Improbidade Administrativa: Câmara aprova texto que desestimula punições

Intepretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito também afasta a responsabilidade do autor/ Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Intepretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito também afasta a responsabilidade do autor/ Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Agentes públicos serão enquadrados somente se agirem para lesar administração pública. Entenda a mudança.
Fecha de publicación: 16/06/2021

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (16)  o texto-base da proposta que revisa a Lei de Improbidade Administrativa (Projeto de Lei 10887/18). A principal mudança é aplicar a punição por improbidade apenas aos agentes públicos que agirem com dolo, ou seja, com intenção de lesar a administração pública. A proposta é de autoria do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) e tem a relatoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).

A improbidade administrativa tem caráter civil e não é tratada como punição criminal. São atos que atentam contra o conjunto dos recursos financeiros públicos, bens do Estado e resultam em enriquecimento ilícito ou atentam contra os princípios da administração pública. Entre as penas previstas estão o ressarcimento ao erário, indisponibilidade dos bens e suspensão dos direitos políticos.


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Pelo texto aprovado nesta quarta-feira, o agente será punido se agir com vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito. O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas ou a intepretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito também afastam a responsabilidade do autor.

As mudanças não agradaram os juristas.  “Elas não justificam o fato inequívoco de se tentar atenuar e/ou eliminar, sutilmente, as circunstâncias que remetem a um ato de improbidade administrativa, assim como as sanções correspondentes a cada ato ímprobo”, afirma Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV.

Chemim destaca como um dos pontos mais relevantes e polêmicos a extinção da modalidade “culposa”, no sentido de retirar a gravidade de um ato cometido por agente público, por negligência, imperícia ou imprudência. “Nesse caso, como o ‘dolo’ estaria ausente, o ato não demandaria as sanções previstas no texto original da Lei de Improbidade Administrativa, a despeito dos danos materiais causados ao Estado. Assim, o cometimento de um ato doloso seria a condição sine qua non para o seu enquadramento em ato de improbidade administrativa”, diz.

O texto aprovado na Câmara também determina que cabe ao Ministério Público competente tomar as providências necessárias em casos de improbidade. O pedido deve trazer os documentos ou indícios suficientes da existência do ato que instruam a petição inicial, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado. O objetivo é evitar a litigância de má-fé.

Além disso, a proposta prevê que seja instaurada ação específica, como determina o novo Código de Processo Civil, para a indisponibilidade dos bens se recair sobre bens de sócios.

Também foi limitado o bloqueio direto das contas bancárias dos réus, com preferência ao bloqueio prioritário de bens de menor liquidez, como imóveis e automóveis. “Tentou-se, desta maneira, impedir que os acusados em ações de improbidade fiquem impedidos de realizar pagamentos ou de receber proventos necessários para sua subsistência ao longo de toda a duração do processo”, explicou o relator Carlos Zarattini.

Penas e prescrição

O texto determina prescrição de 8 anos para as ações e dá ao magistrado liberdade para estipular as penas. Além disso, as penas de perda dos direitos políticos foram majoradas, aumentado o prazo máximo; mas foi retirada a previsão de pena mínima.

Nas condutas contra os princípios da administração pública, o magistrado deverá considerar critérios objetivos que justifiquem a fixação da pena.

No caso de empresas, a punição deverá levar em conta a função social da empresa e a manutenção dos empregos gerados. Assim, a proibição de contratar só poderá ser extrapolada além do município da ação em casos excepcionais e desde que fundamentada a decisão.


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O texto também determina legitimidade privativa do Ministério Público para a propositura da ação de improbidade; previsão de celebração de acordo de não persecução cível; e regras mais claras sobre a prescrição em matéria de improbidade.

Juristas apontam necessidade de mudanças

Para advogados ouvidos por LexLatin, apesar de algumas mudanças que prejudicam as punições dos atos de improbidade, a legislação necessita de atualização, já que vem sendo utilizada de forma ostensiva, sem a devida interpretação.

Ulisses Sousa, especialista em Direito Administrativo, entende que a Lei 8.429/92, embora represente um importante instrumento no combate a práticas irregulares por ocupantes de cargos públicos, deu origem a muitos abusos por parte dos seus aplicadores. “Os tipos abertos previstos nos artigos 9 a 11 já serviram de fundamento para o ajuizamento de muitas ações completamente descabidas, com graves prejuízos, pessoais e patrimoniais, para os acusados. Muitos são os casos em que agentes públicos, acusados de improbidade, têm suas reputações arruinadas, e, além disso, padecem com bloqueios patrimoniais que se estendem por vários anos”, opina.

Souza lembra que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 28, já dispõe que a responsabilização pessoal do agente público se dá apenas nas hipóteses de ocorrência de dolo ou erro grosseiro. “Lamentavelmente tal dispositivo legal tem sido ignorado. Muitos ainda pensam que toda irregularidade administrativa praticada por um servidor público configura ato de improbidade. Os temas são indevidamente tratados como sinônimos”, diz.

Felipe Alves Pacheco, especialista em direito administrativo, sócio de Chenut Oliveira Santiago Advogados, também defende o aprimoramento da lei. “O PL em discussão tem pontos positivos, que visam conter certos abusos. Hoje, temos ações de improbidade que remontam a fatos ocorridos na década de 1990, que não passaram por uma investigação acurada e que, por consequência, geram graves prejuízos para a defesa e para o devido processo legal. Ao se definirem prazos para o MP investigar (180 dias, prorrogáveis por igual período) e prescrição de oito anos, contados do fato, dá-se maior garantia de defesa ao investigado”, analisa.

Pacheco concorda com o fato de o PL consolidar entendimentos dos Tribunais, como a necessidade de caracterização de dolo e má-fé na conduta do réu para fins de enquadramento em improbidade administrativa. “Tais alterações dão maior segurança aos gestores e servidores públicos, por demais receosos na prática de seus atos, dando azo, dentre tantas causas, ao famigerado 'apagão das canetas' “.

Daniel Gerber, especialista em direito penal econômico, avalia como positiva a redação proposta para o artigo 11, “ao incluir a necessidade de dolo para que uma ação ou omissão seja considerada ímproba”. “Deve servir como importante limitador de ações que, infelizmente, surgem de atos notadamente culposos ou, até mesmo, inevitáveis diante do cenário fático disponibilizado ao administrador público. Consagra também posição já adotada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores que, em clara correção de rota e limitação do poder de punir, já exigia tal elemento para fixar condenações pela Lei 8429/92”, diz.

O advogado Rafael Valim, sócio do Warde Advogados, destaca que é urgente uma reformulação da lei, a fim de que ela cumpra o objetivo em vista do qual foi concebida. "As sanções por improbidade administrativa se prestam à punição da desonestidade nas funções públicas e não à punição da má gestão. Várias alterações propostas no PL 10887 são muito bem-vindas, sobretudo aquelas que deixam claro o caráter doloso dos atos de improbidade e reforçam as garantias processuais dos acusados", comenta. Com informações da Agência Câmara de Notícias.


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