Lei que obriga empresas a doar vacinas ao SUS é considerada inconstitucional

O argumento é de que a lei fere o direito fundamental à saúde, portanto, a obrigação da doação das vacinas é inconstitucional/Pixabay
O argumento é de que a lei fere o direito fundamental à saúde, portanto, a obrigação da doação das vacinas é inconstitucional/Pixabay
Norma autoriza estados, municípios e o setor privado a comprar vacinas autorizadas pela Anvisa contra a Covid-19.
Fecha de publicación: 29/03/2021

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O juiz substituto da 21ª Vara Federal de Brasília, Rolando Spanholo, considerou inconstitucional a lei aprovada pelo Congresso que obriga o setor privado a destinar todas as doses da vacina contra a Covid-19 compradas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda cabe recurso da decisão. O argumento do juiz é baseado na sugestão do Sindicato dos Delegados da Polícia de São Paulo de que a lei fere o direito fundamental à saúde, portanto, a obrigação da doação das vacinas é inconstitucional.

A lei, aprovada em 2 de março, autoriza que estados, municípios e o setor privado comprem vacinas contra a Covid-19 que estejam autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O setor privado deve repassar 100% das doses para o SUS até que toda a população prioritária seja vacinada. Depois, as doses devem ser divididas ao meio entre o setor privado e o SUS. Além disso, a lei permite que as vacinas do setor privado sejam aplicadas em qualquer local do serviço de saúde que tenha sala apropriada e obriga que as empresas forneçam ao Ministério da Saúde as informações sobre compra e aplicação.


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O objetivo era permitir que empresas e laboratórios contribuam com a vacinação e impulsionem o programa de imunização mantendo a particularidade nacional e gratuita. O relator do projeto de lei, deputado Igor Timo (Pode-MG), disse que “a proposição tem o objetivo de ampliar o acesso aos imunizantes, com a participação de todos os entes federados e com a contribuição solidária das pessoas jurídicas que queiram participar da campanha de vacinação".

Ana Cândida Sammarco, sócia da prática de Life Sciences e Saúde do escritório Mattos Filho, ressalta que o alto grau de responsabilidade atribuído ao importador nos casos de importações excepcionais merece atenção especial das pessoas jurídicas de direito privado que pretendem explorar essa opção.

Com base no argumento de que a importação será realizada por meio de uma exceção regulatória, também é atribuída à parte autora a responsabilidade quanto aos potenciais efeitos adversos que possam surgir dessa negociação, por exemplo, risco de falsificação e/ou descuidos no transporte, armazenamento e aplicação”, afirma Ana.

“Considerando que em uma importação excepcional estamos diante de um produto que não possui registro ou autorização de uso emergencial no Brasil, tanto a decisão quanto as regulamentações da Anvisa são rigorosas na definição de responsabilidades. O adquirente/importador deve sopesar se está preparado para assumir um ônus que seria (primordialmente) do titular do registro na Anvisa, como responsabilizar-se pela qualidade, segurança e eficácia do produto. Até porque, a regulamentação ainda não é clara no que se refere aos requisitos para a efetiva operacionalização desse tipo de importação”, diz a especialista.

Alysson Leandro Mascaro, professor da Faculdade de Direito da USP, destaca que é muito recente na história do Brasil a conquista de uma saúde pública e universal como é o SUS, datando esse movimento da década de 1980. Até então, a saúde era pensada mais como negócio ou caridade que, propriamente, como política universalizante.

“Da Constituição de 1988 até hoje, os movimentos da economia privada da saúde vêm investindo na quebra desse recente modelo de sistema único na saúde. Nos últimos tempos, tal desmonte do arcabouço constitucional da saúde pode se ver exemplarmente com o teto constitucional dos gastos públicos e, agora, com o enfrentamento da pandemia na base da liberdade de compra de vacinas”.


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Alysson explica que a decisão judicial que declara inconstitucional tais dispositivos da Lei que exigiam repasse de vacinas ao SUS é um exemplo do modelo de interpretação da saúde pública apenas como concorrente ou complemento da iniciativa privada, que enxerga papel proeminente e decisivo na iniciativa privada, não em um sistema único de saúde, público-coletivo. Tenta-se fundamentar, numa técnica própria da Constituição, a quebra do próprio modelo constitucional do SUS.

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