As questões jurídicas do uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19

Os médicos chamam a atenção para as fake News que desorientam os pacientes, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada/Pixabay
Os médicos chamam a atenção para as fake News que desorientam os pacientes, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada/Pixabay
Prescrição sem comprovação de estudos clínicos preocupa cada vez mais os especialistas e pode causar um grande número de processos na Justiça.
Fecha de publicación: 30/03/2021

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Na última semana o Brasil atingiu a marca de 300 mil mortes pelo coronavírus, segundo país no mundo a alcançar esse triste número. O cenário é grave, não há um calendário consistente de vacinação e faltam remédios e leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Os médicos chamam a atenção para as fake News que desorientam os pacientes, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada.

Não há evidências concretas de que a hidroxicloroquina, cloroquina (medicamentos antimaláricos), nitazoxanida e ivermectina (medicamentos contra doenças parasitárias) tenham efeitos sobre a Covid-19.


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É cada vez mais recorrente casos de pacientes que usaram esses medicamentos e registraram agravamento no quadro ou desenvolveram doenças graves. Os medicamentos estão sendo utilizados para funções diferentes das que estão na bula e sem acompanhamento médico. Existe o risco de diferentes reações e efeitos desconhecidos a longo prazo. Segundo os especialistas, podem causar hemorragia pulmonar, arritmia, entre outros problemas. Alguns casos inclusive foram encaminhados para a fila de transplante de órgãos, por conta do uso abusivo de alguns pacientes. Em São Paulo, esse uso indiscriminado pode ter levado a morte de três pacientes.

No boletim divulgado no dia 23, a Associação Brasileira de Médicos (ABM) condena o uso de medicamentos sem eficácia para o tratamento da Covid-19. Em um comunicado anterior, de julho de 2020, a Associação defendia a autonomia do médico ao receitar os medicamentos, mas o posicionamento mudou depois de estudos seguros e definitivos sobre a questão.

“Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da Covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz o comunicado.

E quais são as implicações jurídicas desse uso? No mesmo documento, a Associação diz que “devido ao drama vivido no Brasil, se faz ainda mais relevante o papel do Judiciário como poder de guarda dos direitos constitucionais, entre os quais a saúde e a vida. Assim, registramos o crédito de que os tribunais seguirão se manifestando, ao estrito cumprimento da Lei, para garantir que todas as normas de isolamento sejam cumpridas à risca”.


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O professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, Elival da Silva Ramos, explica que o papel do judiciário nesses casos é apenas de verificar a legalidade das políticas públicas, não de criá-las. “A avaliação se fere ou não fere a liberdade individual, por exemplo, é tipicamente judiciária. O Judiciário está aí para verificar. O papel dele é de guardião da Constituição e de verificar essas coisas. O que não cabe ao Judiciário é ele mesmo fazer a política pública”, disse Elival.

A venda desses remédios foi impulsionada pelo “kit Covid”, um kit de medicamentos ineficazes para um suposto tratamento preventivo. Hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina fazem parte do kit.

Em fevereiro, a Justiça suspendeu a distribuição desses kits pela prefeitura de Porto Alegre. O juiz argumentou na sua decisão que não havia “evidências robustas” de eficácia baseada em estudos e reconhecidas pela comunidade científica.

Nesse caso em que o medicamento não tem eficácia comprovada e tem efeitos colaterais, o professor Elival Ramos afirma que o Judiciário pode perfeitamente entender que não cabe ao administrador distribuir. “Se houvesse uma lei que estabelecesse especificamente o uso desse medicamento, com avaliação técnica e fundamentação, nesse caso o Judiciário teria que respeitar a decisão. Mas se o próprio laudo não é tecnicamente bem-feito ou as pessoas que assinaram não têm competência para isso, a Justiça pode interferir”, avalia o especialista.

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