Remuneração de direitos autorais gera polêmica no PL das Fake News

Artistas se mobilizam para tentar tornar o pagamento de direitos autorais pelas plataformas digitais mais justo./Foto: Canva
Artistas se mobilizam para tentar tornar o pagamento de direitos autorais pelas plataformas digitais mais justo./Foto: Canva
Questão será votada separadamente no PL 2370/2019 que moderniza a Lei de Direitos Autorais.
Fecha de publicación: 18/05/2023

Entre os pontos que mais geraram discussão no Projeto de Lei 2630/20, conhecido como PL das Fake News, está a remuneração de conteúdos protegidos por direitos autorais. Mas o que os direitos de autor têm a ver com a luta contra a desinformação, o principal objetivo do PL?

Na realidade, o debate começou com a previsão de remuneração para empresas de conteúdos jornalísticos que circularem nas plataformas digitais. O artigo 32 do PL trata do pagamento de direitos autorais sobre o conteúdo jornalístico compartilhado, em qualquer formato.

“Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”, diz a Associação Nacional de Jornais (ANJ), em nota.

Paula Mena Barreto, sócia de Propriedade Intelectual e Proteção de Dados do Campos Mello Advogados em associação com DLA Piper, explica que a regulamentação de direitos autorais de matéria jornalística prevista na PL das Fake News já é adotada em outros países, como na Austrália, que foi pioneira em exigir que as plataformas pagassem pelo compartilhamento de conteúdo jornalístico. 

“Além disso, nosso projeto de lei foi inspirado na legislação da União Europeia. Nesse sentido, a Diretiva da União Europeia 2019/790, sobre direitos autorais no mercado digital, também prevê que as plataformas remunerem de forma justa os titulares de direitos autorais por conteúdos disponibilizados em tais plataformas, o que também inclui remunerar os veículos pela reprodução de suas reportagens ou notícias, por meio da celebração de acordos para concessão de licenças, por exemplo”, diz.

A proposta brasileira dá o direito à remuneração a qualquer empresa em funcionamento há, pelo menos 24 meses, mesmo se individual, que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.


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Reivindicações dos artistas

Nessa linha, o deputado relator, Orlando Silva, propôs adicionar também uma remuneração para os produtores de músicas, vídeos e filmes. Portanto, plataformas como Facebook, Instagram, TikTok e streamings deveriam pagar pela reprodução de conteúdos protegidos por direitos autorais e direitos conexos. 

Assim, a classe artística entrou na discussão para defender a manutenção da proteção dos direitos autorais no texto do PL. “Esse PL fala de direitos acima de tudo”, disse a cantora Marisa Monte na Câmara. “Direitos para todos em relação às grandes gestoras desse novo mundo digital que a gente está vivendo, que são as big techs. Direitos de transparência, como consumidores, como criadores.”

Atualmente, não é que não exista a remuneração por esses conteúdos, mas, segundo os artistas, é feita de forma injusta. Principalmente depois da pandemia, com a popularização dos serviços de streaming, o sistema comumente adotado é o de buyout, ou seja, o artista é remunerado apenas uma vez e não recebe royalties

“É uma remuneração que as empresas pagam de pronto para os artistas, e apenas isso. Não paga por veiculação ou por outras exibições. Então, pelo que eu entendo, o projeto seria para trazer mais a questão de negociação de valores, para ter uma remuneração mais justa e que pudesse equacionar alguns direitos que estavam sendo, digamos assim, reduzidos", diz Paula Mena Barreto.

O artigo 31 do PL estabelece que “conteúdos protegidos por direitos de autor e direitos conexos (...) ensejarão remuneração a seus titulares pelos provedores (...) na forma de regulamentação pelo órgão competente, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e independente”.

Para a especialista do Campos Mello Advogados, o PL traz uma força maior para uma negociação, uma remuneração com critérios mais adequados, com resoluções de conflitos, se tiver algum problema, e não como está no mercado hoje em dia.  

“Não é que as obras não sejam protegidas. Todos os provedores de conteúdo precisam sim atender aos requisitos e às autorizações de direitos autorais e conexos. Mas o que acontece? Eles estão adquirindo esses direitos de uma forma que a negociação não está sendo justa, segundo os artistas. Os autores entendem que [as plataformas] estão pagando pouco por uma utilização em larga escala e isso poderia ser negociado”, diz. 

O parágrafo 2º do art. 31 do PL das Fake News também estabelece que os titulares de conteúdos protegidos busquem exercer seus direitos de remuneração preferencialmente por meio de associações de gestão coletiva de direitos autorais, assim como o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) já faz ao recolher e distribuir os direitos de execução pública das obras musicais e fonogramas.

Esse ponto também está presente na legislação da União Europeia. A Diretiva 2014/26/EU prevê diversas obrigações a essas organizações de gestão coletiva de modo a garantir um padrão mínimo de proteção aos direitos de autor, dentre as quais as obrigações de transparência e de informação aos titulares sobre a gestão dos seus direitos, o que inclui fornecer informações sobre as arrecadações e remunerações. 


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E agora?

As big techs buscam adiar a votação do projeto, alegando que é necessário mais debates. Em uma reportagem do Estadão, o Google afirmou que o PL prejudica as licenças de direitos autorais para hospedar vídeos ao obrigar que elas sejam pagas sem identificar os destinatários ou os motivos de pagamento. 

“Nesse sentido, as plataformas não poderiam mais oferecer serviços gratuitos de hospedagem ou compartilhamento de conteúdo sem pagar quem deseja usar seus produtos. Isso significa que poderá deixar de ser viável financeiramente para as plataformas oferecerem serviços gratuitos”, afirmou.

Diante de questionamentos se o PL das Fake News era, de fato, o melhor fórum para discutir a remuneração dos direitos autorais, além da dificuldade em dar continuidade na votação do PL, os parlamentares decidiram tratar do tema em um outro projeto de lei, o PL 2370/2019, da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). 

O texto original do PL 2370/19 altera mais de 40 artigos da Lei de Direitos Autorais e coloca mais de 20 outros pontos no lugar. Em 2019, o projeto teve parecer aprovado pela Comissão de Cultura da Câmara e desde então ficou paralisado. Agora o texto está em negociação para trazer todos os detalhes em relação às plataformas digitais e deve ter urgência votada na semana que vem.

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