O projeto que regulamenta a penhora de criptomoedas

A proposta faz outras alterações no Código de Processo Civil, como o julgamento virtual exclusivo nos casos de matérias com jurisprudência já consolidada por tribunais superiores/Pixabay
A proposta faz outras alterações no Código de Processo Civil, como o julgamento virtual exclusivo nos casos de matérias com jurisprudência já consolidada por tribunais superiores/Pixabay
Proposta, em discussão no Congresso, também avalia pagamento de precatórios pela Fazenda Pública.
Fecha de publicación: 30/08/2022

Um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, quer mudar o Código de Processo Civil para regular a penhora de criptoativos, as chamadas moedas digitais. Sobre o tema, a Receita Federal já editou norma que obriga a prestação de informações relativas às operações com criptoativos. Hoje não há determinação sobre as hipóteses de quebra de sigilo da chave privada - uma espécie de senha que permite ao titular realizar transferências e operações com criptoativos.

O texto do Projeto de Lei 1600/22 proíbe o acesso, pelo Judiciário, à chave. Dessa forma, a transferência da moeda digital poderá ser realizada pelo titular à carteira virtual da Justiça ou pelo operador de criptomoeda, ao executar uma decisão judicial, sem necessidade de prévio conhecimento do titular.

Para o autor da proposta, deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR), o criptoativo deve ser “expressamente reconhecido pelo ordenamento jurídico como elemento patrimonial apto a garantir execuções e satisfazer créditos”.


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A proposta faz outras alterações no Código de Processo Civil, entre elas a que disciplina o julgamento virtual exclusivo nos casos de matérias com jurisprudência já consolidada por tribunais superiores. Há também previsão de mudanças na legislação que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo (Lei n° 12.016/09) em artigo sobre o pagamento pela Fazenda Pública de dívida por meio de precatórios.

A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A discussão segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definiu em 2014 a  previsão de penhora de criptomoedas.

A análise do especialista

Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper, avalia que a proposta possibilita que esses ativos sejam utilizados como garantias em negócios jurídicos. Ele explica que há três pontos que merecem atenção na proposta.

A primeira é a definição de criptoativo, que optou pelo conceito de ativo virtual, independente de tecnologia e afastando do seu regime de incidência aqueles que forem valores mobiliários ou de outros regimes já regulados. Para evitar dificuldades na aplicação a lei, seria necessário, segundo o advogado, harmonizar esses conceitos. 

"Temos a ideia (bem-intencionada) de utilizar uma carteira virtual do juízo competente como custódia delegada — será um 'fiel depositário', fazendo com que o proprietário original dos criptoativos deixe de ter as chaves e, com isso, fique sujeito à constrição forçada. A proposta não leva em conta a possibilidade de essa custódia delegada ser operacionalizada por particulares que sejam (ou venham a ser) regulados. Um ponto que precisa ser harmonizado com o PL nº 4.401/2021, pois, na hipótese de prestadores de serviços de ativos virtuais devidamente autorizados, não faz sentido equiparar o depósito de criptoativos para fins de prestação de garantias em operações entre particulares a um regime semelhante ao de depósitos judiciais, quando os bens ficam a cargo do Poder Judiciário", analisa. 

O terceiro ponto, segundo o advogado, trata de uma situação diversa, que é a possibilidade de bloqueio de criptoativos durante a execução de bens de um devedor. Nesses casos, de acordo com o especialista, o Poder Judiciário precisa saber em quais intermediários de operações com criptoativos o executado possui algum saldo e, mediante expedição de ofício, determinar o bloqueio ou transferência dos bens, o que já é possível hoje - e é feito - sem a necessidade de uma lei específica. "À semelhança das observações anteriores, novamente a proposta precisa ser conciliada com as disposições do PL nº 4.401/2021 e seu regramento subsequente, não sendo razoável tratar da questão de forma autônoma". 

Para o advogado, eventual aprovação traz o risco de fazer com que, por conta da inflação legislativa, a insegurança jurídica aumente por conta de antinomias entre as normas sobre o tema e eventuais incompatibilidades entre a solução proposta e aspectos específicos da tecnologia envolvida, que necessitam de uma discussão mais cuidadosa.

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