O que está em jogo com o Marco Temporal?

O Marco Temporal defende que os povos indígenas podem reivindicar apenas terras que eram de sua posse no dia 5 de outubro de 1988/Mídia Índia
O Marco Temporal defende que os povos indígenas podem reivindicar apenas terras que eram de sua posse no dia 5 de outubro de 1988/Mídia Índia
Aprovação da tese pode encerrar muitos processos de demarcação de terras e incentivar a expulsão e desapropriação de áreas que atualmente estão demarcadas.
Fecha de publicación: 31/08/2021

Adiado duas vezes, o julgamento sobre o Marco Temporal promete ser realizado nesta quarta-feira (1º) no Supremo Tribunal Federal. De acordo com a norma, os povos indígenas podem reivindicar apenas terras que eram de sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A tese, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras, definirá o futuro das terras indígenas do Brasil.

Os ministros vão analisar a aplicação do marco temporal no processo do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Em 2019, o Supremo reconheceu a repercussão geral do RE, ou seja, a decisão tomada nesse julgamento terá consequências em todos os casos envolvendo terras indígenas no Brasil. 

A aprovação dessa tese pode encerrar muitos processos de demarcação de terras que estão em aberto. Também pode incentivar a expulsão e desapropriação de terras que atualmente estão demarcadas. A demarcação de terras está assegurada na Constituição brasileira, no art. 231, que “reconhece aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

A ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) demonstraram preocupação com a tese jurídica e seu impacto sobre os direitos humanos dos povos indígenas. 


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Para Francisco Cali Tzay, Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, “a aceitação de uma doutrina de marco temporal resultaria em uma negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra. De acordo com a Constituição, "os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”. 

Além disso, as organizações disseram que a tese contradiz normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

“Em particular, porque não leva em consideração os inúmeros casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com extrema violência, razão pela qual não estavam ocupando seus territórios em 1988”, afirmam.

É importante lembrar que, até 1988, os povos indígenas não tinham autonomia para lutar judicialmente pelos seus direitos. Os movimentos indígenas temem que a tese legalize e legitime as violências a que os povos foram submetidos e são até hoje, principalmente na região da Floresta Amazônica. 

“A nossa história não começou em 1988 e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no último sábado (28).

Na semana passada, seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram presentes em Brasília para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos. O julgamento está previsto para começar às 14h, com sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amici curiae.


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