é um cadáver insepulto.

“Esta regra, a do teto fixo. Até pelo fato de que não era tão fixo assim, porque já foi objeto de duas Propostas de Emenda Constitucional, nos últimos 12 meses, e possivelmente seria objeto de uma terceira. O que não quer dizer que tenha que ser substituída pelo vazio. A ideia do limite é essencial tanto para a sociedade quanto para o sistema político, porque nós vivemos um estado do debate nacional em que dá impressão de que dinheiro dá em árvore. Tem que ter um limite. Quais os pontos-chave nessa discussão? A de 2023 é emergencial porque senão, a galera que está recebendo 600 reais por mês do auxílio, 21 milhões de pessoas, vai receber 400 reais em janeiro. E aí o novo governo é natimorto”, avalia.

O economista analisa que, na definição original da regra do teto de 2016, foram deixados de fora alguns itens, e os gastos não incluídos no teto ficaram, no jargão fiscal, computados no extra teto, ou seja, acima do teto. “Aí entra a esperteza dos políticos para tentar driblar as restrições e jogar no extra teto aquilo que não se quer que seja controlado. Na reedição do teto, para ser discutida em 2023, se dependesse de mim, eu acabaria com o extra teto. O teto é sobre tudo. Quer gastar mais, então me diga de onde corto”.

Para a expansão dos gastos públicos daí pra frente, Giambiagi acredita que o IPCA mais 1,5% seria uma proposta realista, tanto do ponto de vista de crescimento médio projetado do país para os próximos anos, quanto para sustentação das demandas sociais, abrindo uma perspectiva de declínio da relação entre gasto e PIB.

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