Especialistas criticam projeto que aumenta penas máximas

Para advogados especializados em direito penal, o aumento de pena não diminui criminalidade/Pixabay
Para advogados especializados em direito penal, o aumento de pena não diminui criminalidade/Pixabay
Proposta em tramitação na Câmara dos Deputados estipula cumprimento de até 50 anos nas prisões brasileiras.
Fecha de publicación: 02/06/2021

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deu aval à proposta que aumenta penas para crimes cometidos contra crianças e adolescentes. O texto aumenta dos atuais 40 para 50 anos o tempo de cumprimento máximo das penas privativas de liberdade.

O Projeto de Lei 3492/19, dos deputados Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) segue agora para a análise do Plenário.


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A proposta cria uma qualificadora para o crime de homicídio cometido contra crianças ou adolescentes. A pena, nesse caso, será de 20 a 30 anos de reclusão. A pena base para homicídio é de 6 a 20 anos de reclusão. Outras qualificadoras previstas hoje no Código Penal, como homicídio por motivo fútil ou o feminicídio, têm pena de 12 a 30 anos de reclusão.

Segundo a proposta, no caso de homicídio doloso, a pena é aumentada em um terço se o crime for cometido por ascendente, padrasto, madrasta, ou contra quem esteja sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade do agente.

Para o crime de lesão corporal, que tem pena de detenção de três meses a um ano, a penalidade será triplicada se a lesão for praticada contra criança ou adolescente, e quadruplicada, se a lesão decorrer de violência sexual, isso se o fato não constituir crime mais grave.

O texto aprovado modifica, ainda, a Lei dos Crimes Hediondos, para incluir, no rol, o homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, milícia privada, associação criminosa ou organização criminosa, ainda que cometido por um só agente. Também inclui, como crime hediondo, o homicídio qualificado.

A deputada Bia Kicis, autora do projeto, acredita que a proposta ajudará a coibir os crimes contra menores. “Alguém que tortura, abusa e mata crianças comete um crime hediondo, e a sociedade precisa dar uma resposta mais dura, mais firme. Não importa que há pouco tempo se tenha elevado a pena máxima para 40 anos. Isso é para a grande maioria dos crimes hediondos”, argumentou.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) alertou para o aumento da população carcerária a partir do punitivismo penal, porém disse que a proposta acerta com as inclusões no rol de crimes hediondos. "Não é proteger bandido. É ter consciência de que o sistema carcerário brasileiro é um instrumento de apoio ao crime organizado, isso é um dado da vida”, afirmou.

Para advogados especializados em direito penal, o aumento de pena não diminui criminalidade.

Para o criminalista André Damiani, especialista em direito penal econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, o aumento não coíbe o crime. “Na prática, a proposta legislativa contraria a Constituição Federal na medida em que representa prisão perpétua numa embalagem disfarçada”, afirma. 

Daniel Gerber, especialista em direito penal econômico e sócio do escritório Daniel Gerber Advogados Associados, também entende que o aumento da pena não ajuda a combater a criminalidade. 

“O Parlamento mantém a antiga ótica sobre a pena privativa de liberdade, entendendo que a sua quantidade final reduz eventuais taxas de criminalidade. O fato é que, há muito já se provou nas ciências, assim como se constata na prática nacional, que a impunidade não tem nenhuma relação com o tamanho da pena, e sim, com as falhas sistêmicas que nós, infelizmente, atravessamos de sempre. Enquanto tais falhas não forem resolvidas e, enquanto os próprios políticos acusados de inúmeros delitos se valerem dessas falhas para não cumprirem as penas impostas, reformar a lei é sempre, e mais uma vez, um jogo para a torcida ver”, diz. 

O advogado Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, sócio fundador do escritório Pisco & Rodrigues Advogados, também não vê com bons olhos a possibilidade de mudança. “Já de um tempo para cá assistimos uma expansão do direito penal, com criação de novos crimes e endurecimento das penas, mas, em contrapartida, a sociedade continua com a sensação de insegurança, como que desamparada e sem perspectiva em face da criminalidade”. 

André Galvão, criminalista, sócio do Bidino & Tórtima Advogados Associados, discorda do argumento de se adequar a pena máxima ao aumento da expectativa de vida no país. “Além de partir de uma lógica, nunca comprovada, que relaciona o aumento de penas à redução da criminalidade, o argumento é falacioso, uma vez que a expectativa de vida mencionada no parecer da CCJ (75 anos) representa uma média, de modo que o limite ora aprovado faz a pena máxima tender à perpetuidade - o que a Constituição veda”, comenta.


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Luís Felipe D'Alóia, advogado criminalista do Bialski Advogados, classifica a iniciativa da CCJ como populista. "A CCJ, demonstra que desconhece a realidade carcerária de nosso país. Os deputados ignoram o estado de coisas inconstitucional que é o sistema carcerário brasileiro, como bem alertou, há seis anos, o ministro Celso de Mello. De lá para cá a situação somente se agravou, tendo, inclusive, sido diminuídas as políticas públicas de enfrentamento ao caos penitenciário. Será mesmo que alguém ainda acredita que o aumento ou diminuição da criminalidade está diretamente ligado ao tempo de pena a ser cumprida?", afirma. Com informações da Agência Câmara de Notícias.

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