Mãe com filhos menores e condenação definitiva poderá ter prisão domiciliar

No caso julgado, filhos da condenada moram em município distante 230km do presídio mais próximo com capacidade para receber detentas/Agência Brasil
No caso julgado, filhos da condenada moram em município distante 230km do presídio mais próximo com capacidade para receber detentas/Agência Brasil
Decisão do STJ vale para casos em que presença seja imprescindível para os cuidados de filho pequeno ou de pessoa com deficiência.
Fecha de publicación: 11/04/2022

A história começou quando uma mãe condenada a nove anos por tráfico de drogas fez o pedido de prisão domiciliar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mulher tem dois filhos pequenos - um de dois e outro de seis anos. O presídio mais próximo para atender detentas fica a 230 quilômetros da cidade onde moram os menores e por causa disso era difícil cuidar deles. Foram dez meses de espera até que o tribunal decidiu pela mudança do regime fechado para o aberto. 

De acordo com o Tribunal, há precedentes para atender o pedido (entre eles, a Reclamação 40.676), segundo o qual, excepcionalmente, é possível a concessão da prisão domiciliar às presas que cumprem pena em regime fechado, nas situações em que sua presença seja imprescindível para os cuidados de filho pequeno ou de pessoa com deficiência, e desde que o crime não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça, nem contra os próprios descendentes ou contra a pessoa com deficiência.


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De acordo com o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, a mudança de regime é prevista nos artigos 318-A e 318-B do Código de Processo Penal (CPP). Entretanto, ele analisou que, no caso de condenação definitiva, a transferência para a prisão domiciliar, em regra, somente é admitida para quem está no regime aberto, desde que seja maior de 70 anos, portador de doença grave, gestante ou mãe de menor ou deficiente físico ou mental (artigo 117 da Lei de Execução Penal).

"Porém, excepcionalmente, o juízo da execução penal poderá conceder o benefício às presas dos regimes fechado e semiaberto quando verificado, no caso concreto, que tal medida seja proporcional, adequada e necessária, e a mãe seja imprescindível para os cuidados da criança ou da pessoa com deficiência, em juízo de ponderação entre o direito à segurança pública e a aplicação dos princípios da proteção integral da criança e da pessoa com deficiência", disse o relator.

Segundo ele, a adoção do benefício será inviável quando a periculosidade e as condições pessoais da detenta indicarem que o regime domiciliar não atende os melhores interesses da criança ou da pessoa com deficiência.


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O ministro avaliou que o STF reconhece que o sistema prisional brasileiro enfrenta uma violação crônica de direitos fundamentais e submetem mulheres grávidas, mães e seus filhos a situações degradantes, sem cuidados médicos adequados, sem berçários e creches.

Para o magistrado, também ficou caracterizada a ineficiência estatal em disponibilizar vaga em estabelecimento prisional próprio e adequado à condição pessoal da mãe, com assistência médica, berçário e creche.

O que dizem os especialistas

Para Ana Krasovic, advogada criminalista do Bialski Advogados, defende a decisão do STJ trata de um assunto que mereceria tópico próprio na legislação. Isso porque o artigo 117 da Lei de Execução Penal somente prevê quatro hipóteses de aplicação do benefício da prisão domiciliar: condenado maior de 70 anos, condenado com doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental ou gestante.

"Nossas cortes, de forma progressiva e corretamente, têm admitido a extensão dessa modalidade em outras hipóteses não previstas em lei (ao pai ou responsável legal na ausência dos genitores)”, diz.

A advogada explica que a garantia dos direitos dos menores e a preservação da integridade da criança estão previstas tanto na Constituição Federal (artigo 227) quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (artigo 4º). “O que justifica a evolução da jurisprudência é a necessidade de observância ao princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal para que se possa garantir que o menor tenha, de fato, convivência e amparo familiar”, avalia. 

Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio de Bialski Advogados lembra que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2016, aderiu às “Regras de Bangkok”, instituídas pela ONU (Organização das Nações Unidas) e que foram adotadas para o tratamento de mulheres presas no país.

“Em relação às mulheres com filhos menores, especificamente na regra 49/50, se tem sobre a necessidade do convívio do filho/filha com a mãe, ainda que dentro do estabelecimento prisional, prevalecendo-se aqui o melhor interesse da criança que, como colocado, sempre será com o convívio familiar”, afirmaa. Bialski, porém, alerta que os benefícios não são objetivos e devem ser avaliados caso a caso, “justamente para não servir de válvula de escape e de impunidade de infratoras".

André Galvão, criminalista, sócio do Bidino & Tórtima Advogados, lembra que é interesse do Estado resguardar os direitos e os interesses dos menores. "Impossível ignorar, nesse contexto, a realidade de crianças cuja subsistência dependa exclusivamente de suas mães, sendo louvável, pois, a recente decisão da Terceira Seção do STJ no sentido de readequar a forma de cumprimento da punição imposta à mãe de uma criança que está em fase de amamentação, condenada por crime não violento. Parece oportuno que seja modificada a Lei de Execução Penal para regular especificamente essa situação, a fim de que outros casos semelhantes não dependam de decisão das cortes superiores".

A criminalista Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo, sócia do Damiani Sociedade de Advogados, acredita que a decisão veio em boa hora. "Com efeito, valendo-se das premissas já delineadas pela Corte Suprema aplicadas tão somente a presas preventivas, permitiu sua aplicação também à reeducanda condenada ao cumprimento de pena em regime fechado a partir de uma análise global do caso concreto e da legislação, fazendo prevalecer, de forma muito bem aquilatada, a real necessidade da proteção integral do menor sobre o simbolismo ideológico da defesa social. Ganhamos todos”, diz.

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